Entrevista. :Papercutz: “Há músicos que se não tivessem tido acesso a um programa do Estado não tinham carreira”

por Comunidade Cultura e Arte,    16 Maio, 2021
Entrevista. :Papercutz: “Há músicos que se não tivessem tido acesso a um programa do Estado não tinham carreira”
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“Um sofá Uma história”  é uma conversa informal entre o diretor artístico do CLAV-Centro e Laboratório Artístico de Vermil com os convidados das CLAV LIVE SESSION sobre as suas carreiras, processos de criação, arte, cultura, opiniões sociais e outros temas da sociedade, ou seja, dar a conhecer ao público um pouco mais o “ser” que esta por detrás do artista. 

:PAPERCUTZ é uma banda de pop-electrónica da cidade do Porto, formada e liderada por Bruno Miguel. O primeiro tema surgiu em 2008, integrado na compilação “Novos Talentos FNAC” que destaca artistas de música portuguesa, numa selecção de Henrique Amaro, da rádio Antena 3. Nessa mesma altura surgiu a remistura do single “Camaleão” que viria a integrar um E.P. com edição na Rastilho Records, da banda bracarense Peixe:Avião.

Em 2019 o projecto :PAPERCUTZ efectuou duas digressões Europeias (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália e Polônia) passando por festivais nos Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, Islândia entre muitos outros, uma residência artística em Nova Iorque e foram escolhidos para o programa da União Europeia para circulação de artistas no seu espaço, INES#talent. Em 2020 o grupo do produtor Portuense Bruno Miguel, tem novas edições Internacionais do seu álbum ‘King Ruiner’, um trabalho de electrónica pop negra e exótica, gravado entre o Porto, NYC, Hamburgo e Tóquio. O lançamento é pela editora responsável por álbuns de Of Montreal, Clap Your Hands Say Yeah, Unknown Mortal Orchestra e começaram o ano com uma digressão no Japão. Em Portugal o álbum tem recebido destaque em diversas publicações e rádios (Antena 3 / Super Bock Super Rock / Rádio Oxigénio / Vodafone FM / Rádio Universitária do Minho / Rádio Universidade de Coimbra / Rádio Universitária do Algarve / RDP África / Jornal Noticias / Time Out/…) e obteve uma nova edição lançada em tempos de pandemia com os artistas Portugueses Octa Push, Throes + The Shine, Scúru Fitchádu, Pedro, FARWARMTH, IVVVO, e Ondness.

Os :PAPERCUTZ iam ter a sua maior digressão de sempre fora de portas cujo cancelamentos fez os voltar a sua atenção para o território nacional com novos desafios de apresentar o seu trabalho ao público nacional nas suas mais diversas salas com uma vontade de constante reinvenção.

O grupo continua em concertos em 2021 sendo o primeiro no Theatro Circo em Braga, onde produtor Bruno Miguel conta com a cantora Neozelandesa Maree Lawn, artista com um Honor Degree em voz Jazz da New Zealand school of music que já colaborou com artistas como Rakalam Bob moses (conhecido de projectos com Herbie Hancock, Keith Jarrett e Charles Mingus), e a a Portuguesa Mariana Bragada conhecida como Meta que explora a essência da voz com a memória de cantar e dançar desde que existe Em 2018 participou no Festival Bons Sons, Um ao Molhe, TedxPorto, SofarSounds Porto/Coimbra/Madrid e gravou para A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria e Antena 1. Em 2019 foi finalista do Festival da Canção, com participação a convite da Antena 1, e com composição/interpretação original “Mar Doce”.

