‘Margarita e o Mestre’, o livro que desafiou Stalin e inspirou Pearl Jam e Rolling Stones

por Pedro Fernandes,    15 Agosto, 2017
‘Margarita e o Mestre’, o livro que desafiou Stalin e inspirou Pearl Jam e Rolling Stones
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Nascido numa família de elite intelectual russa, em 1891, na cidade de Kiev, numa Ucrânia dominado pelo Império Russo, Mikhail Bulgakov viria a estudar medicina e a exercer a profissão, mas o seu interesse por literatura russa e por toda a  europeia mudou o seu caminho. Ainda jovem, Bulgakov apaixonou-se por autores, como Dostoievski, Goethe, Gogol, Pushkin e Dickens. Fruto da época atribulada na qual viveu, veio a participar na Primeira Guerra Mundial como cirurgião, e na Guerra Civil Russa, nas quais sofreu várias lesões de ordem física.

Em 1921, Bulgakov mudou-se para Moscovo e inicia a sua vida como escritor, abandonando o ofício de médico. A sua obra apresenta diferente géneros, escreveu contos, peças, romances, libretos de ópera e argumentos cinematográficos. No entanto, foi a sua obra “Margarita e o Mestre”, da Relógio d’Água, que lhe trouxe reconhecimento mundial. Escrito entre 1928 e 1940, este clássico passou por várias versões. A primeira delas foi mesmo queimada, mas acabou por ser publicado pela primeira vez em 1967, mais de 25 anos depois da morte do escritor, no contexto da literatura russa do século XX.

Dividido em duas partes, dois enredos interligados, o livro abre com uma citação de Fausto de Goethe:

“- Quem és tu, afinal?

– Sou parte daquela força que eternamente quer o mal e eternamente faz o bem.”

O enredo, nos anos 30 em plena ditadura de Stalin, começa no Largo do Patriarca, em Moscovo, no qual dois escritores discutem a existência de Jesus. A determinada altura, aparece uma das personagens centrais do livro, Woland, um professor e mágico, que nenhum deles conhece, e que garante saber a verdade sobre este tema. Woland prevê que um destes escritores irá morrer e alguns minutos depois o seu palpite acaba mesmo por se concretizar, o que desencadeia uma série de acontecimentos estranhos, com mortes e desaprecimentos. Pelo meio, existem capítulos a relatar a crucificação de Jesus Cristo sempre com a figura de Pôncio Pilatos muito presente. Woland representa a imagem de Satanás, e vem analisar o estado moral de uma rússia com novos valores em busca de um ideal socialista extremista. Na segunda parte, ficamos finalmente a conhecer o Mestre e a Margarita que dão título ao livro. O Mestre é um escritor oprimido pela burocracia e censura literária do período Soviético, em tratamento numa clínica psiquiátrica. Maragrita, a sua amada, é capaz de fazer um pacto com o diabo para o ajudar a publicar a sua obra.

O livro é todo ele uma sátira da vida soviética. Cheio de personagens memoráveis, que disputam o Bem e o Mal, o enredo envolve muito elementos mágicos de ficção relacionados com bruxaria ou magia, bem como um cão que fala. Com uma estrutura pouco usual, vemos o mal e diabólico, representado pela personagem Woland, a perseguir personagens que representam em sentido figurado muitas das vítimas de Stalin naquela altura. Isto leva-nos a questionar o que, de facto, será um diabo nos dias de hoje. O retrato feito no livro seria de uma espécie de diabo social, um homem rico que persegue o povo.

Outra característica é o desaparecimento de personagens e a forte presença de elementos que remetem para a enorme censura tipica da União Soviética. Recorde-se que Stalin é apenas um nome político que significa “homem de acção”, do alemão Sthal, o seu verdadeiro nome era Jossip Vissarianovitch Dhugashvili. Este ambicionava construir o socialismo num só país, metaforicamente um paraíso socialista. Como seria de esperar, o regime soviético negou a publicação do livro, bem como a saída do autor para viver fora da União Soviética. Será que construir uma sociedade vazia de um sentimento de vida e de individualidade é mesmo dar o poder total ao povo e abulir as diferenças entre cada cidadão?

Bulgakov trabalhou até aos seus últimos dias na obra, nos quais ditava, à sua esposa, as últimas linhas do livro. O livro só viria a ser publicado 27 anos depois da sua morte, porém, o seu legado ficou, e apesar do livro poder dar aso a diferentes interpretações, fica, acima de tudo, o sentimento humano. O livro inspirou séries de TV, filmes, peças de teatro, músicas e muitos desenhos e pinturas, pela sua diversidade de personagens quer na sua personalidade, quer no seu aspecto.

Os Pearl Jam foram inspirados pelo livro na concepção da música “Pilate”, em especial por uma parte da narrativa, na qual Pilatos está sozinho no cimo de uma montanha só com o seu cão como companhia.

“Like Pilate I have a dog

Obeys, Listen, Kisses, Loves.”

Uma outra banda inspirda pelo mesmo, forma os icónicos Rolling Stones, visível numa das suas músicas mais conhecidas: “Sympathy for the Devil”, escrita por Mick Jagger, a qual começa logo com uma referência a Woland pela maneira como ele se introduz:

“Please allow me to introduce myself,

I’m a man of wealth and taste”

Faz uma referência direta à história da Rússia. No entanto, a ideia central da letra é a forma irónica como muitas vezes o diabo ou a maldade não se apresentam como tal, através de uma forma indirecta e aparentemente simpática (“the nature of my game”).

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