“Langata”, dos Crooked Colours: dançável a cores

por João Diogo Nunes,    27 Agosto, 2019
“Langata”, dos Crooked Colours: dançável a cores
Capa do disco
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Depois do incrível Vera em 2017, o trio australiano de música dance alternativa está de regresso com Langata. Os Crooked Colours definem-se muito pelo som eletrónico com um intenso espírito indie, usando cordas frequentemente e uma interpretação vocal delicada. Para descrevê-los, seria preciso invocar a música colorida de Alt-J e uni-la às guitarras de Slenderbodies e à valoração digital e vocalização dos perdidos The Acid.

A lista começa com “I’ll Be There”, instrumental alegre e composto de ríspidos estalidos “rolhas de garrafa”, voz decadente com coro de crianças cheio de alento a puxar o clímax e uma imensa confiança na repetição do refrão. A interpretação vocal é profunda e juntá-la tão bem com os outros elementos é um feito. Depois da abertura, “Do It Like You” dá-nos as tais cordas. O início em anáfora é contagiante, a progressão é cuidada e tenta variar, mas não consegue deixar que o refrão perca interesse. “Heart String” ganhava mais em afastar-se da faixa anterior: é uma música com cordas em segundo plano e claps em primeiro. A rima funciona otimamente, a melodia vocal é muito superior à instrumentalização, o que deixa um bocado a desejar; contudo, quando entram as teclas a música adquire novo fôlego, mas não o suficiente para aguentar a percussão demasiado saturada.

Crooked Colours

“Just Breathe” começa com a tal coloração Alt-J já mencionada, mas é mais do que isso. A escrita e interpretação, a construção e a adição de pequenos sons e murmurinhos estão bem conseguidas e deixam o refrão como parte mais fraca. A batida de fundo, todavia, dá muito a perder, algo genérica e demasiado ortodoxa no timing, falta o dito fator The Acid aqui. Nesta altura chegamos a “I C Light”, melodia e letra mais escuras, uma mistura curiosa para os tons tão coloridos e dançáveis a que estamos habituados. Uma faixa única que vem agitar o álbum, até aqui é possivelmente a mais interessante, com um suavíssimo clímax  e uma utilização muito bem-vinda do filtro de voz. “Hold On” baixa o ritmo e depois progride até uma batida deliciosa, a percussão digital é de muito bom gosto, as linhas vocais encaixam brilhantemente. A meio, a música perde um pouco o fulgor quando foge à simplicidade e secura que oferece antes disso, mas, mais tarde, novos ritmos e pausas constroem caminho de novo até ao mesmo de antes e tudo fica bem. O fim de “Hold On” lembra-nos de fixar a faixa e partimos para a title-track, “Langata”, onde as cordas bêbadas cheias de personalidade dão-nos, por si só, uma música apetecível. Os samples vocais ajudam muitos, mas, quando perdemos estes elementos, o esqueleto percussivo vem ao de cima e desilude um pouco. Ainda assim, aplaude-se a coragem desta faixa.

“Mirror Ball” já vem a mirar o final do disco, um início noturno onde o guincho das cordas faz de grilo. A letra harmoniosa é perfurada por pingos de teclas alteradas. Brincadeiras com múltiplas faixas de voz e um som cortado de trompete fazem a música verter carisma. O fim está mesmo a vir e os ritmos em “Never Dance Alone” deixaram-se morrer um pouco para isso. A voz feminina da colaboração de Ladyhawk na música dá um toque especial, e apesar de a letra não ser particularmente rica, a melodia vocal é especial, mesmo ficando debaixo da percussão vulgar. Chega-se ao fim com “Lose Someone”, e aqui vincula-se a sensação final das duas canções anteriores. O foco no refrão faz-nos esquecer por uns momentos a personalidade eletrónica do grupo. A voz, muito igual até aqui, destaca-se mais agora, mas estando já desgastada pela pouca variação de registo durante o álbum, não prende como seria de esperar. Os três minutos e meio parecem longos, porém, a repetição enjoativa da música encurta-os radicalmente na nossa perceção depois de a ouvir. É uma faixa fora de sintonia com o resto da lista e duvidosa como música final.

Langata é exatamente o que se esperava, não surpreende estilisticamente, mas corresponde também às expetativas de qualidade geradas pelo êxito que foi Vera. O trio australiano continua a ser um nome de respeito no género e parece estar num caminho produtivo, deixando esperança de um futuro entusiasmante. Langata é colorido, relaxante e contagiante, um disco cheio do charme único da banda e nisso tem tudo para singrar. A mensagem não diz muito, admita-se, mas, foneticamente, há mérito na escolha das palavras. Podia ter uma listagem mais marcante, mas o escurecer final e os elementos de diversidade como o coro da primeira música, o filtro vocal de “Hold On”, a percussão temporizada da “I C Light”, o experimentalismo da faixa homónima ou o dueto bem-sucedido de “Never Dance Alone” são aquilo que se quer de um bom lançamento, ao gerar identidade. É um rio de cor a fluir ao sol numa secura australiana, é tranquilamente dançável e tem um tom minimalista apaixonante capaz de prender o ouvido forasteiro numa nova sonoridade.

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