Alberto – Boa noite, bem-vindos mais uma vez a “Um Sofá, Uma História” e desta vez temos aqui connosco o Bruno Miguel, correto? Tenho sempre alguma dificuldade nos nomes. Passou o dia connosco aqui e fez mais uma Clav Live Session. Costumo sempre perguntar ou iniciar estas conversas com uma pergunta que é sempre a mesma, como é que foi para ti esta experiência hoje? Partindo do princípio de que fizeste um concerto online, que não temos o público.
Bruno – Para mim em particular e no caso dos projetos nacionais e não só, acho que nós estamos a tentar descobrir aqueles que se importam com a forma como a sua musica é percecionada, estou a tentar descobrir formas de poder ter um formato de streaming sem que haja a tentação de criar isto uma espécie de um concerto em modo de isolamento. Portanto, na experiência para mim há sempre coisas benéficas aqui porque obriga-me a reformatar um pouco os temas eu nós temos estado a apresentar ao vivo e isso é um desafio e é das coisas que mais gosto estando na música sendo um bocadinho constantemente impulsionado, a reformular um bocado aquilo que é os :Papercutz. Aliás, uma coisa engraçada, agora em Portugal penso que se percebeu um pouco que :Papercutz é sobretudo um trabalho que nasce de mim, mas depois se estende a muitas outras pessoas que eu convido para participar mas perguntam-me, o que é :Papercutz? É uma banda, é um duo? E a noção do projeto é daquelas que eu mais gosto porque eu acho que o projeto determina algo que está em mutação e eu acho que é o caso de :Papercutz, é algo que está em permanente tentativa de, não digo melhorar, mas de se ir reformulando como banda ao vivo, como entidade de estúdio e eu como produtor, por exemplo, que é uma coisa que mudei um bocadinho a minha forma de estar em estúdio também.

A. – Vamos já partir por esse princípio. Tu já tens uma carreira à volta de 10 anos. Durante estes 10 anos muita coisa mudou? Estavas a falar da questão da mutação constante, sentes que houve uma mutação até agora?
B. – Em termos de :Papercutz por causa da música? Repara, o primeiro trabalho que fiz feito num quarto que era provavelmente a dimensão desta parte desta sala e foi, felizmente, editado e acabou por ter uma edição um bocadinho alargada a uma editora na altura do Canadá mas era algo de nicho e hoje em dia, quer dizer, :Papercutz, sei lá, tivemos uma digressão no Japão por causa de uma edição que existiu lá, ou seja, não é só a ideia de “olha vamos tocar ao Japão” e é um país que eu aprecio bastante e é uma cultura que eu acho bastante enigmática, mas nós inclusive tínhamos uma editora, tínhamos um produtor que andamos ao longo dos anos a desenvolver trabalho. Já toquei várias vezes nos Estados Unidos, produzi um álbum nos Estados Unidos. Este próprio, o King Ruiner, foi um álbum que foi trabalhado um bocadinho por todo o mundo, já tive a sorte de tocar em sítios tão distintos como, lá está, Nova Yorque, por exemplo, Texas, Reykjavik, portanto, cresceu muito, claramente. Eu não quero que cresça para além daquilo que eu acho que faz sentido para este projeto e ao mesmo tempo trouxe também uma maior responsabilidade, ou seja, eu acho que se alguém quer estar a tempo inteiro como músico, como artista, eu não penso que ele tem de formatar a sua forma de, desculpa a repetição, mas formatar o seu trabalho para chegar a mais pessoas, mas eu acho que ele deve ter um empreendimento nesse sentido, ou seja, uma vez definindo, e eu como tenho desempenhado vários papeis e cada um deles tem as suas particularidades, eu acho que uma vez que eu consegui algum tipo de satisfação na composição, por exemplo, depois aí sim abre-se a possibilidade de chegar e, no caso do :Papercutz isso acontece, a cada vez mais publico. E nesse sentido sim, o projeto mudou bastante. Hoje em dia passamos em rádios, por exemplo, em coisas assim, coisas que são importantes sobretudo porque a música desempenhou e teve um peso na minha formação vá lá. E eu acho que sobretudo eu quero fazer parte, não da formação de outros, mas desse mundo que implica chegar com esta pequena mensagem a todos os outros apaixonados por esta forma de arte.

