“Glass”: outra luz sobre os super-heróis

por Sandro Cantante,    22 Janeiro, 2019
“Glass”: outra luz sobre os super-heróis
M. Night Shyamalan durante as gravações de “Glass” (2019)
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As últimas duas décadas marcaram um crescimento e popularização dos super-heróis no cinema como nunca antes se tinha visto. Para isso contribui a facilidade com que se repete a fórmula para diferentes personagens da banda-desenhada. Fugir deste padrão implica riscos que poucos estão dispostos a correr, mas é precisamente nesse ponto que toca o mais recente filme de M. Night Shyamalan. “Glass” encerra uma trilogia que já nos apresentou antes os seus próprios protagonistas e convida-nos a reflectir um pouco acerca de quais as implicações de ser um super-herói.

“Glass” (2019), de M. Night Shyamalan

Duas obras anteriores de Shyamalan introduziram já as personagens que protagonizam “Glass” – David Dunn e Elijah Price, de “Unbreakable; Kevin Wendell Crumb”, de “Split” – sem se escusar de recapitular a matéria acerca de cada uma delas. Com um início lento, “Glass” posiciona pacientemente as várias peças do jogo no tabuleiro, sem desvendar muito acerca do propósito de cada interveniente. Tudo o que sabemos neste ponto é que de um lado do tabuleiro se encontra Ellie Staple, psiquiatra especializada em indivíduos que acreditam ser super-heróis e que vai juntar os protagonistas num hospital psiquiátrico. É este o contexto que nos é entregue, entre algumas tiradas cómicas e segmentos que se assemelham a fórmulas a que já estamos habituados a consumir. Mas não é aqui que Shyamalan quer chegar, este é apenas o ponto de partida.

“Glass” (2019), de M. Night Shyamalan

 

As provocações ao género começam através de perguntas realizadas por Ellie às restantes personagens, mas intensificam-se sobretudo através de pormenores de realização e de pistas que vão sendo deixadas no decorrer do jogo. Interessa sobretudo perceber a origem de algumas decisões. Por vezes, há mais para retirar de uma opção que não foi tomada por alguma personagem do que daquela que acaba por tomar. Ao entrar na segunda fase do filme, o ritmo acelera e o tom fica mais sério. As peças que estavam dispostas no outro lado do tabuleiro começam a ser movidas e procuram os seus verdadeiros desígnios, naquilo que percebemos ser uma manipulação constante. Das personagens entre si e do realizador sobre nós.

À medida que nos aproximamos do desfecho, os protagonistas caminham para algo maior do que eles. Percebemos que há muito que o jogo estava ganho por um dos lados e a explicação não tarda em chegar. Assim o é com muitos outros filmes deste realizador, que assentam em jogos acerca dos quais não sabemos inicialmente as regras. Ao terminar o seu ensaio, Shyamalan procura ir mais longe com a sua reflexão, lançando-se a mais do que seria necessário em “Glass”. Fica apenas como um detalhe menor, dado que o que importa reter é que ainda é possível realizar filmes de super-heróis fora do paradigma dominante.

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