Martin McDonagh: ‘O filme foi escrito para a Frances McDormand’

por Paulo Portugal,    10 Janeiro, 2018
Martin McDonagh: ‘O filme foi escrito para a Frances McDormand’
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Não houve dúvidas que o guião de Três Cartazes à Beira da Estrada foi o melhor dos que passaram pela competição em Veneza. E um dos melhores filmes mesmo. O que fez dele um filme maior, sobretudo carregado pelas personagens bem coloridas de Frances McDormand, Sam Rockwell e Woddy Harrelson. Talvez por isso, e dado que foi o filme mais votado do painel de críticos e público, seria legítimo esperar mais – se não o Leão de Ouro, pelo menos o prémio do Júri. Não teve. Mas vence agora os Globos de Ouro, com quatro dos prémios mais importantes, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz (Frances McDormand), Melhor Ator Secundário (Sam Rockwell) e Melhor Guião (Martin McDonagh). E já para as nomeações aos BAFTA, concorre em 9 categorias. Depois, claro, virão os Óscares.

Martin McDonagh

Se essa noção nos acompanhava deste que víramos o filme numa sessão em puro delírio, mais ficámos depois de o entrevistarmos em pleno festival de Veneza. Onde pudemos tirar a limpo o estilo que verte das suas páginas e a tal harmonia entre o humor vertiginoso e o drama natural da narrativa.

Parabéns por este filme completamente louco!

Obrigado, mas eu também sou um pouco louco… (risos)

Incrível o guião. Imagino que tenha sido muito trabalhoso…

Talvez, mas foi um trabalho bastante agradável e divertido. Sobretudo, porque nunca sei o que vai acontecer na história. Tinha a ideia dos cartazes e daquilo horrível que tinha acontecido e também de quem os teria colocado. Depois de decidir que seria uma mulher e uma mãe, a história acabou por se escrever a si própria.

No fundo, como referiu na conferência de imprensa, foi algo que viu, certo?

Sim, foi algo que vi num dos estados do sul dos EUA, algures entre a Georgia, Florida, Alabama ou Mississippi. No fundo, vi algo muito semelhante ao que aparece no filme. Foi quase como um sonho, porque não soube mais do que realmente era. Também foi há cerca de 20 anos, mas acabou por me ficar na memória. Há oito anos atrás, decidi avançar com esta ideia.

Quando pensou na América e nos estados do Sul, considerou essa possibilidade onde a autoridade fosse de certa forma questionada?

Não, nem por isso. Mas teria de ser num dos estados do Sul pelo historial de racismo. Mesmo que o filme não seja sobre racismo. Mas se é uma mulher que se insurge contra a polícia local, então esse cocktail começa a esboçar-se.

Imagino que o rosto da Frances McDormand terá surgido cedo no seu guião. Foi assim?

Não, o filme foi mesmo escrito para a Frances. Não conheço ninguém que conseguisse fazer aquele papel, com a mesma integridade e energia. Ao mesmo tempo com um acesso à fúria e coragem, ao mesmo tempo com uma habilidade em usar o humor, o suficiente para não ser engraçada demais. Talvez aquela qualidade das classes trabalhadoras, como é o meu caso, impedindo que a personagem entrasse em algum aspecto mais paternalista.

Ela colaborou consigo com algumas ideias de diálogos?

Não, não. Não sou muito entusiasta de improvisação.

Mas de que forma se cristaliza essa ideia de classes trabalhadoras?

De ouvir conversas no autocarro, nos transportes púbicos, por exemplo. Porque se fosse uma personagem de uma classe mais elevada, digamos assim, talvez fosse mais preconceituoso. Mas espero que não. O meu objetivo é ver a humanidade em toda a gente. No entanto, é-me mais próximo falar das classes trabalhadoras, mesmo sem as estupidificar. Ou politizar. Ainda que não siga um lado mais mundano e optar mais por um lado mais poético, cómico ou repentino.

Curiosamente, o Martin começou no teatro, não foi?

