Comunidade Cultura e Arte
No Result
View All Result
  • CINEMA
  • TV
  • MÚSICA
  • LIVROS
  • ARTES
  • SOCIEDADE
  • ENTREVISTAS
  • OPINIÃO
    • CRÍTICAS
    • CRÓNICAS
  • CINEMA
  • TV
  • MÚSICA
  • LIVROS
  • ARTES
  • SOCIEDADE
  • ENTREVISTAS
  • OPINIÃO
    • CRÍTICAS
    • CRÓNICAS
No Result
View All Result
Comunidade Cultura e Arte
No Result
View All Result

“Noites Brancas”, de Dostoiévski: a eternidade num minuto de felicidade

por Ana Isabel Fernandes
1 Outubro, 2020
em Críticas, Livros
“Noites Brancas”, de Dostoiévski: a eternidade num minuto de felicidade

Fiódor Dostoiévski

Noites Brancas, de Fiódor Dostoiévski, foi relançado este ano pela Relógio D’água, numa oportunidade para uma nova incursão pelo livro que mais marcou o romantismo delicodoce do autor russo.

Noites Brancas, lançado pela primeira vez em 1848, é uma obra totalmente voltada para o romantismo e para os seus devaneios, com tanto de ilusão como de brevidade. Sucinta, não apresenta como objectivo a sagacidade da crítica à sociedade russa e europeia, como se vê, por exemplo, em O Idiota. No entanto, a densidade psicológica que Dostoiévski apresenta em todos os seus livros é, de tal forma, impactante, que a psiquiatra e precursora da terapia ocupacional no Brasil, Nise da Silveira, lhe era totalmente devota, assim como a Machado de Assis (a sua grande paixão literária) e Artaud – chegando ao ponto de referir que ler este trio superava os compêndios de psicologia para entender a fundo a alma humana. Noites Brancas, não obstante, é breve e lê-se de forma descomplexada, o que faz sentido porque toda a obra é sobre como um momento breve de amor, ou melhor, como um momento breve de ilusão de amor, pode deixar marcas para a eternidade. E, como tal, o tema, embora breve, acaba por lucrar no quanto tem de complexo.

No fundo, o que Dostoiévski nos apresenta é uma brincadeira com a duração, em si, dos eventos, e a exploração ao máximo de como duas pessoas que, no fundo, se encontram há muito num plano total de solidão, se agarraram à brevidade e à sua promessa de arrebatamento como um escape ao peso do seu dia-a-dia que parece durar e durar. Como tudo isso, como essa simples e breve promessa, pode deixar uma marca para toda a vida ou, pelo menos, uma marca que não passará assim tão facilmente – mesmo sendo uma promessa de quimera, ou uma promessa que se vive com a mesma dissonância ou falta de realidade de um sonho.

“Mas recordar a minha ofensa, Nástenka! Erguer uma nuvem escura sobre a tua felicidade clara e serena, que eu, como uma amarga censura, lançasse a tristeza no teu coração, que o ferisse com um secreto remorso e o obrigasse a pulsar com melancolia num momento de beatitude e fizesse emurchecer nem que fosse uma das tuas flores que entrelaçaste nas tuas melenas negras quando subias ao altar … Oh, nunca, nunca! Que o teu céu permaneça límpido, que o teu amável sorriso seja luminoso e sereno, e que sejas abençoada pelo momento de deleite e de felicidade que deste a outro coração, solitário e agradecido! Meu Deus! Um minuto inteiro de felicidade! Mas será isso pouco para toda uma vida?”

