John Dewey, o pai da educação moderna dos EUA

por Lucas Brandão,    23 Abril, 2017
John Dewey, o pai da educação moderna dos EUA
PUB

Na filosofia, o pragmatista. Na psicologia, o funcional. Na sua união, a proposta de um novo modelo educacional para os Estados Unidos da América, nação-exemplo para grande parte das restantes do mundo. John Dewey tornou-se numa das principais vozes na defesa de uma sociedade progressista e democrática, assente nos pilares iluministas e liberais. Reformista de ideologia, de natureza, e defeitos, o americano visualizava a democracia como o fim último a beneficiar dos seus préstimos, sustentando-se na saúde da sociedade civil e das escolas. A formação da opinião pública tornou-se, assim, num dos objetivos primordiais de uma reforma amadurecida e bem guarnecida.

John Dewey nasceu no estado norte-americano do Vermont, na cidade de Burlington, no dia 20 de outubro de 1859. Apesar de uma educação mais instrumental do que intelectual, ingressou na Universidade Estadual com somente 15 anos. Cinco anos depois, concluiu a licenciatura com o aval da Phi Beta Kappa Society, a mais antiga de todas no panorama académico nacional. Misturando a docência com a formação religiosa que recebeu, foram várias as palestras e artigos concebidos sobre Deus e outros temas bíblicos. No entanto, o meio académico não se retirou da sua vida, e Dewey fez o seu doutoramento em Filosofia na Johns Hopkins University, findando-o em 1884.

Como tese, apresentou a psicologia do filósofo alemão Immanuel Kant, não descurando a influência da filosofia do germânico Georg Friedrich Hegel, e a biologia e postulados do inglês Charles Darwin. A sua visão da psicologia seria, assim, apresentada, reformulada e estendida no seu cronológico acervo literário, cruzando-o com as suas funções de professor de filosofia na Universidade de Michigan, e na Universidade de Columbia. Pai de cinco filhos biológicos e de dois adotados, faleceu no ano de 1952, no dia 1 de junho, em Nova Iorque, onde dava aulas. Tudo isto sem antes se apresentar como uma figura personalizada no campo da filosofia e da psicologia, apontando a educação para um caminho de progresso, assente na funcionalidade e no pragmatismo dos seus objetivos e práticas.

O pragmatismo

Tudo começou na Universidade de Chicago, no período que distou de 1894 a 1904. Incluindo vários nomes do foro académico estadual, tais como George H. Mead, Edward Scribner Ames, ou James H. Tufts,  para além de inúmeros estudantes e futuros doutorados, Dewey privilegia o cunho “instrumentalista” da sua visão filosófica, abdicando da definição fechada e restrita “pragmática”. Este termo, proposto como o “pragmatismo”, foi designado por Charles Sanders Peirce, que o associou à antropologia de Kant, e celebrizado por William James, considerado, precisamente, o pai da psicologia funcional. Porém, era mais a filosofia hegeliana que se enquadrava naquilo que Dewey defendia, virando-se, também, para uma postura contemporânea mais empirista e utilitarista.

Apesar da sua formação religiosa, o filósofo foi abdicando da influência que a sua educação lhe tinha conferido, focando no mérito científico a única possibilidade de almejar e alcançar o bem do indivíduo e, consequentemente, da sociedade. Como Deus, definia como a unidade dos fins ideais, impelindo ao desejo e à ação. A pertença por parte do homem ao mundo é indissociável de qualquer coisa que desempenhe, seja a partir da mente como do corpo, fundamentando-se na unidade e unicidade de tudo o que constitui o mundo. A perspetiva de Dewey cambalearia, desta feita, como alternativa ao modernismo, e ao pós-modernismo, recambiando para a filosofia germânica e para a utilitarista. Estas ideias seriam reconduzidas ao debate nos anos 70, sendo levantadas e alinhadas por nomes como Richard Rorty ou Richard Bernstein.

“Scientific principles and laws do not lie on the surface of nature. They are hidden, and must be wrested from nature by an active and elaborate technique of inquiry. ”

A psicologia funcional

No rescaldo do trabalho académico de Dewey, colmatando com atividade literária na Universidade de Michigan, incluiu nomes como os alemães Hegel e Gottfried Leibniz, procura encontrar uma síntese entre ambos, opondo as teses hegelianas com as antíteses provindas das noções experimentais e científicas de Leibniz. Bebendo do pragmatismo apregoado, e da obra “Principles of Psychology” (1890, autoria de William James), contou com Tufts e Mead na reformulação da própria psicologia, valorizando o papel da dimensão social e ambiental no desenvolvimento mental e comportamental. Nisto, acabariam por se distanciar da psicologia fisiológica do alemão Wilhelm Wundt, se bem que Dewey se interessava especialmente pela perceção visual. Isto não o permitia estudar, com o rigor e a autonomia desejada, os sinais auditivos, visto não conseguir distinguir tons. Foi precisamente nesta primeira década do século XX que os três, em conjunto com o então estudante James Rowland Agnell, se mudaram para Chicago, e se nomearam o “Chicago Group“.

