“Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro”: aquele querido mês de Agosto

por Paulo Portugal,    6 Fevereiro, 2019
“Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro”: aquele querido mês de Agosto
“Mektoub, My Love: Canto Uno” (2017), de Abdellatif Kechiche
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Como se diz amor em árabe?, alguém pergunta no início do há muito aguardado filme do tunisino Abdellatif Kechiche. A resposta torna-se dividida, já que são diversas as expressões para descrever essa coisa imaterial. Por isso, muito mais importante passa a ser o mektoub, o instinto, aquilo que nos faz mover e procurar. É precisamente essa a busca de um grupo de amigos jovens e belos, entregues à celebração da sedução na região do Sete, no litoral sul ocidental de França.

Este não um filme dividido em dois atos, como foi inicialmente anunciado, mas em três, como o próprio cineasta explicou na conferência de imprensa em Veneza. Prepara-se assim um tríptico sobre a sublimação do corpo e do espírito no tal permanente deleite que sempre tem acompanhado o seu cinema. Desta feita, captado com a luz magnífica desta região muito visitada pela comunidade magrebina e a contagiar-nos com todos os tons e sabores. Talvez por isso, Kechiche defina este como como anarquista.

“Mektoub, My Love: Canto Uno” (2017), de Abdellatif Kechiche

No centro, está o regresso de Paris do jovem Amin, defendido com uma graça plácida por Shaïn Boumédine, um arrependido estudante de medicina, fotógrafo entusiasta e argumentista à procura de inspiração. Logo de início, testemunha pela janela da casa de uma amiga uma cena de sexo vigoroso, captado com o mesmo erotismo de A Vida de Adèle. Há que explicar que Kechiche recua a 1994, como que para conferir ao filme alguma dose de nostalgia de um certo tempo que escapa ao presente. E que permite, por exemplo, uma banda sonora para animar o nosso próximo verão.

E do que falamos quando então falamos de amor? Por que se trata de Kechiche é natural que esta seja um cinema em que os corpos e as respetivas curvas tomam conta da ação, bem como as suas diversas dimensões orgânicas. Seja a fazer sexo, a comer, a beber, a beijar. E até o cheiro quase nos invade neste filme demasiadamente sensorial. Por isso, quem acompanha a carreira do cineasta desde o início sabe que a sensualidade é pedra de toque, tal como a ligação ao Magrebe. Mais conhecido depois do premiado O Segredo de um Cuscuz, em 2007, desde cedo afirmou um cinema em que o tempo faz o seu feitiço num modelo de cinema que penetra debaixo da pele. Hafsia Herzi também aparece aqui para apimentar ainda mais uma noite na discoteca.

“Mektoub, My Love: Canto Uno” (2017), de Abdellatif Kechiche

Voltemos ao amor, só para definir que é o destino (o mektoub) que o decidirá. Por isso mesmo, o seu primo Toni e a sua melhor amiga Ofélie alternam entre o restaurante da família, a praia e as discotecas. Mas Toni sabe tudo sobre a arte do engate e na praia logo seduz outras duas francesas em férias. Veremos celebrações de alegria e sensualidade em banhos festivos na praia, onde por vezes a contraluz adorna aos corpos uma patine extra de beleza e mistério. Tal como o mistério do nascimento das cabras que de imediato se coloca, de pé, prontas a enfrentar a vida, também estes jovens sorvem o néctar da celebração da vida na dança, no sexo, na alegria. Se calhar, isto já é suficiente para fazer uma pequena obra-prima, não?

“Mektoub, My Love: Canto Uno” (2017), de Abdellatif Kechiche

É claro que o filme até poderia ser editado com algumas sequências que ultrapassem o apelo e o timing habituais. Primeiro, na discoteca, uma sequência com meia hora de duração, embora com alguns segmentos repetitivos; depois, um outro número musical a denotar a mesma repetição já depois de esgotado o prazer da cena. Isso estraga o filme? Negativo. Mesmo ultrapassando os ligeiros apupos, como a colega francesa que argumentou estar cansada de ver tantos rabos. Pode ser. Eles existem, sim senhor, no meio deste filme extremamente sensual – talvez um dos mais sensuais que vimos –, embora nunca exploratório e apenas no ritmo como esse querido verão estava a ser desfrutado por todos.

Perdoe-se a usurpação do título do filme de Miguel Gomes para ilustrar esta nostalgia de verão. Tão somente para partilhar esses momentos distendidos em que tudo é mesmo possível. Em que o amor e as paixões carregam as hormonas e fazem homens mulheres de jovens e adolescentes. É como diz Kechiche nas notas de produção: este filme pretende ser um hino à vida e à luz, uma ode à beleza. Bonito.Artigo escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt

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