A. – Tu acabaste de dizer e eu tenho conhecimento disso, pronto, tens tido uma carreira fabulosa nesse sentido, tens tido oportunidade de, por exemplo, da internacionalização que não é para muitos projetos portugueses, temos de ser reais, não é? Não vamos estar aqui com coisas.
B. – Não sei e é fabulosa, mas coisas positivas verdade. E eu inclusive assisti. Hoje em dia tenho colegas meus que também participaram nessa onda de internacionalização. Alguns dele até estou a partilhar neste momento projetos com. Correspondendo um pouco aquilo que dizias na mudança que existiu no projeto, não só no projeto, mas também no geral na música portuguesa também houve sobretudo essa alteração. Não há muitos grupos, nós fazemos parte um pouco dessa estirpe, mas felizmente já não somos caso único e ficamos a ganhar com isso.

A. – Claro. Daquilo que tu conheces, da experiência que tu tens, eu acho que também é importante partilhares um bocadinho essa experiência, para quem nos ouve e quem nos vê porque o objetivo destas conversas também são estas, não só o artista mas também o ser humano que está por trás do artista. Muitas vezes nos conhecemos o artista, mas depois não conhecemos o ser humano. E dessa tua experiência ao nível de internacionalização, dos vários países, qual é a grande diferença que tu notas, por exemplo, ao nível dos concertos, da organização, nos países que já passaste com Portugal? Notas assim muita diferença? 
B. – Claro. Sim, sim noto diferença. Por acaso pensei que tu ias pegar num ponto que até é mais interessante do que a parte humana, acho que a parte humana é importante num projeto mas até achei que tu ias focar, e em parte a tua questão leva a isso que é, o que eu vou dizer agora pode fomentar a outros a dar um passo se calhar ainda a diante daquilo que nós conseguimos. Sim, repara, Portugal não tem propriamente uma industria da musica equiparável, claro que nós temos a Inglesa, por exemplo, a Americana, a Alemanha tem uma industria muito saudável, o Japão tem uma industria inacreditável na musica mas no geral a grande diferença é, que eu sinto falta um bocadinho cá é a articulação destas coisas todas, ou seja, há varias pessoas a desempenhar um pequeno papel e todas elas parecem funcionar em conjunto. Não há muitas costas voltadas umas para as outras, aliás, tu até podes, até te surpreendes um pouco de saber que estás a trabalhar por exemplo com um agente europeu numa digressão e depois trabalhas numa outra digressão com outro promotor. Eles até se conhecem, há ali uma grande corelação e isso em Portugal não acontece assim tanto. E, lá está, depois há um fenómeno interessante que é, as coisas estão todas ligadas um bocadinho, por exemplo, nos Estados Unidos as escolas de rádios fazem parte da criação de novos artistas. Nós temos um caso equiparável que eu sempre achei que podiam desempenhar o melhor papel, porque até o que tentam fazer é bastante positivo que é, as rádios universitárias, eu sempre defendo este modelo com colegas meus. Por exemplo, as rádios universitárias poderiam de uma forma totalmente democrática receber mais música e ser aquela primeira porta para o artista ter uma visibilidade local e depois elas mesmo terem uma relação, por exemplo, com uma radio publica e saltarem por exemplo de uma rua para uma antena 3 ou até para privados. Isso acontece nos Estados Unidos, tens as escolas de rádios e depois passas para outras rádios locais até chegares, se for o caso e se for isso que te interessa, em Inglaterra tens a BBC Introducing que depois te leva à BBC Six, BBC One e por aí. Na Alemanha há um sistema também tem um nome, mas também é um sistema que é distribuído pelas várias rádios que vai ingerindo um bocado aquilo que se está a passar, portanto há uma grande força por detrás das coisas acontecerem. É por isso que é sempre engraçado que às vezes, eu vivi nos Estados Unidos por exemplo, e assisti inclusive, tive a oportunidade de assistir, a bandas que estavam a ser descobertas, por exemplo, em centros de musica independente, Nova Yorque, por exemplo, um caso particular, Brooklyn, não vale a pena usar demasiado estes nomes, mas são coisas que funcionam porque tem a ver com a questão económica, são zonas onde estas editoras podem sobreviver e num 1º, 2º, 3º ano elas já estão a fazer uma digressão, por exemplo, europeia e já chegam aos nossos festivais. Eu assisti a uma banda que conheci numa primeira fase enquanto estive nos Estados Unidos e passados dois, três anos eles estavam a tocar em Paredes de Coura, portanto, as coisas funcionam.

