No meu tempo é que era

por José Malta,    8 Abril, 2018
No meu tempo é que era
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Passámos já o primeiro trimestre do ano de 2018, ano que aparentemente poderá ser visto como banal ou especial em relação aos anteriores, com acontecimentos mais ou menos importantes, maiores ou menores perdas, com mais impacto, com menos impacto… só o que resta deste ano ainda o poderá dizer. No entanto 2018 irá ser marcante pelo menos neste sentido: as pessoas nascidas no ano de 2000 celebram este ano 18 anos de existência, o que provavelmente deixa aqueles que nasceram nos anos 90 sentirem-se velhos e os nascidos nos anos 80 ou 70 mais velhos ainda. Ser-se considerado adulto tendo nascido num ano onde o algarismo dos milhares é maior do que a unidade era algo que há pouco tempo seria impensável. Porém, este facto marca também a extinção dos menores de idade nascidos no século XX, o que forma todo um cenário de que aqueles anos de crescimento nos últimos cartuchos deste século passarão a ser apenas e só gloriosas memórias. De um modo geral, o dia 31 de Dezembro deste ano será o último dia onde haverá à face da terra jovens adolescentes nascidos no passado milénio.

Poderemos muito brevemente sentirmo-nos velhos ao dizer “No meu tempo é que era”, uma expressão bastante utilizada pelos nossos pais e avós e que intensifica a ideia de que não só as suas idades são superiores às nossas, mas de que os tempos em que viveram eram diferentes quer seja para melhor ou para pior. Há quem ache que só a partir de uma determinada altura é que se pode usar esta expressão, quase como se fosse algo que só certas pessoas que tenham vivido até uma certa idade têm o dom de usar, o que não deixa de ser verdade. Mas para o caso daqueles que nasceram e cresceram nos finais do século passado, a utilização desta expressão torna-se precoce relativamente às gerações anteriores, devido aos tempos que correm. Não querendo dizer que as gerações do momento são piores ou melhores do que as gerações desta altura, nem fazer uma espécie de distinção pois no futuro uma crónica deste género poderá ter em conta outras gerações de outras eras. Mas a verdade é que há uma magia especial naquele sprint final do século passado, onde os acontecimentos e as transformações eram de tal ordem que os vivíamos com uma intensidade exclusiva. E nem eram as coisas mais extravagantes com que hoje nos deparamos diariamente, eram até as coisas mais simples e vulgares que hoje parece que deixaram de fazer qualquer sentido.

Actualmente a alta tecnologia de bolso encontra-se ao acesso de qualquer um de nós e dependemos desta como do nosso corpo de água. A procura de um prazer constante é algo que é impingido desde muito cedo e que acaba por inibir a procura das coisas mais óbvias. Naqueles tempos não. Havia uma maior luta pelo prazer e pelos desafios nas coisas mais simples. Por exemplo quando já não tínhamos mais livros de Banda Desenhada para ler, ou quando no recreio o dono da bola ficava de coração partido quando esta se furava, ou quando ficávamos frustrados quando as nossas mães gritavam “Despacha-te, senão chegas atrasado à escola!” por não sabermos descolar do velho televisor onde os episódios de Dragon Ball emergiam naquele compasso característico, ou quando o nosso maior problema era quando as pilhas do nosso Game Boy ou do nosso Walkman se gastavam e os nossos pais não nos davam mais até ao fim do mês, ou quando tínhamos deixado uma dívida imensa no clube de vídeo quando já não havia mais filmes repetidos para se ver, ou quando os nossos CDs dos Nivarna ou dos Daft Punk ficavam tão riscados de tanto os ouvirmos e os passarmos de mão em mão aos nossos amigos que já não dava mais para os usar. Todas estas coisas levavam-nos a puxar pela imaginação e pela criatividade, procurando outras formas de passarmos o tempo, puxar pela imaginação, sentir as coisas de modo puro longe de qualquer imperialismo tecnológico, abrindo horizontes para um imaginário onde habitavam nele elementos mais puros do que aqueles que existiam no mundo.

Esta expressão “No meu tempo é que era” tende a ser utilizada constantemente pelas gerações que envelhecem em relação às gerações mais novas. Temos sempre a tendência em achar que o tempo em que vivemos foi melhor ou mais duro daquele onde as novas gerações vivem. Quem viveu e testemunhou os últimos cartuchos do século passado tende a usar esta expressão mais cedo do que deveria por diversas razões. Porque nascer e crescer no final de um dos mais marcantes séculos tem o seu significado. Porque sentir o que é o fim de um milénio ainda na flor da idade tem outro sabor. Porque ter fracções de vida numa altura que parece cada vez mais remota é especial. Porque ter saboreado uma era com acessos diferentes dá-nos um currículo de vida diferente. Porque só quem viveu é que sabe e em breve apenas terá histórias para contar às gerações futuras. No meu tempo é que era, no nosso tempo é que era, naquele tempo é que era. Deixou de o ser, já não o é. Mas deixa imensas saudades.

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