‘Glasshouse’: o equilíbrio entre sofisticação e sensibilidade de Jessie Ware

por Bernardo Crastes,    29 Novembro, 2017
‘Glasshouse’: o equilíbrio entre sofisticação e sensibilidade de Jessie Ware
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Jessie Ware é uma das vozes da nova vaga musical britânica que se revelou no virar da década, ao colaborar com outros contemporâneos como SBTRKT, Sampha e Florence + the Machine. A sua voz aveludada e sedutora, que pode também ser expansiva, pavimentou o seu caminho no mundo da música. O seu primeiro álbum, Devotion, uma colecção de canções de pop sofisticada que a colocou no radar dos melómanos, chegou em 2012. Desde então, mais colaborações e um outro álbum, um casamento e o nascimento de uma filha moldaram o percurso que nos trouxe a este Glasshouse.

Este trabalho afigura-se como um seguro passo em frente, relativamente ao prévio Tough Love, pela forma como refina a fórmula que Jessie explorara nesse álbum: uma mistura entre a sofisticação que a definira até então e uma sensibilidade romântica assente numa pop mais maximalista. Em Glasshouse há já um melhor equilíbrio entre essas duas facetas, resultando num álbum mais forte e consistente, que funciona e flui optimamente. A sensualidade está ainda mais definida, e as baladas românticas destacam-se na paisagem mainstream actual, pela personalidade forte de Ware, que não se perde no contributo dos diversos produtores do álbum.

Há uma enorme sinergia na primeira metade. A primeira canção e single“Midnight”, surge com teclas nocturnas, que transmitem perigo, e um baixo apaziguador e quente. A voz de Jessie, que se apresenta vulnerável no início da canção, logo se solta no refrão maior que a vida, machadando a vulnerabilidade a cada batida do ritmo midtempo seguro. É uma manifestação pura de desejo profundo, que liga bem com a sensualíssima “Stay Awake, Wait for Me”. A voz de Jessie desliza como leite quente com mel à medida que expressa o desejo de mais que apenas uma visão do seu parceiro, do contacto físico materializado em beijos intermináveis. Algo assim pedia esta música lenta e sedosa, completa com trompetes no limiar do foleiro, que aqui assentam na perfeição.

O ritmo acelera em “Your Domino”, a melhor simbiose entre a sofisticação musical e frontalidade pop. A voz suave à la Devotion e os sintetizadores quentes combinam com o refrão viciante de batida dançável e melodia doce, numa canção diferente de tudo o que Jessie nos havia dado até hoje. Esta desemboca em “Alone”, que apela novamente aos instintos românticos, numa canção pop direccionada a casais; apesar de inofensiva, nunca é sensaborona ou banal, e cativa com o refrão extático.

A primeira metade fecha com “Selfish Love”, uma canção que prova que Jessie Ware pode chegar aos palmarés da sophisti-pop, dominada pelo estandarte que é Sade. O início com guitarra espanhola deixa-nos logo alerta. O ritmo quente de bongó e guitarra eléctrica sedutora, juntamente com uma certa afectação na voz sussurrada, criam um ambiente envolvente. Com letras como “I only give love when I want to make it”, é uma manifestação de poder de alguém que aparenta estar em completo controlo, tanto da sua postura em relacionamentos, como da sua criação.

A segunda metade vira-se mais para o outro membro da equação, a vertente baladeira. O primeiro trio resulta bastante bem, nomeadamente “Hearts”“Slow Me Down”. O ritmo profundo e compassado de ambas torna-as, de certa forma, complementares. Uma mais melancólica e outra mais sensual, respectivamente. Uma sobre corações partidos, outra sobre as duas partes de uma relação estarem a ritmos diferentes. Esta última é o veículo perfeito para Jessie impressionar com a sua vocação de cantora de lounge: com um foco de luz a incidir sobre si, numa sala escura e silenciosa. Além disso, “If I could ask a smoking gun how it feels to hurt someone / I would just ask you”, de “Hearts”, concorre à tirada mais forte do ano.

É difícil encontrar o balanço que se tem vindo a descrever ao longo da crítica. Isso é comprovado por “Thinking About You” ou “Finish What We Started”, duas músicas que se tornam algo melosas, caindo no lado errado no equilíbrio. Assemelham-se, de certa forma, à banda sonora de uma qualquer comédia romântica: desfrutáveis, mas pouco cativantes ou distinguíveis. Acaba por ser algo irónico estar a reduzir canções devido a essa doçura excessiva, quando o álbum termina com uma balada de guitarra acústica dedicada ao marido da cantora, “Sam”. Mas a ternura e crueza da mesma é inabalável, fazendo dela uma bela canção para terminar o testemunho destes últimos anos da vida e crescimento da artista.

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