Há 9 anos em Coimbra

por Frederico Lourenço,    13 Novembro, 2018
Há 9 anos em Coimbra
Frederico Lourenço / Fotografia de Rui Duarte Silva
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Faz hoje 9 anos que assinei o meu contrato com a Universidade de Coimbra: foi sexta-feira, dia 13 de Novembro de 2009. Não tenho superstição relativamente à sexta-feira dia 13, visto que foi numa sexta-feira dia 13 de Janeiro que passei no exame de condução, em 1984. Tive muita sorte nos 30 anos em que conduzi (optei por deixar de conduzir quando fiz 50 anos, por questões pessoais e ecológicas), pois nunca tive um acidente nem sequer um «toque». Na Universidade de Coimbra, a sorte tem sido igualmente benigna: acidentes zero. Embora alguns «toques» sejam inevitáveis num lugar tão estranho e tão «sui generis» como é uma universidade.

Um dos meus planos para quando me reformar é escrever a minha «autobiografia universitária», pois parece-me que, como pessoa rara neste país que fez a sua vida profissional em duas universidades tão diferentes (20 anos de docência na Universidade de Lisboa; e agora 9 anos em Coimbra), estou numa posição privilegiada para poder dar uma imagem do que é a realidade universitária. Tenho guardado (e saboreado) na minha memória as mil pequenas maldades que ocorrem diariamente entre o corpo docente universitário, que afinal constitui um microcosmos do que é a realidade humana, com as suas invejas, as suas hipocrisias, as suas rivalidades e os seus muitos orgulhos feridos.

Pois os professores universitários são uma espécie muito aparentada com a «prima donna», cada um convencido da sua genialidade e da a importância do seu contributo para a Ciência. É um meio em que, por definição, as pessoas vivem em competição umas com as outras e no ressentimento relativamente aos colegas. É um ambiente agónico, mas que não é vivido com a agressividade frontal de um verdadeiro ἀγών: a universidade é por excelência o meio das mil alfinetadas que acabam, a longo prazo, por somar e por ferir tanto como uma punhalada directa.

Ainda este Verão uma colega cá de Coimbra me perguntou se eu me sentia «ambientado» na Universidade ao fim de quase nove anos. Fiquei a pensar na pergunta dela; e a verdade é que a resposta é sim e não. Sinto-me totalmente ambientado, porque amo de facto o que Coimbra representa (pelo menos na minha concepção idealista) e sinto-me profundamente honrado por ser professor desta maravilhosa Universidade.

Por outro lado, não me sinto o peixe dentro de água que eu era na Universidade de Lisboa: mas isso é bom. Não me sinto adaptado na Faculdade de Letras de Coimbra, mas fiz por isso, por não me adaptar; não quero voltar a sentir aquela simbiose com o ambiente, qual feto no líquido amniótico, como eu sentia na Faculdade de Letras de Lisboa. Lá, eu estava de facto na minha universidade, onde eu próprio tinha estudado, onde o meu pai era professor catedrático e onde eu era adorado por toda a gente (desde o catedrático mais categorizado até à senhora da limpeza). Ao fim de 20 anos dessa situação, percebi que, como peixe dentro de água, eu não iria crescer. E nunca me arrependi da decisão de vir para Coimbra.

Porque a maior vantagem de vir para Coimbra foi a lição que esta mudança (rara na universidade portuguesa) me ensinou. Ensinou-me a ser auto-suficiente e obrigou-me a aprender como existir um meio em que não sou adorado por toda a gente e onde não sou levado ao colo por ninguém. A Universidade de Coimbra ensinou-me a estar sozinho. Ensinou-me a ser eu próprio.

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