A. – Desculpa lá estar-te a interromper. Porque é que nós não funcionamos assim? Porque não temos indústria ou não temos interesse que as coisas funcionem assim? Ou financeiramente não temos peso que haja uma indústria que possa? 
B. – Há uma solução para Portugal e uma grande parte passa pela internacionalização. A questão é a seguinte, as pessoas que trabalham, por exemplo, um manager nos Estados Unidos acredita que vai fazer daquilo uma atividade. Um manager em Portugal, quer dizer, há muito poucos manager e imagina, por acaso tenho conhecido recentemente pessoas com vontade, mas se já é difícil dizer e as pessoas compreenderem que isso vai ser algo viável dizerem “opá vou ter uma banda” e ser um agente funciona porque, vou-te já dizer as coisas boas de Portugal, mas pronto, ser um manager que é uma coisa importantíssima. Eu, por exemplo no meu caso, sou manager do meu próprio trabalho porque foi a melhor pessoa que eu encontrei para defender, neste sentido, mas trabalho com outras pessoas, agenciamento ou publishing e coisas assim, mas lá está, eles acreditam porque muitas vezes o que eles acreditam vai-se tornar uma realidade e como tal a luta é tremenda. Tipo, fazem grandes planos que podem parecer desmesurados, mas na realidade algumas vezes ou muitas vezes concretizam-se. Isto pode ser uma questão cultural também, por exemplo, a falta de risco. Os portugueses não têm uma grande aptidão por arriscar, têm algum receio, é compreensível, mas ao mesmo tempo na música é preciso uma grande vontade e uma certa noção de que, lá está, tu vais ter de estar a arriscar um pouco, às vezes até a tua própria sobrevivência para que a coisa funcione. Isto a nós, se calhar se formos a ver a história destas bandas e até achamos piada, no sentido em que, “estes tipos estavam a dormir numa carrinha e agora estão a fazer…”, mas a verdade é que quase de certeza que foi às vezes isso que aconteceu e outra coisa que é, muitas vezes nós até dizemos “opá estes grupos ‘explodiram’” mas se eles tiveram um tempo de maturação, preparação, muitos concertos, por exemplo, em termos de digressões locais ou pequenos espaços até depois atingirem uma certa maioridade. Agora a questão é, o que é que Portugal não tem? Eu acho que nós podemos fazer uma coisa, este é o modelo que eu defendo para Portugal, eu acho que Portugal devia ser uma espécie de uma escola no sentido em que, nós temos uma oportunidade fantástica de formar as bandas para condições ótimas que não as vão encontrar muitas vezes, se calhar, em muitas digressões fora, mas vão poder ter acesso a espaços culturais que devem ser utilizados muitos deles para fomentar novos profissionais. Nós temos acesso a condições que, isso sim, tu ao nível de algumas bandas que estão, claro que muitos desses espaços agora podem estar fechados, mas algumas das bandas estão a começar pode servir para, por exemplo, tu tens e podes trabalhar com um técnico fantástico e eu tive essa experiencia e eles até te dizem “olha vocês em de fazer isto, vocês tem de fazer aquilo” e técnicos que se calhar vais encontrar profissionais. Nós temos formação superior inclusive de música ao vivo e agora começas a ver cursos para outras áreas, atenção.