Assim, a psicologia funcional assentava nas premissas da ação e da aplicação, voltando-se para uma componente substancialmente prática. A oposição em relação à dinâmica estímulo-resposta expunha-se em artigos de revistas da especialidade, onde se atribuía o primado a um ciclo no qual o estímulo permanece presente, mas em que a resposta depende também da interpretação e das variáveis da situação. Essa relação encadeada entre estímulo, sensação, e resposta leva a que os resultados finais das respostas prestadas sirvam de enriquecimento para a própria expressão e compreensão dos estímulos, fortemente influídas pela experiência sensorial. Todo este trabalho, que liderou e projetou com base em várias obras de proa, levaram-no a ser eleito presidente da American Psychological Association, apesar de o ter sido antes do século XX se estrear. A desconstrução de conceitos assegurados no contexto da formalização da psicologia, para além da sua associação com o pragmatismo, foi determinante para que uma página estável e indelével se firmasse nos prismas norte-americanos.

As bases, princípios e métodos da educação de Dewey

John Dewey nunca se desvinculou das suas raízes, e, como tal, procurou fundamentar as suas ideias e reformas educativas no legado de vários nomes grandes da discussão filosófica, tais como o grego Platão e o francês Jean-Jacques Rousseau. Em “Democracy and Education” (1916), salientou a influência social que o primeiro observava, para além da valorização individual que o segundo preconizava. O conhecimento, para o norte-americano, era algo que se adquiria e se desenvolvia socialmente, relacionando os papéis co-criadores do singular e do plural, em que o indivíduo só se torna significativo enquanto parte integrante e frutificante da sociedade, esta formulada pela junção sistémica das partes. Cruzando isto com aquilo que apresentou em “Experience and Nature” (1925), apontou para o empirismo subjetivo – isto é, a experiência e o contributo personalizado de cada um – como o caminho para as ideias e posições revolucionárias na formalização do conhecimento.

Porém, a Dewey interessava também que a educação não desse o conhecimento como estanque e garantido, interrelacionando-se e metamorfoseando-se consoante se integrava no quotidiano. Desta forma, e na escola-laboratório (designada Escola Dewey) que desenvolveu com a sua esposa Alice, parceira dos experimentos laboratoriais e educacionais que foi realizando, na Universidade de Chicago, colocava as crianças a encararem os conceitos físicos e biológicos na própria confeção das refeições da cantina.

Este projeto decorreu durante dez anos, e permitiu-lhe colher os devidos dividendos de um investimento teórico-prático esforçado e nem sempre abonatório em relação às suas pretensões. Este tipo de projetos não deixou de ser efetivado por Dewey, que se empenhou em criar, na Universidade de Columbia, a Lincoln School, a partir da qual deu ainda mais fôlego à sua literatura educacional, muito sustentada nas suas convicções pragmáticas. Entre estas, incluem-se “The School and Society” (1899), e “The Child and the Curriculum” (1902).

Apesar da repercussão que o seu trabalho obteve, as suas propostas nunca foram totalmente e exaustivamente aplicadas no ensino público nacional até à época da Guerra Fria, na qual importava desenvolver uma elite intelectual munida com competências tecnológicas e científicas para dar cobertura às necessidades militares que surgiam. No que se seguiu a essa fase, mais daquilo que propôs foi assumido como nuclear para a reforma da educação dos jovens norte-americanos. Na base, está o desenvolvimento do raciocínio e da capacidade crítica do aluno, contextualizando o que aprende no dia-a-dia, e aprofundando e melhorando as relações sociais estabelecidas com os diversos agentes.

Aquilo que acabou por resultar como empecilho para o plasmar das ideias de Dewey tornou-se a própria abordagem escrita deste, levando-o a inclinar para um registo confuso e recheado de neologismos, baralhando aqueles que procuravam interpretar os seus textos. Desta forma, só alguns é que conseguiram, decerto, identificar e louvar a importância dos seus préstimos naquilo que foi a reforma educacional do país. Isto acabou, também, por dar o mote para várias reestruturações das suas visões, encetadas por outros autores, que tornaram mais inteligíveis as sugestões e conclusões do norte-americano. No entanto, importa que se reconheça que nem tudo aquilo que foi proposto chegou a ser, sequer, testado. Ainda assim, alguns serviços de apoio, especialmente ao nível da orientação vocacional, e do aconselhamento pessoal e escolar, servem para atestar a influência de Dewey nesta espiral educacional.

