Mouse on Mars na Culturgest: o impacto de quando orgânico e digital se unem

por Bernardo Crastes,    7 Dezembro, 2018
Mouse on Mars na Culturgest: o impacto de quando orgânico e digital se unem
Mouse on Mars. Fotografia: Vera Marmelo
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Eis então que a irrequieta e rica programação musical de Outono da Culturgest chega praticamente ao seu ocaso. Após termos assistido a concertos de clássicos (Midori Takada) ou novos mestres (Tim Hecker) da música ambiente experimental, feito um desvio pelo jazz com Peter Evans e a Orquestra Jazz de Matosinhos e explorado a quebra de barreiras da música electrónica com James Holden, rumámos até ao Grande Auditório da instituição para mais um grande trunfo: o duo alemão Mouse on Mars. A sua prolífica carreira de mais de 25 anos tem seguido inúmeros e variadíssimos estímulos de criatividade, um dos quais os levou a Dimensional People, o mais recente álbum. Este disco épico é uma amálgama do orgânico e do digital, resultante de uma sessão de gravação com bastantes músicos e robôs MIDI programados para levar a produção de música a um outro nível. Ao vivo, o resultado é ainda mais impactante.

O início do concerto não é adequado a cardíacos. Após se apagarem as luzes, esperamos que os elementos que interpretarão os temas para nós apareçam em palco; em vez disso, dois flashes de luz iluminam os gongos de lado do palco, acompanhados de um som penetrante. Após darmos um salto na cadeira e nos tentarmos recompor, outros flashes iluminam os tambores na retaguarda do palco, acompanhados de mais uma batida forte. O palco torna-se num campo de pequenas estrelas cadentes, aparecendo e desaparecendo ao ritmo da batida programada dos robôs que tocavam nos elementos percussivos. É uma orgia de sons tribais dissonantes que põe todo o público em sentido, apercebendo-nos então de que ainda nem sequer está ninguém em palco.

Mouse on Mars. Fotografia: Vera Marmelo

As luzes apagam-se de novo e, sem termos a certeza do que se seguiria, os elementos sob em ao palco no meio da penumbra. O público ainda está tão atordoado que nem aplaude a entrada: isso está reservado para o final. É então que Andi Toma e Jan St. Werner, acompanhados de um trio de músicos, começam a sua dissecção ao vivo de Dimensional People. O alinhamento segue o mesmo do álbum, mas leva o seu tempo no aquecimento. Um dos robôs começa a bater insistentemente num bloco com a precisão de um metrónomo em speed, para dar início à suite “Dimensional People”, que passa pelas suas três partes – que em estúdio têm a colaboração de Justin Vernon (Bon Iver) e Aaron Dessner (The National). O ritmo começa pelo dançável, mas entretanto fixa-se em algo mais semelhante às estruturas do jazz. Por esta altura, os humanos estão em controlo e subjugam a base musical robótica à sua mercê.

Em vez de Justin, o percussionista Dodo Nkishi empresta a sua voz à música, que é processada ao vivo, assim como o som da guitarra tocada por Andi. Toda a música que está a ser tocada dá a impressão de estar a ser criada no momento, como se estivéssemos a assistir à jam que deu origem ao álbum, muito graças à excelente produção de som, que o coloca directamente em cima do público, envolvendo-o como a nuvem de fumo que sobe lentamente no final ambiente de “Dimensional People III”. As texturas vão-se sobrepondo e a música que antes havia sido tão concisa em todo o seu ritmo difunde-se num segmento ambiente verdadeiramente relaxante. A nuvem de fumo refracta a luz alaranjada e é como se estivéssemos dentro de uma qualquer estufa de vidros baços.

Mouse on Mars. Fotografia: Vera Marmelo

Entretanto, os robôs anunciam-se com mais flashes de luz e torna-se realmente impressionante ver Nkishi a controlar a sua percussão que complementa a música, agora comandada pelo ritmo programado. Tudo isto para dar início a “Daylight”. É mais um momento em que o ritmo impera, evocando a electricidade de um sonho febril. Mas os sintetizadores começam a emitir sons em decrescendo, como o de um sistema a falhar, e o sonho passa a pesadelo. Musicar pesadelos é uma tarefa mais que válida, mas a música que os Mouse on Mars escolhem para o fazer acaba por não ser tão interessante como aquela que a antecedeu, perdendo-se em rascunhos de sons que parecem não ter propósito.

Felizmente, este interlúdio tem o seu término e voltamos ao pára-arranca que nos agradou tanto no início, com a intensidade rítmica a intercalar-se com a beleza dos momentos mais tranquilos. Acima de tudo, o trompete de Hilary Jeffery destaca-se, amaciando os ângulos dos ritmos com os seus sons graves. Entretanto surge uma gravação com a voz de Swamp Dogg, que nos recita “Resumé”, ao mesmo tempo que a banda toca por trás. O concerto chega então ao seu final, com muitos aplausos por parte do público. O duo agradece o carinho e respeito e o espectáculo dá-se por terminado, pois Dimensional People havia chegado ao fim também. Saímos todos da sala ao som do clássico de Swamp Dogg, que ouvimos como sample em “Resumé” – “Baby You Are My Everything”.

Através da sua inventividade, os Mouse on Mars criaram assim um espectáculo que tão depressa não sairá das mentes de quem lá esteve presente. Ouviremos o álbum para recordar, mas nunca chegará às alturas do impacto que é ouvi-lo ao vivo.

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