A. – Sim, mas também temos cursos ao nível das artes performativas e ao nível da técnica, cursos superiores e saem excelentes técnicos.
B. – Exatamente, mas é isso que nós podemos, ou seja, a minha ideia era fazer com que essas pessoas crescessem internamente sem terem logo a necessidade de irem para fora, porque nós temos o equipamento e temos, em termos de musica ao vivo, não em termos de edição discográfica, aliás as tentativas de lançar bandas no estrangeiro saíram muitas vezes frustradas, há imensos casos. Eu gosto de ser realista, não acho que uma banda que vá tocar uma vez a Paris a torna um projeto internacional. Mas houve certas tentativas que realmente não seria fácil. Acho que nós podíamos aproveitar estar oportunidade para formar estas bandas e depois é um pouco como dizer “está na altura de sair do ninho e vocês têm de ir para fora”.

A. – Aquilo que estás a propor pode-se traduzir nisto que eu vou dizer. Criar uma rede de teatros e cineteatros e na programação ter um conjunto de cotas, uma cota de novos projetos a serem programados e a serem apoiados pelo estado. Vamos imaginar que essa rede do estado injetava um conjunto de uma verba financeira em que depois obrigassem a programação a um conjunto de cotas de novos projetos para lhes dar então essa oportunidade de formação prática, não é? E contacto com vários técnicos e várias mentalidades, várias formas de trabalhar para em engrandecer e dar aqui uma oportunidade aos projetos também de crescerem e depois partirem para novos e traduz-se isso nisto ou estou aqui a exagerar um bocadinho?
B. – Não. Como principio eu sou liberal e, aliás, já tivemos conversas ao longo do dia, eu acredito muito no indivíduo e acho que nós temos uma formação, acho eu bastante, eu já fui professor, por exemplo, e temos coisas que, aliás às vezes, até passam um bocado ao lado, mas eu acho que em termos de instrução e educação Portugal é bastante bom. É bastante bom porque também nós temos acesso às coisas, lá está, e começa um bocado por aí de uma forma generalizada, ou seja, apesar de eu ser um liberal acho que o Estado pode desempenhar certos papeis chave e como tal eu como principio seria contra as cotas, mas tenho verificado que elas funcionam, em algumas questões as cotas funcionam. Portanto, por exemplo, esta grande discussão à volta das cotas de música nacional na rádio, eu entendo que os privados possam estar contra e como princípio, lá está novamente divido-me, mas acho que vai resultar, acho que as pessoas vão ter acesso a mais música nacional.

A. – Também pode funcionar como criação de publico, não é?
B. – Sim, e lá está, se calhar às vezes tem que haver estas medidas que eu acho um bocadinho, às vezes, até extremas porque estamos a forçar o Estado a ter um papel que eu acho que muitas vezes passa por nós e isto estende-se a muita coisa para além da questão da musica até ainda agora, é inacreditável estarmos a discutir questões como o direito da mulher em 2021, são coisas que me fazem uma confusão brutal e acho que as cotas novamente podem funcionar nesse sentido, mas na musica há mais uma questão, além de eu achar por outros exemplos que pode funcionar a verdade é que esses programas existem lá fora. Sobretudo existem em dois formatos, na Europa existe através do Estado, nos Estados Unidos existe através de patronato e funciona.