“Were all instructors to realize that the quality of mental process, not the production of correct answers, is the measure of educative growth something hardly less than a revolution in teaching would be worked.”

Os desafios da educação

Tendo em conta o pendor interativo, social e dinâmico da educação e da aprendizagem, a escola apresenta-se como uma instituição-base de uma perspetivada reforma social. Com isto, é um espaço onde os estudantes podem e devem, através da experiência e do seu caminho empírico, interatuar e comunicar com o plano formativo, tornando-se, eles próprios, agentes da sua própria educação. Desta forma, dá-se a possibilidade do aluno exponenciar todo o seu potencial, capacitando-se de valências importantes para o bem comum. Assim, pode-se concluir que a escola funciona como um barómetro naquilo que é a evolução da consciência crítica social, sendo a atividade individual e a sua gestão partes importantes da reconstrução social desejada nas diferentes reformas a serem empregues. Estas premissas seguem enumeradas em “My Pedagogic Creed“, obra datada de 1897.

Reabordando “The Child and the Curriculum“, dá-se o confronto das duas ideologias educacionais predominantes até então, seguindo uma o caminho do currículo e do plano estudantil, cingindo-se àquilo que são as noções a serem ensinadas; e outra na qual muito do processo educativo é delegado na própria criança. Quanto à primeira, Dewey aponta para a ineficácia da inatividade do estudante, assumindo somente o papel de objeto a ser efetivado, ao invés de ser cultivado e, acima de tudo, humanizado.

No que toca à segunda, são mais os excessos da doutrina que são problematizados, tornando-se a autonomia em demasia nociva para o desenvolvimento da criança, e estando diminuídas as responsabilidades da própria matéria e dos docentes. Interessa, também, mencionar que o norte-americano culpabilizou parte da depressão económica do final dos anos 20 e início dos 30 à fraca qualidade educacional, pouco voltada para a formação da inteligência e da personalidade do indivíduo.

Para encontrar um ponto de equilíbrio entre ambas, Dewey pensou numa transmissão de conhecimento que tivesse em conta os interesses e experiências dos próprios alunos, aprendendo com as segundas o contexto prático dos conceitos estudados e entendidos. A partir dos objetos contactados no dia-a-dia, dão-se os primeiros passos para a assimilação do conhecimento, dando ênfase a um experimentalismo educacional, que se dedica a questionar o papel de cada elemento na realidade. Porém, não há educação sem os agentes que desempenhem as funções de ensinar e de proporcionar, e, como tal, urgia modificar a visão toldada e limitada para o treino e especialização dos professores, remetendo-se a um conjunto limitado de valências e vocações.

Para além disso, também o mercado e as suas demandas e exigências asusmiam um papel importante, estabelecendo necessidades a serem supridas. Obras como “The School and Society“, e “Democracy of Education” salientam a importância da educação ser voltada mais para a participação ética, ordeira, mas ativa na construção e renovação social. A crítica em relação ao método de ensino estende-se, assim, até à preparação exaustiva e disciplinada dos alunos, voltando-se para o domínio dos conceitos, e para a formação individual e, de certa forma, competitiva, ao invés de apontar para a abordagem comunitária e interdisciplinar, capaz de discutir e de debater as diferentes expressões quotidianas.

“Failure is instructive. The person who really thinks learns quite as much from his failures as from his successes.”

O papel do professor

No que toca às funções e competências que este agente educacional deve deter, estas passam pelo apreço por educar, e por incentivar a questão e discussão daquilo que é dado como certo, desde conceitos a métodos, de partilhar conhecimento, e de entender o contexto em que a educação se concede. O principal desafio é sistémico, isto é, está na própria formação do docente, que ainda está muito presa à especialização e a necessidades externas. Declarando um papel versátil e orientador, para Dewey, importa que, sem descurar a produção e evolução da inteligência, o objetivo do docente, e da instituição escolar é o de elevar o grau civilizacional da sociedade, sendo capazes de apoiar na formação de várias vertentes e competências. Com isto, para além de se assistir à progressão individual, perceciona-se a construção do próprio caráter, possibilitando o pensamento e ação autónomos e moralmente ponderados.

O professor, como apaixonado pelo conhecimento, pela metodologia e pelos constituintes da sua mundividência, capabilita-se de adquirir e reproduzir a inteligência, tornando-a num bem possível de ser transmitido pelo ensino e aprendizagem. Apesar disso, não é um perito em todas as áreas do saber, revelando-se mais proficiente nesta ou naquela, mas não é isso que impede que se sinta o entusiasmo e o critério do que é lecionado. A sua responsabilidade passa por estar em pleno contacto com os estudantes, adaptando a matéria aos mesmos, e atendendo às suas vocações e ambições futuras. No âmago do ensino, está o prazer por comunicar, completando-se o ciclo do conhecimento nessa reinterpretação própria e personalizada do professor.

