O desastre de Beirute não merece apenas o nosso espanto

por Gustavo Carona,    6 Agosto, 2020
O desastre de Beirute não merece apenas o nosso espanto
Uma nuvem de fumo sobe os escombros de um quartel bombardeado em Beirute, em 1983 / Fotografia do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos
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Foi espetacular. Foi inédito. Foi descontinuado no tempo. E de alguma forma podia nos ter acontecido a nós. É interessante ver como funciona a nossa empatia, a nossa ligação à notícia e o que controla a atenção das nossas sinapses cerebrais. Não é o número de mortos, nem o número de feridos, nem o número de desalojados, nem muito menos o facto de, a esmagadora maioria de todos os bens que entram, nutrem, alimentam e sustentam aquele país não ter agora por onde entrar, uma vez que foi destruído o coração de Beirute e o motor do Líbano. Nada disso para nós é notícia. O espetáculo sim, é notícia.

Ficamos a saber o número de toneladas, os anos de armazenamento, a rota do destino previsto, para que serve e como explode o nitrato de amónio. Que é usado para fabricar IED (Dispositivos Explosivos Improvisados) por grupos terroristas, e o que lhe é preciso adicionar para que se torne num potente explosivo. O storytelling é espetacular, porque as imagens são absolutamente espetaculares, e é isso que para nós é noticia. Nós gostamos de coisas espetaculares e que nunca ninguém viu.

E aqui se divide a natureza humana. Há uma ínfima minoria da comunidade internacional e do comum dos cidadãos que se sente empaticamente e genuinamente conectado com o sofrimento de um povo que fala uma língua estranha, reza de joelhos para Meca, e tem ligações próximas com um bicho papão chamado Irão. Mas esta empatia genuína, tão bonita quanto rara, apenas toca num ínfima percentagem de pessoas que conseguem projectar a sua humanidade, como algo de global. Talvez a espetacularidade ajude à publicidade da gigantesca ajuda que o Líbano precisa neste momento. Mas temo que dois ou três dias chegue para deixar de ser notícia. Sabemos que o Àrabe “não vende”, veja-se o desprezo das nossas atenções à guerra da Síria, Líbia, Iraque ou Iémen.

As pessoas em risco de morrer à fome pela crise mundial em que nos deparamos, duplicará de 130 milhões para 260 milhões. Mas isso é notícia de rodapé. Isso não é espetacular, não é inédito, é continuo no tempo, e não nos podia ter acontecido a nós. E por isso é menos notícia, e por isso não nos interessa muito saber os porquês. É apenas um dado. Não é espetacular, o nosso cérebro não processa como informação importante a indagar. O storytelling é enfadonho. Decidimos que essas pessoas não são pessoas. E seguimos felizes com essa decisão.

Seria espetacular que percebêssemos que o desastre de Beirute não merece apenas o nosso espanto hollywoodesco, mas essencialmente a nossa atenção, o nosso coração e os nossos donativos para minimizar o sofrimento de um país (Líbano) que tem a particularidade de ser o país que mais refugiados recebe per capita do mundo.

E seria ainda mais espetacular, se percebêssemos que as notícias que mais deviam cativar as nossas reflexões e as nossas acções, são aquelas que não são espetaculares.

Um espetáculo era vermos o mundo com mais coração.

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