“Lobby gay” no Vaticano, esse grande equívoco

por Frederico Lourenço,    25 Fevereiro, 2019
“Lobby gay” no Vaticano, esse grande equívoco
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Confesso que, embora eu próprio seja gay e falante de língua inglesa com proficiência a 100%, nunca percebi o que significa a expressão «lobby gay».

Pela lógica, dir-se-ia que que um «lobby gay» teria o mesmo sentido de «lobby madeireiro» (isto é, um grupo organizado de pessoas que exerce influência política para impor legislação que permita o comércio de madeira), de «lobby ambiental» (um grupo organizado de pessoas que exerce influência política para impor legislação que controle o comércio da madeira), de «lobby evangélico» (grupo organizado de pessoas que exerce influência para impor legislação que impeça a escolha livre de cidadãs no que toca aos seus direitos reprodutivos), «lobby das armas» e por aí fora.

Mas «lobby gay» é o quê? Um grupo organizado de pessoas que exerce influência política para impor legislação que defenda os direitos de pessoas homossexuais?

Onde se encontra esse lobby? É que nos parlamentos do mundo, sejam eles onde forem, bem se reconhecem os deputados e deputadas que se repartem pelos diferentes lobbies – sejam eles boi, bala ou Bíblia. Mas onde está o lobby gay nos parlamentos do mundo? Onde está esse grupo organizado de homossexuais que, no interior dos partidos políticos e dos parlamentos, propõe e aprova legislação favorável aos direitos dos próprios homossexuais?

Se olharmos para os países em que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal, o que vemos é algo de surpreendente. Não foi um grupo organizado de deputadas e deputados homossexuais que propôs e fez passar essa legislação, sob um governo presidido por um primeiro-ministro homossexual; mas sim a situação contrária. Parlamentos esmagadoramente constituídos por heterossexuais sob um governo presidido por um primeiro-ministro heterossexual propuseram e aprovaram legislação que, longe de ser em causa própria como no caso boi/bala/Bíblia, tinha como base – apenas – a crença na democracia e nos direitos humanos.

Claro que a tendência tão querida de tantos de ver conspirações em todo o lado arranjará sempre maneira de dizer que o conservador David Cameron só se empenhou na causa gay porque foi pressionado por essa coisa de «lobby gay»; mas, de facto, isso não reflecte a realidade objectiva. Há movimentos de cidadãs e cidadãos que se empenham na defesa dos direitos de cidadãs e cidadãos homossexuais? Há, claro, porque esses movimentos são necessários para dar voz ao que durante séculos não teve direito a fazer-se ouvir. Isso nada tem a ver com o conceito conspiracional de um «lobby gay».

No que toca ao Vaticano, andam no ar há muito tempo as expressões «lobby gay» e «agenda gay». Mas o que é que isso significa?

Se há facto importante que o livro de Frédéric Martel veio expor diante da opinião pública é a natureza do pretenso «lobby gay» no Vaticano. Pelo que ele descreve, essa percentagem alta de gays no armário que, no Vaticano, vivem o pânico permanente da exposição e do escândalo mediático está longe de ser um «lobby» cuja agenda secreta é promover a causa gay. Muito pelo contrário.

São esses homossexuais armariados que tudo têm feito para impedir o progresso no que toca à abertura da Igreja a católicos homossexuais e ao reconhecimento de casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. A «agenda homossexual» da Igreja Católica outra coisa não é do que a vontade de travar todo o progresso, na vivência da fé, para católicos homossexuais.

Não há um «lobby gay» cuja intenção seja melhorar a vida de padres e de crentes homossexuais dentro da igreja. Há, sim, o «lobby do travão». Que esse travão venha de homens na hierarquia da Igreja que são eles próprios homossexuais é uma ironia que só posso apelidar de trágica.

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