‘Gumboot Soup’: o fechar de um ciclo

por Miguel de Almeida Santos,    8 Janeiro, 2018
‘Gumboot Soup’: o fechar de um ciclo
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A 30 de Dezembro de 2017 muitos já preparavam a despedida do ano velho e o abraçar de um novo, mas os proficientes King Gizzard and the Lizard Wizard ainda não podiam dar o ano como terminado, faltava cumprirem a sua promessa para 2017 e lançarem cinco álbuns. No penúltimo dia do final do prazo, completaram o pentágono musical que se propuseram a executar: Gumboot Soup fechou o ano com toda a efervescência que se espera de um projecto deste septeto australiano. E de certa forma é o projecto mais adequado para terminar a viagem musical da banda, porque bebe de todos os outros. Não se tratam de B-sides mas sim de músicas que surgiram como uma inspiração tardia ou que não se adequavam tão bem aos álbuns lançados, como a banda referiu numa entrevista ao site Consequence of Sound.

Em vez de obedecerem a um conceito mais geral, as músicas de Gumboot Soup abraçam todas as construções sonoras que caracterizaram este ano especialmente inspirado da banda e conseguem apresentar elementos em comum com esses projectos sem nunca perderem a sua individualidade. O último álbum da banda em 2017 funciona em primeiro lugar como uma retrospectiva dos quatro álbuns que o precederam. “Greenhouse Heat Death” e “All Is Known” relembram o conceito de microtonalidade vigente em Flying Microtonal Banana mas é só graças à “estranheza” previamente instaurada por esse projecto que reconhecemos essas notas no meio de notas. As músicas mais fáceis ao ouvido são as que remontam às melodias e harmonias inspiradas por jazz de Sketches of Brunswick East: “Beginner’s Luck” abre este projecto com uma descontracção que não destoava desse álbum da banda, e o fantástico coro semelhante a um uivo psicadélico transforma a música numa viagem sonora com direito a solo rasgado. “The Last Oasis” simula o suave movimento das ondas do mar num dia de sol solarengo, psych pop na sua forma mais pura.

Esse projecto com Mild High Club é o mais dócil mas todos os álbuns estão representados: a pacata correria de “Muddy Water” e as suas notas ligadas remete para Polygondwanaland e a pujança avassaladora e letra megalómana de “The Great Chain of Being” assentava sem espinha nas narrativas épicas descritas em Murder of the Universe. Mas se Gumboot Soup fosse só composto por essas músicas, não passaria de uma repescagem vagamente interessante. Pelo meio do álbum surge uma despassarada “Barefoot Desert” em que o teclista Ambrose Kenny Smith incorre num exercício vocal pop de melodia intoxicante, ou uma “Down the Sink” de um funk muito despreocupado e cantoria do guitarrista Cook Craig, ou uma “I’m Sleepin’ In”, pautada por uma linha de baixo sedutora que se ouve superior a tudo e algo semelhante a uma sample de cordas que lembra a sensualidade de Portishead. É nessas músicas dispersas pelo projecto que está a essência deste álbum, temas que reconhecemos como sendo de King Gizzard e como não fazendo sentido nos restantes álbuns que o grupo lançou este ano. Mas nenhuma é tão aparentemente “órfã” como “Superposition”, é estranha até para uma banda que já fez de tudo. Ouvimos Stu quase suplicar em certos momentos, um derreter de sopros num ambiente espaçoso e completamente cheio de sons atmosféricos.

Gumboot Soup diz-nos muito sobre a versatilidade de King Gizzard e sobre a sua “maldição” de criadores compulsivos. É primeiramente um resumo de uma maratona musical mas ainda há surpresas por esses caminhos já percorridos e agora revisitados. No início de 2017 existia meia dúzia de músicas sem algo que as unisse e pairava uma promessa no ar feita antes de sequer existir um único dos álbuns que os King Gizzard se propunham a lançar. Chegamos ao fim desse ano com uma mão cheia de projectos, algo que grande parte das bandas nem em cinco anos faz. Se ainda estão para descobrir o percurso musical de 2017 destes potentes criadores australianos, sugiro que comecem por Gumboot Soup. Oiçam-no, dissequem-no e descubram as vossas músicas preferidas. Na grande maioria dos casos, certamente encontrarão músicas igualmente prazerosas em qualquer um dos outros quatro projectos que a banda assinou este ano. E agora sim a promessa já está cumprida. Podem ir descansar, rapazes.

Músicas preferidas: “Beginner’s Luck”; “Down the Sink”; “I’m Sleepin’ In”

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