Memórias desde músicas

por Cronista convidado,    4 Junho, 2021
Memórias desde músicas
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Moby editou o álbum “Reprise” com músicas suas agora orquestradas. Ontem descobri este álbum, já noite dentro. Como tinha agendado ter o dia hoje mais de descanso, fiquei a ouvi-lo até tarde. Porcelain, Why Does My Heart Feel So bad, Natural Blues, We Are All Made Of Stars, entre outras músicas, reconhecidas mais mais maduras, em sons crescidos, fizeram com que fosse bombardeado de memórias de há 20 anos e as lágrimas aparecessem. Foi uma emoção estranha, sem tristeza. Como em 20 anos tanto aconteceu. 

É óbvio, sei, isto de num espaço de tempo tanto ter acontecido na vida. O lugar do esquecimento é fundamental. Não guardamos todas as memórias. Ou sim. Como uma música, um cheiro, toque, sabor, imagem podem despertar recordações de emoções, pessoas, histórias pequenas ou grandes. Imagino isso a acontecer no seio da Trindade. Eles, as três Pessoas unidas em Amor, a partilharem as nossas histórias e como desejam nos ver crescer. Somos histórias. Somos memória. Somos sonhos. As emoções atravessam esse sentir e algo novo surge. Emocionei-me porque me recordaram paixões, risos, sensações de fragilidade e mendigar amor. Imaginei-me a dançar os originais dessas músicas, abstraindo-me da realidade para entrar num mundo muito próprio. Ai, o poder da dança. E agora, estes anos todos depois, ver-me crescido. Continuar inacabado, em caminho, mas crescido. Afinal, não julguei nada nessas memórias. Não julguei nada do que senti, fiz ou vivi lá, naqueles lugares, com tantas pessoas e permiti-me recordar com novo olhar.

Gosto de sentir como o tanto da vida nos convida ao crescimento de existência. É dos grandes desafios: ir fazendo o caminho de não julgar a memória e desde aí aprender com ela, no que há a repetir, no que foi feito como falta de algo, como reacção, que já não faz sentido repetir como padrão desgastante. Foi e é uma emoção estranha. Deu-se crescimento. As músicas poderão ser as mesmas, mas a vida ganha outras cores quando se cresce no existir. E, mesmo sendo muitas vezes duro, há tanto que nos recorda a beleza da existência. Em oração, acolho as memórias com delicadeza, agradeço e danço-as com Eles.

Crónica de Paulo Duarte,sj
O Duarte é padre jesuíta e foi comissário de bordo. Tem interesses na Humanidade, na busca de sentido e reconciliação, a partir do corpo, dança e espiritualidade. 

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