Menstruação – o estigma do sangue

por Cláudia Lucas Chéu,    24 Setembro, 2020
Menstruação – o estigma do sangue
Cláudia Lucas Chéu / Fotografia de Vitorino Coragem
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Há quem considere os pensos higiénicos e os tampões uma invenção tecnológica para esconder que as mulheres sangram. Sharra L. Vostral afirma na sua obra Under Wraps: A History of Menstrual Hygiene Technology (2010), ainda sem edição em português, que “a sociedade  quer fazer-nos sentir culpadas e empurra-nos para o desconhecimento do corpo e da sexualidade, assim como para acreditar que o nosso sangue é sujo e humilhante. É parte da nossa natureza e não há nada nele que nos deva envergonhar. Pelo contrário, há que valorizá-lo como uma parte da libertação dos nossos corpos.”

Em 2015, Samera Paz, estudante de Artes na Universidade de Artes da Filadélfia, criou uma série de pinturas chamada One Week Late (em português, Atrasada uma Semana). As pinturas foram feitas com o seu sangue menstrual. Qual foi o objectivo de Samera? Defender o corpo da mulher e eliminar o estigma em torno da menstruação. Nas redes sociais, Samera explicou: “Foi a minha maneira de normalizar a menstruação e tornar o sangue que seria descartado em algo que eu considero bonito.” A sua arte gerou polémica. Nem todos viram beleza no seu trabalho e teve de enfrentar a crítica. A artista registou grande parte dos comentários pejorativos e colocou-os numa tela em branco, explicando que seria o seu próximo projecto. O caso de Samera nas artes não é único. Várias foram as mulheres, noutras áreas, que quiseram marcar a sua posição acerca deste assunto, independentemente das críticas a que são sujeitas – sobretudo e estranhamente vindas de outras mulheres. No Reino Unido, em 2015, a feminista Kiran Gandhi correu a Maratona de Londres sem usar qualquer absorvente menstrual. No final da prova revelou à imprensa que o objectivo foi o de “acabar com o estigma em torno da menstruação feminina”. Em Espanha, um grupo de feministas espanholas saiu às ruas vestindo calças brancas e calções manchados de sangue menstrual; chamaram-lhe “Manifesto para a visibilidade do período”.  Escreveram um manifesto para salientar que ao tentar esconder a menstruação, uma função corporal perfeitamente natural, estariam a participar do “sistema patriarcal e a punirem-se por serem mulheres”. Nos Estados Unidos, em 2014, uma feminista fertilizou o solo com o sangue da menstruação e plantou alfaces. A experiência registada pela autora, com sucesso, pode ser consultada no site da Vice Brasil.

A UNICEF estima que uma em cada dez raparigas africanas falte à escola durante o período menstrual devido à falta de privacidade e de condições sanitárias. “Este problema é o último tabu, mais profundo do que falar das fezes ou da urina”, apontou Catarina Albuquerque, a primeira Relatora Especial das Nações Unidas para o Direito à Água Potável e Saneamento. Catarina explicou que, por falta de condições sanitárias, muitas jovens são violadas quando se afastam um pouco das escolas ou aldeias para ir fazer as suas necessidades e/ou cuidar da sua higiene íntima, longe de olhares indiscretos. Para Catarina Albuquerque, a melhor forma de combater este preconceito é através de programas de educação e de falar abertamente sobre o assunto. “Antes os diplomatas não falavam sobre este problema”, indicou a relatora ao Green Savers. “É a falar de uma forma descomplexada e a chamar os bois pelos nomes que se combate o problema. Normalmente somos recebidos com risinhos, mas é a falar das consequências que conseguimos ser levados a sério.”

É incompreensível porque continuam as mulheres a segredar entre si acerca da sua menstruação. Algumas ainda escondem os tampões e os pensos na mala e, caso tenham de utilizar o WC público para se servirem de um dos produtos higiénicos (pensos ou tampões), fá-lo-ão com discrição, ao nível do secretismo. Há décadas que a área da publicidade se esforça por branquear literalmente este assunto, recorrendo a décors assépticos nos anúncios televisivos (ou berrantes, incitando a uma infantilidade aberrante), e usando termos como “suave e limpa”, para tratar de um assunto que é uma coisa natural, biológica. A menstruação não deveria precisar de eufemismos. É o que é. 

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