‘Liquid Springs’, dos Ditch Days, é munido de uma atmosfera auditiva e visual bem definida

por Miguel de Almeida Santos,    16 Fevereiro, 2017
‘Liquid Springs’, dos Ditch Days, é munido de uma atmosfera auditiva e visual bem definida
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Liquid Springs é o álbum de estreia da banda Ditch Days, um grupo musical português que já marcou presença em festivais nacionais como o Festins ou o Indie Music Fest e que apresenta agora o seu primeiro longa duração. Quando ouvi pela primeira vez o single “Melbourne” pensei mesmo que o Verão tinha chegado mais cedo. O início pacato de guitarra envolta em efeitos dita uma marcha misteriosa que parece ser levemente fustigada por uma brisa de Verão e a linha de baixo discreta imprime um groove despreocupado à faixa. Depois vi o videoclip e percebi que “Melbourne” preocupa-se tanto com a sua estética musical como visual, adquirindo um tom de banda sonora perfeita para a rapariga do vídeo que se diverte no seu ócio tão relaxado. Foi uma primeira boa experiência que me despertou a curiosidade para mais deste dream pop pintalgado com guitarradas de indie rock.

Em Setembro chegou a sequela e segundo single, “Blue Chords”, uma música com mais pedalada que a sua antecessora, menos descontraída e mais séria mas com o mesmo sentimento pop que transparece em “Melbourne”. Lembra-me indie rock com mais corpo, mais instrumentação e um esforço maior para criar uma atmosfera específica. A progressão da guitarra no início parece óbvia mas depois há uma mudança que nos mostra que isto é diferente, havendo até espaço para um desabafo declamado na música. Todos estes factores suscitaram o meu interesse em Ditch Days e na sua abordagem ao pop, na maneira como utilizam o que existe dando-lhe o seu arranjo pessoal.

Liquid Springs foi para mim um último sentimento de Verão antes de chegar o Outono. A atmosfera demonstrada nos dois singles que precederam o lançamento do álbum mantém-se e o tom geral deste disco é de descontracção e jovialidade, repleta de linhas de baixo pulsantes bem construídas, sintetizadores atmosféricos que transmitem emoção e guitarras com uma sonoridade que percorre o espectro de frequências entre o dream pop e o indie rock. A faixa “Zowee”, uma das melhores do álbum, é talvez a que mais “caos” instaura e a que mais destoa do álbum mas no melhor dos sentidos: é uma música de progressão rápida com um refrão muito sentido. As guitarras do verso lembram The Strokes e o solo desenfreado e “raspado” assenta muito bem com a melodia potente do vocalista, levando a que “Zowee” seja mais do que apenas os instrumentos e melodias que a compõe, transmitindo uma atmosfera barulhenta mas contida.

A outra música que me marcou desde a primeira vez que ouvi este álbum foi a faixa final, “Countryside Nightlife”, a música mais ambiciosa do álbum. Tem um instrumental que flui muito bem durante a música guiado por um baixo mais despido e auxiliado por uma bateria com alguns pequenos momentos de grande espalhafato. Quando a música parece ter acabado, Ditch Days surpreendem-nos com um momento instrumental de grande maturidade e bateria semelhante a marcha, para uma explosão auditiva agradável que me deixa a pedir por mais com o seu final “misterioso”. Outra coisa que notei foi a existência de um certo lado psicadélico aliado a este álbum, uma fronteira entre o dream pop e algo mais, evidente no refrão alimentado a guitarras transfiguradas de “Nostalgia” e no “transe” curto mas marcante de “The Days are just Packed”, uma música que demonstra uma boa conjunção entre a melodia vocal e o instrumental.

Com a excepção de “Zowee” e “Countryside Nightlife” o álbum é bastante uniforme e isso tanto pode ser uma vantagem como o contrário. Por um lado, a banda não foge à sonoridade que conhece e mostra que consegue criar uma atmosfera agradável, usando sons para desenhar numa tela um estado de espírito específico. A primeira faixa “Back in the City” deixa-me mesmo a sentir que estou a percorrer a cidade com o sol a brilhar ao som da batida descontraída da faixa, um sentimento que desperta um pouco por todo o álbum, e as já referidas “Melbourne” e “Blue Chords” também conseguem estimular um lado visual com a sua sonoridade. Por outro lado, tal e qual como a tela que “Liquid Springs” procura mostrar o álbum também tem limites. “Nostalgia” e “In Films” encaixam mas não encantam, são músicas que se adequam ao álbum mas que não se destacam especialmente do mesmo. Sinto também que por vezes as melodias do vocalista arrastam-se e soam muito parecidas. Queria mais emoção e energia no refrão de guitarras distorcidas de “Back in the City”, queria mais da garra que se ouve em “Zowee”.

Fica a certeza de que há um espaço visual associado a Liquid Springs. As músicas misturam-se e espelham um cenário de Verão, de ócio despreocupado e de alegria, ao som de guitarras espaciais e synths sonhadores. É um adeus oficial ao Verão e uma estreia bastante interessante de Ditch Days, e espero que continuem a explorar a sua sonoridade e a evoluírem enquanto músicos, em busca do lugar para onde foge o Sol quando a praia deixa de ser opção.

Músicas preferidas: “Zowee”; “Countryside Nightlife”; “Melbourne”
Músicas menos apelativas: “In Films”

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