No início do Verão, em São Petersburgo, dá-se o fenómeno das Noites Brancas, o prolongamento dos dias sem o sol se pôr na totalidade – ou seja, não escurece verdadeiramente. Logo aqui vemos como o ambiente é de surrealismo, improbabilidade e de completa quimera. Estabelece-se, também, um paralelismo com a tal noção de brevidade e eternidade das acções dos protagonistas, com a própria duração dos dias e o seu microcosmos irreal, restrito a uma só parte do ano. A obra, que no total nem chega às 80 páginas – pelo menos na edição da Relógio D’água – restringe-se, quase na sua totalidade (à excepção do final), à interacção directa entre apenas duas personagens, havendo, apenas indirectamente, a influência ou interacção de três personagens secundárias mas de grande importância. Essa interacção directa dá-se entre a jovem Nástenka, de apenas 17 anos, e um irrecuperável sonhador do qual não sabemos o nome, apenas a solidão em que permanece. O seu anonimato no livro quase que estabelece um paralelismo com o anonimato da sua própria vida. Completamente sozinho, numa altura em que vê os habitantes de São Petersburgo partirem para as ‘datchas’ (as casas de campo para férias) enquanto o próprio fica, o sonhador deambula pelos quatro cantos da cidade que parece conhecer intimamente, estabelecendo uma espécie de irmandade e comunhão com as próprias casas, por fazerem parte da infraestrutura e cara da própria cidade, mas não com as pessoas que nelas habitam. A escassa interação que vai tendo é com a sua empregada, sobre a qual diz recorrentemente não ter nenhum laivo imaginativo (no livro só estabelecem um diálogo directo no final), e é perante este quadro de sonho e de solidão que conhece, então, Nástenka – uma jovem de 17 anos que tem tanto de ingenuidade, como de impulsividade e anseio – na sua própria demanda pelo seu amor.

Podemos dizer que em Noites Brancas tudo acontece demasiado rápido e de forma fulgurante, tal como romanticamente é suposto acontecer. Poder-se-ia pensar, até, que essa rapidez chega mesmo a ser inconsequente. O sonhador cruza-se com Nástenka (a primeira mulher além da empregada com quem, de facto, comunica) e fica-lhe grato por não o ter afastado e pela sua atenção. O contacto entre os dois estabelece-se, apenas, em quatro noites (quatro noites brancas), mas é o suficiente para o sonhador se apaixonar pela jovem, por trocarem as suas histórias da forma mais aberta possível, e por aceder (independentemente da paixão instalada) a ajudar Nástenka no seu dilema amoroso. Por sua vez, a jovem vive com a sua avó, de quem gosta, mas com o senão de ser extremamente conservadora ao ponto de ter a sua neta presa por um alfinete a si, através das saias. Num ápice, e no auge da impulsividade da sua juventude, apaixona-se por um outro jovem (embora mais velho) e, sem grande contacto ou ainda sem lhe ter confessado o seu amor, apresenta-se no seu quarto de malas feitas para partir com ele, quando descobre que o seu apaixonado tem de se ausentar. É então que a promessa lhe é feita – o jovem homem voltaria dentro de um ano, apresentar-se-ia no local combinado para o encontro, e se Nástenka ainda o quisesse na altura, então casar-se-ia com ela. A jovem, acalentada pela promessa, paixão, e esperança de uma outra vida com mais independência sem o alfinete da avó, agarrou-se a essa breve mas marcante promessa e assim fez – esperou o ano que expiraria, exactamente, na altura em que conhece o sonhador protagonista.

Capa do livro

A afinidade repentina entre o sonhador e Nástenka dá-se apenas pelo vislumbre que ambos têm da sua solidão e da sua desgraça partilhada. Tal como Almada Negreiros chegou a dizer como uma forma de explicar o porquê da reunião da geração do Orpheu, “quem partilha a mesma desgraça, junta-se”, e em parte é o que se pode aplicar à relação tão rápida mas tão marcante entre os dois. A grande diferença é que Nástenka, nas suas próprias palavras simples, fútil e inconsequente como a própria juventude deve ser (como diria Rimbaud ninguém é sério aos 17 anos), representa o acalento e a esperança de um sonho ainda no seu início – agarra-se a essa possibilidade com todas as suas forças para conseguir ter uma promessa de vida, ainda que envolta em quimera. É o que, de facto, faz apaixonar o protagonista, porque tal atitude representa o laivo imaginativo tão necessário que este procurava. Já o sonhador, mais velho, embora goste de ver essa esperança reflectida, tem de aprender a juntar os destroços da realidade e deixar essa esperança partir sem rancor, e compreender o que pode subsistir do sonho, apesar da traição da realidade.

Dostoiévski serve-se da narração na primeira pessoa (é o sonhador que conta a história) e é neste particular que faz um jogo interessante entre essa mesma narração e a construção dos diálogos. Lemos o protagonista contar a história na primeira pessoa, mas quando chega a altura de a contar à jovem Nástenka, não consegue fazê-lo. Tem de contar a sua história na terceira pessoa. Fazendo um paralelismo com o próprio anonimato do seu nome e da sua própria vida, torna-se visível a própria despersonalização que não consegue superar.

