O calceteiro de Coimbra

por Bernardo Oliveira,    28 Dezembro, 2020
O calceteiro de Coimbra
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Numa dessas manhãs que por aí passam, onde as pessoas caminham atarefadas e o tempo urge em ser cumprido, sentei-me na esplanada de uma pastelaria para tomar o meu pequeno-almoço. Enquanto várias personalidades iam caminhando pelas ruas em meu redor, sobretudo jovens universitários, ou não estivesse eu na cidade dos estudantes, alguém em particular captou a atenção.

De joelhos, martelo na mão e um arsenal de pedras perto de si, um senhor cumpria com toda a perfeição a tarefa que lhe tinha sido atribuída. Sem régua nem esquadro, sem cálculos matemáticos nem fórmulas mirabolantes, este senhor colocava cada pedra na areia como se estivesse a plantar uma das flores mais bonitas e delicadas do universo. As suas mãos transmitiam perfeição, e a calçada que ia desenhando era merecedora de todos os elogios do mundo.

Enquanto isso, pessoas passavam por ele como se ali não estivesse ninguém. Talvez por estar numa posição tão baixa, ou por outro motivo qualquer, ninguém parecia dar conta que ali estava o calceteiro mais dedicado da cidade. Quem por ali caminhava fazia-o em ritmo acelerado, porque há horários na vida que têm de ser cumpridos, e não há tempo sequer para disfrutar dos pequenos prazeres da vida. 

Ainda assim, o calceteiro lá continuava. Martelava com bonita dedicação, e não precisava de um sequer elogio para continuar focado na execução da sua obra de arte. Vemos tanta gente maldisposta nos serviços que exercem por não sentirem gosto naquilo que fazem e, pelo contrário, aquele senhor parecia tão feliz como uma criança que brinca livremente num parque infantil. A máscara que trazia no rosto, que de vez em quando teimava em cair até ao queixo, permitiu-me ver por breves instantes os jeitos que fazia com a boca, que davam conta da profunda concentração em alinhar da melhor forma as pedras que tinha à disposição.

Atualmente, há prémios por tudo e por nada. Premeia-se até aqueles que nada fizeram, ou que até prejuízo deram, com bónus chorudos que entram suavemente nos bolsos sem razão nem porquê. No entanto, este senhor não precisou de nada disso para se dedicar à sua nobre tarefa. Realizou-a com a mestria de muito poucos. No final de contas, o premiado fui eu, que pude assistir à sua obra-prima. E não paguei por isso.

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