A. – Tem tido resultados positivos.
B. – Tem tido resultados, claro, tens resultados. Há músicos que não tinham tido a carreira que tiveram se não tivessem tido o acesso a um programa do Estado. Aliás, mesmo agora na pandemia, mesmo Estados alguns deles até muito mais conservadores que os nossos, o caso da Alemanha, por exemplo, em gastar dinheiro, eles apoiaram os músicos de uma forma inacreditável. Inglaterra, por exemplo, não só os músicos, eles apoiaram as venius, apoiaram os espaços para que eles não fechem portas e, portanto, apesar de eu achar que num mundo saudável isso se calhar não seria necessário, ou seja, é uma coisa bastante prática que é, um programador ou um curador, acho eu, tem o interesse, e todos nós acompanhamos estes processos, um Jonh Peel numa rádio ou um António Sérgio se calhar numa rádio nacional, mas todos nós assistimos que os curadores têm interesse em descobrir coisas novas e levá-las depois para o resto do mundo, e claro que isso faz sentido quando tu as encontras o mais verdes possíveis e isso é o que está a acontecer à tua porta. E, lá está, se a ideia é que haja um programa para o desenvolvimento da música eu não sou contra, mas a própria indústria tem depois, acho eu, que se reformular no sentido em que tem de ser forte. É uma atividade económica como outra qualquer e, portanto, há todo o interesse que ela se vá desenvolvendo, senão ela morre.

A. – Sim, é compreensível.
B. – Então na música mais do que em outra área qualquer. A música é uma área que está em constante mutação e quer dizer, às vezes até, por exemplo, uma conversa que estávamos a ter sobre esta questão do streaming e, atenção, eu sempre disse que no nosso caso em particular, quando nós aceitamos, já é a 2ª sessão que fizemos, fizemos também para um festival mas foi uma filmagem que nós fizemos de um concerto, mas nós sempre dissemos que se fossemos fazer sessões de streaming tinham de ter qualidade, tinham de ter meios, tinham de ter pessoas que estavam preparadas para as fazer e que também elas acabassem por servir o projeto. E isto parece uma coisa, nós estamos a falar disto e às vezes parece uma coisa nova, quer dizer, há uma parte da indústria neste momento, e eu não estou a quere tipo falar de coisas demasiado fantasiosas. Existe, por exemplo, neste momento, várias e uma grande parte da indústria que investiu na realidade virtual por exemplo ou na exposição da música através de todas as formas possíveis de chegar às pessoas dadas as limitações. É uma indústria que se reformulou em muito pouco tempo porque foi muito afetada, e isto só acontece se tu tiveres pessoas dentro que estão profissionalizadas, que têm de fazer isto uma forma de vida, que não têm uma escolha, que não é simplesmente dizer “olha, a musica não está a funcionar, vou fazer outra coisa qualquer”, não, a musica tem de funcionar, então, se tem de funcionar nós temos de arranjar aqui uma solução. O streaming, por exemplo, não é bom para, pode-se dizer, eu acho que é uma discussão aberta, não é bom para os músicos. Em Inglaterra eles estão a ter neste momento uma discussão no House of Comments precisamente sobre a questão do streaming. Porquê? Porque aqueles músicos não vão simplesmente dizer “olha, as coisas são como são”, não, eles têm de reformular e a indústria tem de se reformular. E nesse sentido sim, faz-nos falta essa força.