No fundo, as perguntas que Fiódor Dostoiévski nos lança são as seguintes: pode a vida ser feita e marcada por um breve e fulgurante momento? O que faz um breve momento ecoar na eternidade das nossas próprias vidas? O que que se revela eterno e o que é que se revela duradouro?

Se quiseres ajudar a Comunidade Cultura e Arte, para que seja um projecto profissional e de referência, podes apoiar aqui.

Tags: DostoievskiNoites BrancasRelógio D'Água

Artigos Relacionados

“A Era do Capitalismo da Vigilância”, da socióloga Shoshana Zuboff, chega às livrarias portuguesas

“A Era do Capitalismo da Vigilância”, da socióloga Shoshana Zuboff, chega às livrarias portuguesas

por Redacção
14 Dezembro, 2020
0

Nesta obra, editada em Portugal pela Relógio D'Água, a socióloga norte-americana Shoshana Zuboff mostra como está em vias de desaparecimento...

9 livros que podes oferecer no Natal

9 livros que podes oferecer no Natal

por Redacção
11 Dezembro, 2020
0

Mesmo que a pandemia persista em nos manter fechados em casa, o Natal está finalmente a aproximar-se e, com isso,...

“Montanha Mágica” e “Morte em Veneza”: o confronto de ideologias em Thomas Mann

“Montanha Mágica” e “Morte em Veneza”: o confronto de ideologias em Thomas Mann

por Ana Isabel Fernandes
20 Agosto, 2020
0

Thomas Mann foi dos escritores que mais bem retratou a mudança de paradigmas do século XIX para o século XX,...

Novo romance de Elena Ferrante, “A Vida Mentirosa dos Adultos”, vai ser publicado em Portugal

Novo romance de Elena Ferrante, “A Vida Mentirosa dos Adultos”, vai ser publicado em Portugal

por Redacção
22 Novembro, 2019
0

De Elena Ferrante, a Relógio D’Água publicou Crónicas do Mal de Amor, A Amiga Genial, História do Novo Nome, História de...

À procura de Hemingway em Ronda

“Memórias, Sonhos, Reflexões”: uma viagem interior pela autobiografia de Carl Gustav Jung

por Ana Isabel Fernandes
3 Junho, 2020
0

“As circunstâncias exteriores não podem substituir as interiores. Por isso, a minha vida é pobre em acontecimentos exteriores. Não posso...

Ígor Sukhikh dá ao leitor uma potente enciclopédia sobre Tchékhov

Ígor Sukhikh dá ao leitor uma potente enciclopédia sobre Tchékhov

por Mário Rufino
23 Outubro, 2019
0

O que fazer com um autor que dizia sofrer de “autobiografofobia”? A montagem biográfica orientada por Ígor Sukhikh parece ser...

Assina a nossa Newsletter

Recebe em primeira mão, todas as novidades da Comunidade Cultura e Arte

Os mais Populares

17 filmes e uma série para veres na RTP nos próximos dias

17 filmes e uma série para veres na RTP nos próximos dias

4 Fevereiro, 2021
“Branca de Neve”, de João César Monteiro: o filme que indignou Portugal

“Branca de Neve”, de João César Monteiro: o filme que indignou Portugal

6 Março, 2021
Já se conhecem todos os vencedores dos Globos de Ouro 2020

Já se conhecem os vencedores dos Globos de Ouro 2021

1 Março, 2021
RTP2 exibe documentário sobre Elena Ferrante, uma das escritoras mais importantes século XXI

RTP2 exibe documentário sobre Elena Ferrante, uma das escritoras mais importantes século XXI

21 Fevereiro, 2021

Sobre a Comunidade Cultura e Arte

A Comunidade Cultura e Arte tem como principal missão popularizar e homenagear a Cultura e a Arte em todas as suas vertentes.

A Comunidade Cultura e Arte procura informação actual, rigorosa, isenta, independente de poderes políticos ou particulares, e com orientação criativa para os leitores.

ver mais

Segue-nos no Facebook

Segue-nos no Instagram

Seguir

  • Sobre a CCA
  • Privacidade & Cookies
  • Apoiantes
  • Parceiros
  • Fala Connosco Aqui

CCA 2019 © Todos os direitos são reservados.

No Result
View All Result
  • CINEMA
  • TV
  • MÚSICA
  • LIVROS
  • ARTES
  • SOCIEDADE
  • ENTREVISTAS
  • OPINIÃO
    • CRÍTICAS
    • CRÓNICAS

CCA 2019 © Todos os direitos são reservados.

Go to mobile version