Eu sei que todos morrem um dia… mas o Terry Jones

por Lucas Brandão,    22 Janeiro, 2020
Eu sei que todos morrem um dia… mas o Terry Jones
John Cleese, Eric Idle, Terry Jones, Michael Palin e Terry Gilliam (PA)
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Quem ler este título, com certeza que irá pensar que eu sou um enorme fã do Terry Jones, que andei com ele na escola ou que convivi com ele em alguma fase da minha vida. Nem por isso. A verdade é que pouco conheço sobre o Terry Jones para lá dele ser um dos pulmões dos Monty Python, aquele célebre grupo de comediantes ingleses que estão muito longe da minha geração (sou dos 1990s). No entanto, com a chegada da adultidade, fui descobrindo e percebendo as gírias e as subtilezas de um humor que se quer franco e sem rodeios. É um humor cristalino e transparente, que, por mais parvo e estúpido que soe, é puro, é verdadeiro. Quanto do nosso humor é do mais artificial e forçado, até aquelas piadas circunstanciais que são usadas para quebrar o gelo. O que vale é que esses não se assumem como humoristas.

Na verdade, aquilo que me constrange com a morte do Terry Jones é algo mais que o seu trabalho e até que a sua vida. Mortes há muitas e, de modo proporcional ou até maior, nascimentos. O que aqui me tocou é o facto da morte existir. Ela existe, ela é um facto. Fiquei alguns segundos preso à televisão quando li essa notícia. E aquilo que mexeu é o facto de, um dia destes, todos morrermos. A verdade é que já tanta gente partiu nos últimos 20 anos (e nos outros todos nem se fala). Porém, algo aqui abalou com esta. Por mais piadas que a morte protagonize, ela é séria. Ela leva sem pedir licença qualquer um, mesmo gente nova. Mais do que isso: para quem permanece vivendo, ela é uma incógnita, é um mistério. O que é que perturba mais que a morte? Basta fazer valer o seu horizonte. Basta um susto para que tudo mude. Os parâmetros da vida mudam, os compêndios nos quais ela se escreve são profundos e, por vezes, ocultos.

O Terry Jones morreu. Caramba, até aqueles que gozam com a morte, por mais mestria e genialidade que tenham, partem. Eu sei que o Graham Chapman já morreu há mais de 30 anos e que também ele foi vitimado pela doença. A minha tristeza é um pouco compassiva também, isto porque dos génios reza a história, tantos dos seus triunfos como dos seus desaires, dos seus momentos altos como até dos momentos em que envergonharam o alheio. As mortes vão continuar a suceder-se e eu a ir percebendo que isto é recorrente, que não é exclusividade de uns quantos mas privilégio de todos. Isto para quem quiser fazer uma mundividência mais otimista e astral, em que vamos todos fazer companhia às estrelas que, aqui e ali, invejamos. Também podemos ser fatalistas ao ponto de dizer que a morte é o fim de uma mão cheia de oportunidades de fazer muita coisa, enquanto suspiramos por aquelas que não fizemos e pelas outras que ficaram no passado. Afinal, a morte também tem o seu encanto, até na forma como a percecionamos, até nas formas que, por serem diversas, fazem da humanidade algo tão fascinante.

Mas isto não querendo esquecer a importância do luto artístico. Os Monty Python são aquele grupo de referência no fazer humor, no divertir, no entreter, mas também, e de forma sagaz, tecer uma crítica à sociedade — nomeadamente ao conservadorismo britânico — e inspirar outras tantas. A série é aquele conjunto de sketches inesquecível que se podem ver no Youtube e que, por mais céticos que partimos para a sua visualização, acabamos por soltar aquele hah! de rasgo e de troça. Aos poucos, já não escondemos as gargalhadas enquanto se avolumam os sketches. Somos seduzidos a ver os filmes, em especial o “Life of Brian”, e a coisa ainda melhora/piora. Por mais preces que façamos, parece que Deus não perdoa. A sátira é tremenda e talvez inigualável. A busca pelo “Holy Grail” também aconchega o ridículo que tanto faz rir.

Um deles era o Terry Jones. Foi ele que morreu hoje. O Chapman já tinha morrido. O Idle, o Cleese, o Palin, o Gilliam também vão morrer. A verdade é que, por mais que esperemos ou por mais surpreendente e repentina, acaba por tocar a todos. A morte tem disto. Pode ser o fim do sofrimento ou o início de um outro. O luto artístico é daqueles que se prolonga por mais de uma ampla família ou de um grupo de amigos. Abala com o modo de criar e de pensar o mundo através dos olhos da criação. Abala com quem se revê nessa arte, abala até aqueles que se habituaram a ser do contra. Perderam a sua oposição. E agora? Tanto que criticaram para tudo findar assim, de forma tão imaculada. Discutam o que quiserem. No fim, não importa nada. A discussão é, literalmente, enterrada.

Enfim, o mundo tem disto. Morre tanta gente em tantos dias, de tantas formas. Mas foi o Terry Jones, o gajo que coordenou tanta coisa dos Monty Python. A morte acontece, a morte existe. E não é só com os outros. É com todos. Não é só encenada, não é só interpretada. É a realidade. Ultrapassa os ecrãs das televisões e dos cinemas, ultrapassa todos os livros que aparentam não ter fim, ultrapassa todas as músicas, até aquelas que, quando começam, parecem não ter fim. A arte, porém, é imortal. Não é o que nos salva mas é o que nos faz compreender melhor isto da vida. Tem início, sim senhor, mas tem um meio que ninguém sabe onde e um fim ainda menos previsível. A arte é imortal, porque os artistas têm aquela capacidade impressionante de se manterem vivos mesmo depois da morte. O luto artístico tem esta vantagem. Parte o humano mas fica a obra. Talvez por isso o Terry Jones tenha mexido tanto comigo. É um apelo às nossas artes.

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