A. – Ou seja, achas que é necessária uma mudança de mentalidade da própria indústria portuguesa? E se calhar da música, da cultura? Mas a questão que também eu ponho é a seguinte, existe efetivamente uma indústria ou não? Porque aquilo que me estas a dizer, essas mudanças, essas mutações, essa procura de novos caminhos é feita em países em que a indústria é forte, não é? Portanto, nós não temos aqui, por aquilo que eu conheço, a cultura, a música, portanto, as artes em si, não é uma indústria.
B. – Portanto, se ela existe, diria que no geral, eu não estou a denegrir o trabalho das pessoas, eu estou a dizer que podemos querer mais. A indústria é fraca, as pessoas estão muito de costas voltadas umas para as outras, faltam elementos intermédios, estás a perceber? Faltam muitos mais elementos intermédios, faltam mais pessoas no agenciamento. Mas, claro repara numa coisa, Portugal é pequeno, portanto, se calhar até não é bom haver competição porque tu tens algumas pessoas que estão e que dominam praticamente uma boa parte do país em termos de agenciamento, e nada contra, certamente merecem isso, mas por exemplo, uma coisa que eu acho que fazia todo o sentido é eles serem mentores de novos players, terem outras pessoas que eles trazem para dentro de si e vão formá-las e aliás, essa pessoa até cria uma outra empresa e eles dizem que isso é uma coisa saudável e é uma coisa saudável, se calhar um vai ter de apostar num mercado em particular o outro pode continuar a apostar em Portugal, mas eu acho faz falta isso, ou seja, há assim uma certa monopolização de algumas questões. Mas, assim uma coisa muito rápida, só para dizer que eu até acabo por ser um exemplo prático nisso que é, ninguém da minha família está ligado às artes, muito menos a musica, são de profissões liberais em que são, claramente, o pensamento é diferente daquele que tem de haver na música, porque eu não quero dar a entender que a parte artística não é importante, a parte artística é sempre a mais importante. Aliás, a outra existe para fomentar a parte artística, porque senão a música tornava-se uma coisa que até não interessava, mas uma experiência que eu tenho e quando as pessoas às vezes me perguntam e que eu conto foi precisamente que uma vez fui confrontado por alguém que já estava na música à muito tempo, e que ela perguntou-me “então e esta questão da música? Vais, não vais ficar?” e eu disse “eu estou a experimentar” e ela disse “enquanto estiveres a experimentar isto nunca vai ser o resultado que tu esperavas, tu tens de dizer eu quero ser músico”. A partir desse dia, comecei a pensar de uma forma completamente diferente. Não é só ser músico, posso ser ou estar na música. Aí eu comecei a pensar, imagina, eu não fazia projetos a longo prazo e hoje em dia faço-os, tenho que os fazer. Aí mudei completamente a minha forma de estar e é o que eu te digo, se as pessoas nesta área, e lá está, criando depois estas sinergias tu tens aquilo que se determina uma indústria. Se elas te disserem “isto é aquilo que eu vou fazer” as coisas mudavam.

A. – Ou seja, a profissionalização a sério, não é? E se tivermos essa profissionalização, se tivermos estes resultados financeiros se calhar o próprio estado via as artes de uma forma completamente diferente.
B. – Eu acho que a mensagem que nós estamos a receber do Estado é que, pronto, estou a dizer isto e quero ser simpático porque eu também acho que eles estão a desempenhar um papel que é bastante complicado, eu não gostava de estar no lugar deles sinceramente, nem em lugar de qualquer ministro e, aliás, eu acho a politica bastante interessante e determina muito das pequenas revoluções que nós tendo que são todas elas muito importantes, uma delas por exemplo, é estudar esta questão do estatuto intermitente por exemplo, e outras coisas que é preciso assumir. Mas sim, eu acho que é mais que claro que a mensagem que vem do lado de lá é que não nos leva muito a sério. Compara em relação a uma atitude que, ainda por cima, imagina, o discurso é as pessoas não conseguem abrir as suas lojas, e é verdade, as pessoas não conseguem abrir os seus restaurantes não conseguem desempenhar a sua profissão. Connosco é, a cultura vai ter de esperar. Mas mete-se tudo num saco e diz-se “vai ter que esperar”. Mas estamos a falar também de casos concretos de técnicos, agentes, músicos, roudis, quer dizer, é exatamente esta mensagem alargada que me faz alguma confusão, e que dá a entender que do lado de lá sim, eles não nos levam muito a sério e isso pode ser explicado por diversas questões mas se isto realmente fosse e deve ser uma noção de sobrevivência, de as pessoas dizerem “eu não vou deixar de fazer isto, portanto, isto tem que funcionar” acho que o Estado teria uma outra atitude.