Para se medir a qualidade de um professor, Dewey aponta para a capacidade de responder proativamente às dúvidas dos seus alunos, e nas respostas que estes vão dando futuramente sobre certos pontos das matérias lecionadas. De uma forma mais lírica, importa que exista uma harmonia a dominar a relação entre a sua mente e a dos seus aprendizes, identificando as fragilidades levantadas por este tipo de contactos, e superando-as através da reavaliação dos mesmos e sucessivas respostas prestadas. Para além disso, a influência que vai transportando para o resto da vida do seu aluno acaba por ser proeminente, atuando o professor numa fase decisiva do crescimento e amadurecimento individual.

Dessa feita, a sua postura é importante naquilo que é a assunção das suas responsabilidades e deveres. Mesmo que tudo isto implique horas de cansaço e de stress, desencadeando reações imprevisíveis à boa maneira humana, o contacto com os mais jovens, e a partilha de alguma da sua jovialidade e vitalidade acaba por ser um tónico para o trabalho que leva para o seu lar. Assim, uma das caraterísticas que um professor deve ter é a propensão mental para ultrapassar as vicissitudes do seu ofício, não prejudicando a qualidade do ensino prestado aos alunos. São nefastas as potenciais consequências que um professor pode ter, num momento menos bom, no progresso do aluno, reforçando o seu cariz determinante na educação de cada um.

“Give the pupils something to do, not something to learn; and the doing is of such a nature as to demand thinking; learning naturally results.”

Necessidades da formação do professor

A paixão de Dewey pela arte de ensinar baseava-se no seu prazer de trabalhar com crianças e de, com estas, partilhar o saber e o conhecimento nas mais diversas áreas, e na sua aptidão de questionar sobre o mundo e as componentes estruturais deste. Para uma formação adequada e humanizada, o norte-americano recomendou deixar de enfatizar a vertente prática, apontando para a sua aquisição e operacionalização a partir da experiência de trabalho com os seus alunos. Acompanhando o progresso feito por um professor, verifica-se a sua capacidade de permanecer em estudo, captando e desenvolvendo novas competências, e indo além da mera afinação daquilo que aprenderam na sua formação.

Com isto, valem as suas funções de monitorização das matérias e da atividade mental e humana dos seus alunos, tornando-se num inspirador e um líder por natureza. A educação de um docente deve aprestar-se, assim, para o envolvimento dos seus futuros pupilos, expandindo a sua mente ao ponto de compreender o espírito crítico, e as eventualidades que este pode gerar. É com a experiência que se firma e afirma o prazer e o aprimoramento de um professor, aplicando e explorando capacidades cognitivas, sociais, humanas e profissionais.

Este estilo acaba por adaptar um pouco daquele que é o espírito da formação de um advogado, ou de um médico, em que há uma constante reabordagem dos métodos, um consistente desenvolvimento intelectual, e a formalização do próprio espírito profissional a partir da experiência, e da prática. No fundo, a grande preocupação desta formação é, especialmente, afastar o espectro da irresponsabilidade, levando os estudantes a serem conduzidos por uma figura de respeito, mas não de excessiva autoridade, e procurando inseri-los nas dinâmicas do próprio docente. Como objetivo fundamental, está promover o gosto pelo conhecimento, pela sua difusão, e pela segmentação personalizada de cada aluno, alimentando paixões, e apoiando ambições.

John Dewey foi um dos principais proponentes daquilo que são as bases educacionais e formativas, tantos dos alunos, como dos professores. Na génese, está o gosto pelo conhecimento humano e social, entendendo-os como produto combinado e conjugado, e pela sua difusão. Revertendo as vocações excessivamente profissionais e ferreamente dependentes das necessidades laborais, o psicólogo procurou promover uma visão iluminada e ilustrada nos préstimos que apresentou em obras e projetos, e nas sementes que deixou plantadas nas orgânicas de instituições, como o Bennington College, e o Black Mountain College, onde germinou o grupo literário “Black Mountain Poets“, íntimo com a “Beat Generation“, e onde estudaram nomes, como os artistas Willem de Kooning, e Franz Kline.

Um educador com vista a uma sociedade instruída e crítica, perante si mesma e o mundo que a constitui. Rumo ao conceito de “sociedade aberta“, nada melhor do que este assentar em reformas educacionais voltadas para o saber e para o auge do ser, afagando o critério dos cientistas, assim como o vigor dos artistas. Na base de tudo, uma educação, onde o saber assume o protagonismo condizente de um mundo mais inteligente.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados