Não há festivais, mas também não há novidade

por Luis Sousa Ferreira,    10 Maio, 2020
Não há festivais, mas também não há novidade
Bons Sons / Fotografia de Carlos Martins
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Não gosto de dramatizar, mas também não gosto do ânimo leve disto tudo. No dia em que vi um vídeo oficial a dizer que a cultura seria a primeira a abrir, foi também o dia em que foi comunicado que não haverá festivais até 30 Setembro. Claro que compreendo a decisão. Só não tolero a ideia romântica que para o ano há mais, até nem estamos em tempos de festa…

Que a grande maioria não consiga perceber a essência destes eventos, a importância que eles têm para a cultura popular e a força que representam para as economias regionais, ainda aceito. Agora, não compreendo que as autoridades nacionais e locais não percebam a catástrofe que isto representa para todos os agentes profissionais e amadores. Quanto tempo aguenta um homem debaixo de água?

A título de exemplo, falo de um festival que me é naturalmente próximo e do qual já não faço parte. Todos os eventos têm investimentos a médio prazo, com a ideia da realização das suas edições. Como na agricultura, o trabalho é anual e os frutos só se colhem numa época concreta, pagando assim todo o esforço. Todos os festivais têm equipas que começam a trabalhar um ano antes. Todos os festivais são centros económicos, que garantem o sustento a muitos prestadores de serviços e a existência de muitos outros.

O Bons Sons traz à sua região um movimento de 3 milhões de euros que são repartidos pelas mais distintas áreas e estruturas. Contudo, tem um investimento que cai, sobretudo, sobre uma estrutura de voluntários. A par do SCOCS, Associação Cultural, que imagino que esteja a passar por uma das fases mais complicadas da sua história, centenas de associações culturais pelo país fora estão, certamente, a fazer contas à vida. Como podem estes voluntários sustentar estruturas que apenas se sustentam com a sua atividade? Estruturas sem apoio, sem alternativa e com um papel basilar para a cultura, apoio social e economias locais. Depois de tudo isto restará pedra sobre pedra? Como se pagam os profissionais, os empréstimos, os encargos, as contas e os investimentos?

Há edição para o ano? Depende muito dos parceiros, dos públicos e das comunidades. Depende muito da rede que se criar. Percebo perfeitamente que se garantam os bilhetes, são parte da garantia da sobrevivência destas estruturas. No ano passado, acabaram dezenas largas de festivais que eram a garantia da equidade e diversidade cultural de Portugal. Quantos acham que vão sobreviver a esta hecatombe? Ficaremos mais pobres, menos diversos e a promover os modelos do costume. Não vai ficar tudo bem, se não nos juntarmos para salvar o que nos define como país.

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