Linda Martini: fecho do capítulo com um estrondo

por Miguel de Almeida Santos,    3 Fevereiro, 2020
Linda Martini: fecho do capítulo com um estrondo
Fotografia de Pedro B. Maia / CCA
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Uma explosão pode ser definida como uma súbita, violenta e estrondosa fragmentação de um corpo devido à dilatação de gases ou à conflagração de matérias. No passado dia 31 de Janeiro os Linda Martini acrescentaram mais um significado à palavra com o seu electrificante concerto no Coliseu dos Recreios: apoteose musical. Aquele que é um dos quartetos mais singulares do rock português iniciou de forma magistral o encerramento da tour do seu álbum Linda Martini. Num espectáculo que percorreu toda a sua discografia e conceituada carreira de 17 anos, Cláudia Guerreiro, Hélio Morais, Pedro Geraldes e André Henriques tocaram a um ritmo frenético e mostraram (mais uma vez) ao vivo a intensidade que caracteriza a sua música aguerrida. 

Mas não é só a intensidade da sua música que torna os Linda Martini únicos, é a versatilidade dessa valência. Depois de um espectáculo introdutório de strobe lights, “Semi Tédio dos Prazeres” introduziu a actuação, seguida rapidamente por uma viagem até Casa Ocupada pela mão de “Nós Os Outros”, mostrando a facilidade com que o grupo alterna entre momentos mais contemplativos e altos octanos. “Mulher-A-Dias” e “Febril (Tanto Mar)” apresentaram motivos instrumentais arranhados e poderosos enquanto que a lânguida “Volta” trouxe uma calma bem-vinda. Seja qual for o ponto do espectro desta dualidade musical dos Linda Martini, a entrega é sempre exímia.

Fotografia de Pedro B. Maia / CCA

Além da Linda Martini que lhes dá o nome, não vimos mais imagens no ecrã, a música falou por si. Ao longo de duas horas e mais de vinte músicas, o grupo percorreu toda a sua discografia, desde o primeiro EP até ao mais recente álbum, ambos homónimos. Antes da fervorosa “Lição de Voo Nº.1” soar no Coliseu, foi a vez de “Quase Se Fez Uma Casa” com os seus riffs dilacerantes mostrar que os 14 anos que separam estes dois lançamentos não mostram ter afectado a criatividade da pujança dos Linda Martini. “Quase se fez uma casa, não, até se fez uma casa bonita”, ouvimos o baterista Hélio Morais dizer, uma referência à sala bem composta e ao lar que são os fãs que seguem o grupo ao longo dos anos.

E os Linda Martini agradeceram todo esse carinho da melhor forma que sabem, com um espectáculo diverso em que não foram esquecidas as grandes músicas da sua discografia. Temas mais “refundidos” como “As Putas Dançam Slows” ou “Partir para Ficar” – em que a baixista Cláudia Guerreiro mostrou os seus dotes de harmónica – foram entoadas com a mesma destreza que grandes hinos como “Ratos” ou “Amor Combate”. Mas – e como já é habitual – esse clássico de Olhos de Mongol teve especial destaque, com um momento de instrumentos em ponto morto para ouvir o público. No final da música, foi a vez de Hélio Morais falar: “Protejam-se do discurso de ódio, não o promovam. Espalhem amor em vez de espalhar esse vírus”, reflectindo o tom combativo da música e apelando a uma mensagem relevante para os tempos em que vivemos.

Fotografia de Pedro B. Maia / CCA

Nos instantes finais do concerto, ainda houve tempo para temas como “Belarmino vs”, “Unicórnio de Sta. Engrácia” ou “Putos Bons”, e “Se Me Agiganto” foi a música escolhida para terminar o espectáculo, com os artistas a sair de palco com as guitarras a reverberar. O já frequente arrufo de pés do Coliseu nem teve tempo para se fazer ouvir: após uma curta intermissão os Linda Martini estavam de volta para o encore, o primeiro de dois. Depois de “O Dia Em Que A Música Morreu” não deixar vivalma indiferente ao seu estardalhaço instrumental final e o quarteto se despedir do palco com um feedback intenso como banda sonora, todos os presentes sabiam que ainda faltava uma música. “A próxima é uma nova!”, ouviu-se com sarcasmo quando retornaram ao palco para “Cem Metros Sereia” e para um ponto final de arromba neste serão de rock de alta intensidade.

Fotografia de Pedro B. Maia / CCA

O tema foi o culminar da noite, e despoletou uma moche desenfreada nas primeiras filas e até uma “invasão” de vários jovens fãs que se apoderaram do palco e entoaram com garra a frase que se repete ao longo da música. Num tempo em que o rock parece perder alguma relevância, é curioso ver esta “Juventude Sónica” dos Linda Martini ressoar com a juventude em carne e osso. É só mais uma prova de que o rock não está morto, só é preciso um estrondo grande o suficiente para nos fazer voltar a prestar a devida atenção. E foi exactamente com um estrondo que os Linda Martini encerraram ao vivo este capítulo da sua impetuosa carreira.

Fotografia de Pedro B. Maia / CCA

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