“It Is What It Is”: o regresso de Thundercat ao seu universo cósmico

por João Miguel Fernandes,    17 Maio, 2020
“It Is What It Is”: o regresso de Thundercat ao seu universo cósmico
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Stephen Lee Bruner, mais conhecido como Thundercat, está de volta com um novo álbum intitulado It Is What It Is. Após o sucesso de Drunk, o baixista norte-americano regressa três anos depois ao universo onde o jazz se mistura com a música electrónica e o hip hop. O músico e também produtor está habituado a colaborar com grandes nomes da música mundial como Kendrick Lamar, Mac Miller, Childish Gambino, Flying Lotus, entre outros, e por isso não é de admirar que para este novo álbum tenha convidado alguns amigos. It is What It Is conta com nomes como Kamasi Washington, BadBadNotGood, Mono/Poly e o já referido Childish Gambino, além de outra mão cheia de talentosos artistas de diversas áreas.

Quem já conhece a música de Bruner sabe que uma das melhores características de Thundercat é o facto de conseguir misturar diferentes géneros musicais e criar um mundo orgânico onde todos os sons encaixam uns nos outros e nos trazem algo inovador. Os álbuns de Thundercat são uma viagem cósmica por um universo sci-fi recriado pela primeira vez. Neste caso, o único ponto negativo possível a apontar a It Is What It Is é o facto de ser demasiado idêntico aos seus dois álbuns anteriores. Isto não é necessariamente negativo, demonstra um lado sólido na composição, assim como um grande domínio de diversas áreas que nem sempre se encontraram nas mesmas músicas, revelando um grande conhecimento e sensibilidade musical de alguém que tem apenas 35 anos.

Thundercat. Fotografia de Carlos G

O álbum começa com “Lost In Space / Great Scott / 22-26”, uma faixa de 1 minuto que nos convida a entrar neste mundo tão próprio de Thundercat. “Innerstellar Love” é a segunda faixa e não há melhor forma de entrarmos neste universo cósmico do que na companhia de Kamasi Washington. A música é uma das rainhas do álbum, o saxofone do convidado transporta-nos para outros mundos, mas as melodias escolhidas por Bruner provocam-nos ainda mais sensações. Este não é um álbum tão comercial quanto possa parecer pelos convidados, e a verdade é que Thundercat nunca foi verdadeiramente comercial. “I Love Louis Cole” conta com o destinatário da declaração de amor: Louis Cole, multi-instrumentista do duo Knower, empresta os seus dotes de teclista a uma música que é claramente uma ode ao seu talento.

Não há grande sentido separar este álbum em faixas, porque todo álbum conta a mesma história, mas a transição para “Black Qualls” é abrupta. A quarta música conta com uma dream team de convidados: Childish Gambino, Steve Lacy e Steve Arrington juntam-se a Bruner e o resultado é óbvio: uma das melhores faixas do álbum. É um tema claramente mais jazz/soul, e muito disso deve-se à influência directa dos seus convidados. Thundercat demonstra aqui uma das suas capacidades: combinar não só diferentes géneros mas também diferentes músicos, e dessa forma criar um álbum que partilha a mesma identidade.

“Funny Thing” — provavelmente uma das músicas mais fáceis de digerir para quem não está habituado ao som muito próprio de Thundercat — e “Miguel’s Happy Dance” podiam quase ser uma única faixa. No entanto, surge pelo meio “How Sway”, que parece ter sido retirada directamente de um álbum de Flying Lotus, muito mais acelerada que a maioria das quinze faixas deste projecto. Ainda assim, o álbum conta apenas com 37 minutos de música, e a curta duração de vários temas demonstra uma noção bastante exacta da realidade. Consequentemente, é quase impossível não ouvirmos todo o álbum de seguida, existem poucas razões para ouvirmos aquela ou outra música especifica.

E isso deve-se à extraordinária composição de Thundercat, algo que se destaca ao longo de todas as músicas, conseguindo criar músicas com menos de 2 minutos e com muita complexidade, como é o caso de “Overseas” e “How I feel”. Ainda assim “Dragonball Durag” — outra das músicas mais acessíveis deste álbum — com a sua pouca existência de samples diversos ou a sua velocidade mais lenta é naturalmente uma das mas fracas do álbum, e é a música menos Thundercat e mais qualquer outra coisa. Quase na recta final, “Unrequited Love” transporta-nos novamente para outro mundo, e, embora seja também uma música bastante calma, o baixo e a melodia da voz de Thundercat criam um som quase catártico, onde somos obrigados a expelir tudo o que sentimos sem controlarmos as nossas emoções.

O álbum fecha com a faixa-título e mais uma colaboração, desta vez com o brasileiro Pedro Martins, guitarrista e vocalista de jazz que cria melodias deliciosas e tão próprias da música brasileira e acrescenta-lhes um toque forte de jazz. Chegamos ao fim do projecto com uma vontade casual: por vezes sentimos a necessidade de que Thundercat vá ainda mais longe. Quebrar barreiras é algo que o talentoso músico consegue facilmente, mas embora It Is What It Is seja um álbum quase perfeito na sua composição, sonoridade e temas, por vezes sentimos que podia haver algo “novo”. A verdade é que o sonoridade de Thundercat já é por si nova, e nesse caso inovar ainda mais não é tarefa fácil. It Is What It Is será facilmente um dos melhores projectos que 2020 terá para nos oferecer, transportando-nos para um mundo único, uma demonstração da singularidade da música de Thundercat.

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