Motelx 2020: “Ich-Chi”, “My Heart Can’t Beat Unless You Tell It To”, “Relic” e “First Love”

por David Bernardino,    15 Setembro, 2020
Motelx 2020: “Ich-Chi”, “My Heart Can’t Beat Unless You Tell It To”, “Relic” e “First Love”
My Heart Can’t Beat Unless You Tell It To
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O terceiro dia do MOTELX 2020 foi um dia particularmente sólido em termos cinematográficos. É verdade que não se assistiu a nenhuma obra-prima, mas por outro lado nenhum dos filmes exibidos desapontou em particular. Do terror místico de uma das zonas mais inóspitas do planeta, Yakutia na Rússia, com Ich-Chi, passámos pelo drama tétrico de My Heart Can’t Beat Unless You Tell It To e pelo horror familiar de Relic, para terminar com a festa over the top de First Love, o mais recente filme de Takashi Miike.

Ich-Chi: Ich-Chi é um daqueles filmes ao qual dificilmente se terá acesso fora do circuito de festivais de género. Produzido na região de Yakutia no nordeste da Rússia, aquela que é provavelmente a zona mais remota e inóspita do planeta, Ich-Chi é um produto cinematográfico raro que merece ser visto. Juntando o drama familiar ao folclore rural de uma maldição antiga, o filme de Kostas Marsaan é uma experiência visual diferente, com uma primeira metade narrativamente segura, dir-se-ia para o efeito “normal”, partindo para uma segunda metade que é antes uma experiência visual e sensorial a lembrar Long Day’s Journey Into Night, do chinês Bi Gan.

Esteticamente muito forte, com uma realização carregada de personalidade, Ich-Chi perde na forma genérica com que monta a narrativa e o desenvolvimento de personagem que acaba por não conseguir acompanhar a componente visual que o filme repentinamente atira ao espectador. É sobretudo um esforço de produção notável que consegue produzir uma experiência individual curiosa, mas pouco cativante e interessante, perdendo-se no abstraccionismo da sua estética e no excessivo experimentalismo de Kostas Marsaan que parece não ter nada de interessante para dizer ou demonstrar.

My Heart Can’t Beat Unless You Tell It To: A história de dois irmãos que procuram cuidar de um terceiro aparentemente debilitado e doente alimentando-o com sangue humano, a primeira longa-metragem de Jonathan Cuartas é um exercício negro, fúnebre, depressivo e minimalista com 3 fortes interpretações, lembrando a espaços a estética desconcertante de Under the Skin. My Heart não é um filme particularmente agradável, mas se o objectivo de Cuartas era o de construir uma atmosfera como a acima descrita então acertou na mouche.

As suas personagens são fortes, ainda que pouco carismáticas, mas é precisamente essa discrição que o filme procura: um certo abstraccionismo místico com apenas cumpre as regras do seu próprio Mundo. Questionamo-nos se o prazer voyereuristico do espectador será justificação suficiente para assistir a My Heart, um filme tecnicamente irrepreensível com uma alma vazia cujo público alvo será muito difícil de identificar.

Relic: Drama familiar de terror com três gerações, filha, mãe e avó, o primeiro filme de Natalie Erika James foca-se no misterioso desaparecimento e regresso da avó que vive sozinha na sua grande casa. Jogando com fantasmas do abandono afectuoso dos idosos por parte dos filhos, Relic constrói uma tensão adequada e misteriosa que queima de forma lenta e bem eficaz invocando o clássico Shining ou os mais recentes Hereditary ou House of the Devil. Enquanto objecto do horror de Relic a veterana Robyn Nevin tem uma interpretação de rara qualidade no cinema de terror.

Antes de chegar ao seu terceiro acto a atmosfera do filme constrói-se sobre um agradável realismo arrepiante, culminando num clímax desorientante e claustrofóbico que merece ser visto no grande écrã. É um dos filmes de terror mais interessantes do ano precisamente por não se fechar nas regras do género, preferindo o drama familiar ao terror pelo terror, e tendo a audácia necessária para levar avante o seu corajoso final.

First Love: Takashi Miike já realizou mais de 100 filmes, recheadas de tiros certeiros, mas também de muitos tiros ao lado. First Love tem certamente muitos tiros, sendo a maior parte deles certeiros. Apesar dos filmes de culto Audition e Ichi the Killer, mais pesados e negros, é na linguagem do entretenimento descomprometido que o talento de Miike se mostra melhor. First Love é precisamente isso. Um misto de acção com humor negro, drama, romance e muito gore, First Love é uma daquelas crime comedies negras à Guy Ritchie com toques Tarantinescos, versão japonesa, onde tudo parece correr mal.

Com uma colecção de curiosas personagens estilizadas, do pugilista amador à prostituta inocente, passando pelo polícia corrupto e pelo chefão yakuza, Miike faz um surpreendente trabalho de construção narrativa explorando todas estas personagens no peso e medida certos, num filme que curiosamente nunca é incoerente na sua mescla de géneros. O objectivo é conseguido: First Love é um filme delicioso e fantasticamente entertaining.

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