Sim. Aliás, este meu trabalho com diálogos está mais de acordo com o meu trabalho no teatro. Só que apesar de ter começado no teatro odiava o teatro… (risos) Talvez porque fosse demasiado erudito, onde não se passava nada. No entanto, a minha paixão sempre foi o cinema. Sobretudo os filmes americanos dos anos 70, foi o que me fez abrir os olhos. Os primeiros filmes do Scorsese, do De Niro, do Malick, Coppola, etc. Talvez por isso, sempre quis ir para os EUA e ver como era. Foi depois quando pude viajar pela América, em que viajei muito pelo Sul, em que comecei a pensar neste tipo de pesquisa de personagens.

O filme poderia ser bem dramático, mas é o lado humorista que sobressai. Este foi um ponto de partida para si?

Sim, isso estava logo no guião. O equilíbrio das duas coisas. Desde logo Em Brugges menos talvez em Sete Psicopatas. Acho que existe mais coração neste dois, talvez por minha culpa. Aqui queria ver a história relatados pelos olhos de Mildred (McDormand), mas ser também verdadeiro ao papel do Sam (Rockwell), mas dar-lhes espaço para existirem, especialmente quando estão sozinhos e sentirem alguma tristeza.

Escreveu o papel também para o Sam (Rockwell)?

Sim, escrevo sempre para ele. Ele pode ser divertido, idiota, bonito, feio, ele consegue fazer tudo. Gosta de sentir a voz dele na minha cabeça. Até porque nunca me disse para atenuar qualquer cena, muito pelo contrário. Uma das coisas boas do filme é ele ser a surpresa. A Frances já sabemos que será sempre vigorosa, mas do Sam acaba por ser uma surpresa.

Ainda assim, não se escusava de ir sempre um pouco mais longe, tanto na ação como no humor. Foi essa a sua intenção?

Eu coloco sempre o humor em tudo. É uma espécie de almofada, acho seu. Se este filme não tivesse humor nenhum seria pesadíssimo. O tema já é muito complicado de lidar. No entanto, não queria oferecer às pessoas uma tragédia assim. Acho que é necessário oferecer algum espaço de esperança e até mesmo humor. Por isso, de certa forma, acho que existe um certo equilíbrio entre o drama e o humor. Existe sempre uma espécie de esperança.

Existe uma razão específica por ter feito um filme sobre o perdão e não sobre a vingança, como parece ser no início do filme?

As histórias de vingança são demasiado óbvias. Prefiro o lado mais surpreendente, pois vemos filmes de vingança vezes sem conta.

Este é sobretudo um filme de anti-heróis.

São heróis diferentes, com defeitos, mais genuínos. Mas também porque não existem heróis maravilha. Também não sei qual é a definição de anti-herói… Mas a Frances consegue ser divertida, do ponto de vista cinemático, mesmo quando bate nos miúdos. Ou quando dá um pontapé à rapariga…um efeito que conseguimos graças a umas almofadas nas calças.

Foi complicado vender esta ideia ao estúdio?

Não, foi fácil. Honestamente, este foi o filme mais fácil do ponto de vista financeiro. Talvez porque perceberam o que fiz antes, sobretudo Em Brugges. Perceberam que se tivessem isso já seria bom. Como também trabalho com o mesmo produtor, ele acaba por superar algumas hesitações. Porque podemos muito bem fazer este filme com outros. Mas foi a primeira vez que os tipos da Fox e Film Four, que financiaram o filme, não se envolveram. Acho que se vê no filme que não é nada hollywood…

Acha que é esse lado de anti-herói que quer mostrar ou até a visão desta nova América?

Não sei o que é esta nova América, porque é mesmo muito nova. Mas como será daqui a oito, nove anos. É muito cedo para julgar, até porque não foi há muito tempo que tivemos um Presidente negro. E esse país não desapareceu. A diferença de votos para o Trump não foi significativa, até porque mais pessoas votaram na Hillary. Porque ele é um idiota parece que tudo mudou. Se sobrevivermos os próximos três anos, pode ser que as coisas mudem ainda mais, até para alguém melhor do que Obama. Mas, pelo menos, Trump não matou tantas pessoas como o Bush ou o Reagan. Ou mesmo o Kennedy…

(entrevista de Paulo Portugal em parceria com insider.pt / anteriormente publicada a 10 de Setembro de 2017)

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