Falhar na vida numa única lição

por Cláudia Lucas Chéu,    10 Julho, 2020
Falhar na vida numa única lição
Fotografia de Theodor Vasile / Unsplash
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A frase podia ser de algum autor mainstream de livros de auto-ajuda, à venda num qualquer hipermercado, mas é de Lucrécio, poeta e filósofo romano que viveu no ano I a.C. Lê-se falhar na vida, embora o autor fale da paixão, e de comoa paixão é sempre inatingível e falhada.

Falhar um amor passional, ainda que tenha sido breve, custa sempre. Apesar do mercado livreiro estar inundado de receitas para “esquecer uma paixão de forma saudável”, não há fórmulas nem nada de saudável em realizar que uma paixão falhou. Sobretudo quando se é a parte que é deixada em brasaa arder até à extinção. É doloroso e quase sempre inevitável. Terminar uma relação amorosa por sentir que se extinguiu a paixão dá muitas vezes a sensação de se estar a falhar na vida. Além de se ser obrigado a deixar de ver alguém, saber que o outro deixou de estar apaixonado é ainda mais doloroso.

Todavia, quem percebe que a paixão se extinguiu e, por isso, decide deixar o companheiro/a, deve assumir as responsabilidadesPor uma questão de empatia, deve colocar as culpas de imediato em si próprio; sempre é preferível a ter de enxovalhar quem poderá sair mais amachucado da narrativa amorosa. A lição é antiga: se quem quer romper a ligação ainda tiver o mínimo de respeito pela pessoa por quem em tempos poderá ter estado apaixonado, deve dar-se logo como culpado, mas não pelo motivo real. Deve assumir a sua inaptidão, a sua incapacidade de estar à altura de alguém tão nobre como aquele a quem se prepara para dar um valente (ainda que gentil) pontapé no traseiro. Melhor será assumir as culpas, dar-se como a parte falhada, assumir a autoria do falhanço. É preferível a ter de explicar que afinal aquela relação foi um equívoco, que a pessoa com quem esteve exala algum odor desagradável, que não é suficientemente esperta, divertida ou seja lá o que for que lhe desagrada como amante. Tudo é preferível a ter simplesmente de assumir, sobretudo para si próprio, que a labareda que julgou ver inicialmente não passou, afinal, de um isqueiro na reserva de gás butano.

Segundo Lucrécio, “por mais requintado que seja, um prazer que passa pela boa vontade de outrem inflige o ideal grego de autarcia. Ninguém pode aspirar a uma felicidade duradoura se se entrega aos caprichos de outrem ou a uma circunstância exterior, qualquer que ela seja.” Para Lucrécio, o tal falhar na vida numa única lição destina-se a quem vive inequivocamente para o amor passional, que existe precisamente para falhar. Talvez por isso tenha escrito também, no Livro IV de De Rerum Natura, algo que nos chega como uma advertência: “evitar cair nas malhas do amor é menos difícil que desembaraçar-se delas.” Não deixa, contudo, de ser difícil.

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