José Mujica: “Transformamos pobres em consumidores e não em cidadãos”

por Comunidade Cultura e Arte,    26 Dezembro, 2018
José Mujica: “Transformamos pobres em consumidores e não em cidadãos”
“El Pepe, a Supreme Life”, realizado por Emir Kusturica
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Aos 83 anos é um dos políticos mais importantes e acarinhados da América Latina. A vida de José Mujica, ex-Presidente da República do Uruguai, já deu inclusive origem a dois filmes: “La noche de 12 años”, do uruguaio Álvaro Brechner, e o documentário “El Pepe, Una Vida Suprema”, do sérvio Emir Kusturica.

A 21 de Dezembro, e em entrevista à BBC Brasil, José Mujica, teceu algumas opiniões curiosas; uma delas é o facto de, na opinião político, os governos de esquerda terem falhado na América Latina e que estes deveriam assumir a sua culpa: “Temos muita gente com fome, sem abrigo ou com casas miseráveis, e conseguimos, até certo ponto, ajudar esta gente a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos – os processos são lentos demais, é mais fácil resolver de imediato o problema da (falta de) comida, porque é algo que fala de imediato à nossa consciência. Mas não conseguimos cortar a imensa dependência que temos deste mundo actual que se expande cada vez mais. Queremos consumir como o primeiro mundo enquanto ainda não resolvemos os nossos problemas mais básicos. Isso resulta na criação de condições brutais de vida.

O mundo desenvolvido começou a caminhar 200 anos antes de nós, fez muitíssimos sacrifícios, pagos pelo povo, os únicos que trabalhavam 12, 14 horas por dia, e assim se capitalizaram. E no mundo colonial… tudo isso, não é? Nós chegámos tarde, corremos atrás, mas nem tudo está perdido. Não creio que a extrema-direita possa fazer mais além de concentrar ainda mais a riqueza. E, por infelicidade, teremos que aprender a ser mais pacientes, e continuar a trabalhar. Os termos “esquerda” e “direita” são muito modernos, mas as faces do conservadorismo e da solidariedade são tão antigas quando a existência dos humanos sobre a Terra. Seguiremos em frente.”, disse o ex-presidente do Uruguai.

Para além de ter sido Presidente da República do Uruguai, Mujica foi líder de guerrilha do “Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros” durante a década de 60. Esteve preso durante 13 anos, 11 dos quais em total isolamento e 7 em condições desumanas.

Na mesma entrevista, o agora senador/agricultor, quando questionado sobre a importância das suas palavras na América Latina e na Europa e como estas podem ser distorcidas ou até mal compreendidas com o tempo, respondeu: “Isso certamente irá acontecer. Como dizia o poeta Luis de Góngora: “fazer poesia é dizer uma coisa por outra”. Para satisfazer as necessidades jornalísticas, para ter uma boa manchete, as pessoas tiram palavras do seu contexto. Isso é inevitável. Mas eu durmo bem à noite. Vivo na mesma casa há 34 anos, mais ou menos. Fui ministro, senador, presidente, e nada disso me subiu à cabeça. Sou um homem humilde, como a maioria das pessoas do meu país, e é assim que quero morrer. O resto acho tudo divertido. Deixo que eles se divirtam. No fim das contas, comparados com o universo, somos todos menores do que as formigas.

Por fim, Mujica falou ainda da legalização das drogas, o ex-governante legalizou a Cannabis no Uruguai. Quando questionado sobre este assunto respondeu: “A realidade [das drogas] é muito mais profunda. Há 80 anos que se combate o narcotráfico e mal conseguimos arranhar a sua superfície. Reconhecemos que, para mudar esse quadro, não podemos continuar a fazer sempre o mesmo. Temos dois problemas: a praga da dependência das drogas e a praga do narcotráfico. Se começarmos a regular o uso da droga, eliminamos o narcotráfico. Resta-nos o problema médico — mas identificando e conhecendo o consumidor, podemos atendê-lo a tempo. As pessoas, às vezes, esquecem-se de como eram quando eram jovens. Quanto mais se proíbe um jovem, mais ele quer fazer as coisas. Eu creio que as drogas são uma praga, mas proibir é como dizer às pessoas “experimente!”. Não há bicho mais estúpido que o ser humano, o único capaz de fazer mal a si mesmo.”

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