Manuel Cardoso: “As redes sociais fazem com que o humorista perca a noção que, em primeiro lugar, é autor, alguém que escreve”

por João Pinho,    11 Fevereiro, 2019
Manuel Cardoso: “As redes sociais fazem com que o humorista perca a noção que, em primeiro lugar, é autor, alguém que escreve”
Manuel Cardoso
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Os humoristas têm cada vez mais impacto na nossa sociedade. Há quem diga que a qualidade do humor está dependente da qualidade dos espectadores ou que, na realidade, os últimos se moldam consoante o humorista. Independentemente de quem tem razão, a crescente popularidade dos mesmos fez com que, no presente momento, já não se faça só humor nas grandes cidades ou em teatros, na rádio ou na televisão. Desta forma, surgiu a ideia de entrevistar um humorista nacional em ascensão, Manuel Cardoso, e perceber como é que ele olha para as novas dinâmicas. Começou cedo a fazer stand-up, com mais três jovens produziu sketchs que passaram na Sic Radical, continuou a produzir os seus vídeos no Youtube e acabou por investir na rádio, com o Pão Para Malucos na Antena 3, e a escrever crónicas na Sapo 24. Desde a realização desta entrevista (ouve no Spotify ou no Youtube) até à data presente, Manuel Cardoso fez stand-up no Levanta-te e Ri e é um dos guionistas do novo programa Gente Que Não Sabe Estar.

É incontornável ligar a nova geração de comediantes às redes sociais. Apesar de uma relativa democratização, existente também em plataformas como o Youtube, não é fácil crescer a partir daqui, “alguns vão ao espectáculo porque já existe um following nas redes sociais, mas essa conversão (das redes sociais para a sala) é baixa”. E, apesar de ser um objectivo natural do humorista atrair este tipo de público, ainda não existe uma grande comunidade consumidora desta arte, proveniente de outros meios, “acho que é demasiado das redes sociais o público que vai parar ao palco. Isto, por culpa de não existir um público que gosta de comédia e vá aos espectáculos por cultura de stand-up”.

As próprias redes sociais podem limitar o humorista por colocar como prioridade ir de encontro ao seu público e não o mesmo se moldar a ele, “analisas as estatísticas e ficas com alguma ideia do público que tens e das duas uma: ou trabalhas para o que eles querem ou trabalhas para o que tu te queres tornar; em última análise, na primeira escolha tornas-te num robô da comédia”. Para além disso, esta dinâmica pode tornar o humorista cada vez mais num empresário que tenta encontra as melhores formas de crescer e de vingar, “é perigoso entrar na bolha daquilo que achas que é o teu público, pensar muito em targets e do que eu posso falar; as redes sociais fazem com que o humorista perca a noção que, em primeiro lugar, é autor, alguém que escreve”.

As salas de teatro ou de espectáculos são importantes para o humorista, porque é nelas onde se encontra o pináculo do humor. E cada sala tem o seu público, a sua intimidade, uma maior ou menor dificuldade em fazer negócio e pode conter um maior ou menor risco para a carreira do mesmo, “é melhor menos palco do que muito palco. Há sítios onde vais ganhar estaleca porque o teu ego vai sair ferido, mas, na realidade, não vais ganhar nenhuma desenvoltura como comediante”. E uma dessas salas é o Coliseu,“não é um bom negócio, é muito caro: é mais um statement, dá nome”.

Apesar das novas tecnologias e das novas formas de consumir informação, incluindo o humor, a rádio continua a ser um pilar essencial na evolução do humorista e uma forma ainda crucial de chegar às pessoas, “a rádio tem muito alcance, ainda. Soube muito bem fazer a transição para a internet, melhor do que a televisão, com o recurso ao vídeo, por exemplo”. Para além disso, a rádio faz com que o humorista trabalhe a ferramenta mais básica do humor: a palavra, “estás a criar um imaginário através das palavras que é próximo do stand-up. Os podcast mais longos têm uma vertente mais intimista e de escrutinar mais a vida que interessa muito aos humoristas, porque gostam muito de se ouvir falar”. Relativamente à sua experiência na Antena 3, o Manel afirma que “obviamente nunca me disseram o que eu tinha de falar, mas explicaram-me porque é que me tinham chamado; obviamente sou obrigado a adaptar-me a um espaço, onde tenho várias pessoas em estúdio, é um processo que estou a assimilar”

Já não é a primeira vez — provavelmente não será a última — que se discute a forma como os comediantes se relacionam com as marcas. E o tema é interessante para debater porque o artista necessita de liberdade para criar e naturalmente as marcas e o mundo empresarial o limitam, “um humorista não pode funcionar como um influencer: se publicitares vinte marcas dificilmente te identificas com todas elas”. Um dos casos mais debatidos e polémicos é o do Zé Diogo Quintela, após a publicidade da MultiOpticas, “o problema do anúncio do Zé Diogo é que não é fixe, se fosse provavelmente era desculpado”. Visto de outro prisma, “as marcas servem quase como mecenas porque te pagam muito mais dinheiro do que aquilo que irias ganhar a fazer algo que não gostavas como humoristas e ajuda-te a pensar no próximo projecto com calma”. Porém, “é perigoso olhares para as marcas como um modo de sobrevivência único”.

Nota de agradecimento ao Lisboa Incomum pela cedência de estúdio para a gravação desta entrevista.

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