Feminismo é uma palavra feia?

por Comunidade Cultura e Arte,    8 Março, 2019
Feminismo é uma palavra feia?
Ilustração de Sally Nixon / Lenny Letter
PUB

Hoje acordei com as vozes das minhas irmãs na cabeça. As minhas irmãs que lutam, as minhas irmãs que não se calam e me dão voz. Acordei também com as vozes que me disseram que feminismo é uma palavra feia e que não me devia dizer feminista. As feministas são as que odeiam os homens, as que se consideram melhores. As que querem fugir de casa, queimar o soutien e não ter filhos.

Mas essas vozes não sabem o que é ser feminista. Pode ser fugir de casa, pode ser ficar em casa. Feminismo é igualdade, poder de escolha.

Hoje acordei com o coração em brasa porque palavras feias são: homicídio, femicídio, violência, humilhação. Palavras feias são treze mulheres mortas desde Janeiro. São essas palavras que me pesam na alma.

E agradeço às minhas irmãs que lutaram por mim, que me permitem trabalhar, ter uma voz, lutar. E agradeço às minhas irmãs que todos os dias passam a palavra, vão para a rua, não se deixam pisar.

Recuso a narrativa que me impingem por todos os lados de que a mulher que vier é minha inimiga e concorrente. Que me quer roubar o namorado e o trabalho. Quando ela procurar um lugar para ela, não vou fincar os pés no chão com medo que ela me roube o meu, vou ajuda-la a procurar uma cadeira, vou arranjar espaço para mais uma.

Recuso a narrativa com que cresci que diz que tenho de ser bonita, ficar calada tantas vezes para agradar, não ser ambiciosa. Os homens não gostam de mulheres ambiciosas. Que me diz que uma mulher só é completa se for mãe. E se não for? Falta-lhe um pedaço? Porque é que não podemos ser o que quisermos, como os homens?

E a cada humilhação sofrida, a cada vez que um homem me rebaixou, me achou mais fraca. A cada vez que senti que não era capaz, a cada vez que estive uma relação abusiva e me faziam sentir que era menos, que não era suficiente, senti a mão de uma irmã alcançar-me. A levantar-me, a mostrar-me que tenho um lugar no mundo, que não sou menos, nem mais. Sou igual.

E lamento o incómodo, lamento que as nossas vozes juntas incomodem. Lamento que a mudança seja dolorosa e certas coisas já não passem. A agressão, o assédio, a piada machista já não colha risos. Lamento. Mas não vou pedir desculpa por lutar, não vou voltar atrás, não vou ficar calada. Lamento, mas a mudança está a caminho e veste o que lhe apetece, faz o que lhe apetece, não teme críticas.

Por isso, hoje não quero flores. Adoro flores, mas hoje não quero, porque tenho uma raiva no peito que cresce a cada mulher assassinada, a cada salário desigual, a cada promoção rejeitada, a cada crítica da roupa da mulher, a cada piada machista. Esta raiva só passa na rua, a gritar, a exigir uma mudança. Somos hoje mais fortes do que fomos ontem e amanhã seremos mais fortes que hoje.

Não vou esperar 200 anos, não vou esperar cinco gerações. Quero agora. Hoje. Nem mais uma.

Catarina Bizarro
É guionista, licenciada em Comunicação Social, e com uma Pós Gradução em Artes da Escrita.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.