Genes: “Quero usar a minha música como arma intelectual”

por Comunidade Cultura e Arte,    16 Junho, 2020
Genes: “Quero usar a minha música como arma intelectual”
Fotografia de Eduardo Gonçalves
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“Conde D’alva” é o primeiro single para Genes Geniais, segundo disco de Luís d’Alva Teixeira, conhecido como Genes, a ser editado em Dezembro de 2020 pela Cachupa Records. O single foi anunciado pelo artista através de um teaser na sua página de Facebook.

A canção foi misturada e masterizada por Leonardo Bindilatti, metade de Iguanas e membro ativo da Cafetra Records, e já tem um vídeo que acompanha o seu lançamento, realizado por Eduardo Gonçalves e co-protagonizado pela actriz Beatriz Beja.

Sobre “Conde D’alva”, Luís diz: “É uma canção positiva e feliz. Faz lembrar o verão e as emoções quentes dele, mas também é reflexiva e pessoal… Espero poder motivar todas as pessoas que a ouvirem a serem melhores todos os dias, independentemente do seu passado ou das suas circunstâncias, a não desistirem dos seus sonhos e a nunca se contentarem com menos do que aquilo que merecem.”

Apelidada por Joaquim Quadros de “Pop Maradeira”, a canção começou a ser trabalhada por Genes já no ano passado. A satisfação do artista com o trabalho é notória: “limitei-me a arranjá-la de forma diferente, dar-lhe um corpo mais rock. A mistura também ajudou muito a dar esse espírito à canção que já tinha um degrau lo-fi e ficou ainda mais distinta e garageira… Não podia ter pedido melhor.”

“Conde D’alva” estará à venda em todas as plataformas digitais a partir de dia 16 de Junho e disponível para download gratuito no Bandcamp de Genes até dia 19 de Junho.

Podes ver aqui o vídeo de “Conde D’alva” e de seguida ler a entrevista feita ao artista por Augusto Cabrita, em que Genes explora mais o single e aborda ainda a luta anti-racista bastante presente na esfera social atual:

Como é que um conde do século XVII aparece no título do teu último single?

Honestamente achei piada ao facto de o primeiro conde d’Alva (Luís de Mascarenhas), tal como os seus descendentes, terem o mesmo apelido que eu. Essa foi a minha primeira aproximação simbólica ao nome. Depois pelo facto de a palavra conde, na sua derivação em latim, significar “servidor, companheiro”. Na verdade, o tema fala de entreajuda, de sairmos de nós para ajudar os outros, mas também de os incentivarmos a não desistirem dos seus sonhos. A composição desta música implode numa fase desfavorável da minha vida, em que me encontrava em Londres e me sentia sozinho. No fundo, dar genuinamente ao mesmo tempo que atraímos coisas boas de volta. Considero que esse é um excelente tónico para superarmos a nossa própria dor.

De que forma é que este trabalho se demarca dos que desenvolveste anteriormente?

Este single nada tem a ver com o que desenvolvi com o Genes no passado. Sempre soube que era muito mais que um rapper… Na verdade, passei os últimos quatro anos não só a aprender a tocar instrumentos como a guitarra ou o piano, mas também aprendi verdadeiramente a produzir. Fui sendo influenciado por grandes melodistas como Davida Loca, Lionel Williams, entre outros. Conheci também um artista argentino chamado Flaüta que me deu a conhecer o seu género, o sonic pop, que consiste numa fusão de muitos géneros que cresci a ouvir, como a neo-psychadelia ou o jangle pop. Foi sob estas ramificações influentes que comecei a produzir no meu quarto londrino trabalhos que considero serem uma evolução relativamente ao que outrora produzia. No caso da “Conde D’alva”, já a tinha desenvolvido em grande parte em Julho de 2019. Limitei-me a dar-lhe um corpo mais rock e a mistura do Leo Bindilatti deu um tom ainda mais lo-fi e garageiro à malha, o que me agradou bastante.

Sentes que haverá um antes e um depois na tua arte depois da morte de George Floyd?

Sim, terá que haver. Na verdade, muita coisa mudou em mim quando vi o vídeo do George Floyd a ser morto daquela maneira. Esquartejado psicologicamente, no seu próprio leito de morte. Nesse dia perdi uma parte significativa da minha inocência. As minhas lágrimas transformaram-me interiormente num ativista que desejo agora exteriorizar. Inicialmente, senti medo e repulsa de todos aqueles que se mostravam indiferentes à situação. Ver pessoas alheias ao flagelo a ignorarem por completo a situação ou a negligenciá-la fez-me pensar que vivia numa diegese racista. Num mundo totalmente paralelo à realidade. Mais tarde, quando senti que havia vozes brancas influentes a juntarem-se à minha luta, fiquei comovido. Senti vontade de os abraçar e de chorar nos seus ombros. Para além daquilo que será um percurso individual contra este flagelo, quero ainda incentivar outras pessoas e artistas a lutarem sem filtros a favor da causa anti-racista. Quero usar a minha música como arma intelectual, ganhar voz através dela e dessa forma interceder em nome dos meus direitos humanos, para que nenhum homem negro tenha de morrer como o George.

Tendo em conta que o indie é algo muito consumido por franjas jovens e revolucionárias, acreditas que a composição de letras anti-racistas no domínio pode acelerar a luta?

O mais importante não é necessariamente o aceleramento da luta, nem que os textos se cinjam à causa anti-racista, mas que a composição possa sempre deixar uma marca. Defendo hoje que um bom artista não se deve contentar com fazer boa música, mas também intervir política e socialmente com o seu trabalho. No caso da causa anti-racista, o facto de ser um dos poucos artistas pretos no ramo indie em Portugal, dá-me também essa responsabilidade.

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