A. – Vou-te fazer um pergunta provocatória, se me permites, ou seja, profissionalizar o Ministério da Cultura ou termos uma ministra mais profissional?
B. – Pessoalmente, eu acho que é fácil culpar a ministra. Eu acho que a ministra está a desempenhar o papel que lhe estão a indicar e, claramente, se calhar, e lá está, sem querer fazer qualquer tipo de julgamento, se nós estivéssemos, aliás, alguém lá neste momento que defendesse a industria, provavelmente até seria substituído porque eu acho que a mensagem vem de cima e se calhar está lá a pessoa certa para ouvir as mensagens que, atenção, eu até desconheço, se calhar até devia conhecer melhor o trajeto profissional da nossa ministra porque até acho que essa é uma questão interessante, mas lá está, é como eu digo, a politica eu acho que é importante mas estou sempre um bocadinho mais voltado para acompanhar aquilo que os privados estão a fazer. E, às vezes, até é mais a questão local, que é isso que eu acho que falta também, ou seja, uma dependência de um Estado central acho que não é saudável. Mas, acho que a tua pergunta seria mais, se eu acho que deveria estar lá alguém que representasse melhor o nome do seu cargo? Claro que seguramente.

A. – Falaste agora na questão da parte do regional ou do local, qual é o papel que por exemplo os municípios têm tido? Tem sido um papel fundamental no apoio ao artista, às artes e às estruturas artísticas. Também falaste numa coisa muito interessante que é a questão da regional. Achas que seria importante por exemplo a regionalização? E isso poderia permitir que este poder local tivesse mais capacidades financeiras e conhecesse melhor o território e a aplicação das verbas centrais fossem feitas de uma forma melhor?
B. – Eu sou do porto, portanto, a regionalização é um assunto antigo e recorrente. Eu acho que a regionalização traz além de vantagens, traz alguns problemas, mas eu devolvo-te a pergunta neste sentido. Porque é que a Câmara do Porto criou uma entidade à parte para gerir a produção cultural?

A. – Não sei, não sou do Porto.
B. – A explicação que eu acho que se pode dar, e pelo que eu vejo da relação ao longo dos anos no que o Porto pretende fazer em termos de produção cultural e a sua relação com o Governo central, é que dentro do executivo eles estavam muito mais limitados do que criando uma organização que é a Ágora, que é à parte do que podem fazer provavelmente, por causa de uma questão estatutária. Isso diz muito. Se o executivo se sentia limitado naquilo que podia fazer ao ponto de ter de criar uma entidade externa que, na minha opinião, só se, pelo que eu entendo, só serve o propósito de poder fazer as coisas que não conseguia fazer antes, isso já responde em parte à tua pergunta.

A. – Mas isso é positivo então? A questão dessa entidade?
B. – Isso é positivo? É assim, para mim há aqui uma coisa fundamental que é, o que interessa são as pessoas que estão por trás destas entidades. O Porto já teve uma pessoa incrível na cultura, que faleceu e, entretanto, o presidente na Câmara assumiu o pelouro de novo, e eu acho que muito importante é sobretudo, lá está, a pessoa que está por detrás dessa entidade ou dessas entidades. E é importante também perceber um bocado o seu trajeto. Aliás, nós temos, por exemplo, hoje em dia uma coisa positiva que podes ver nos teatros. Acho, pessoalmente, que temos diretores de teatro, são alguns com trajetos consideráveis e admiráveis e acho que isso que se devia extrapolar para a questão cultura/música, ou seja, acho que nessas entidade têm de estar pessoas que, lá está, eu até sou daquelas pessoas que acho que a vida civil e a vida politica se devem interpor, ou seja, eu acho que uma pessoa deve ter tido uma atividade que prove um bocado e que lhe tenha feito perceber como é que as coisas funcionam fora da vida política, depois pode desempenhar um papel ou até gerir espaços culturais e eu depois não acredito em cargos ad eternum, mas depois até sair e dar lugar a outras pessoas é sempre saudável. Mas, portanto, mais do que a criação de entidades eu acho que, as pessoas que estão por trás delas é que fazem a diferença. Acho que isso é o fundamental. Porque por exemplo, eu também ao mesmo tempo tenho algum receio de que, tal como foi anunciado, embora à cidades que estão a cumprir esse seu propósito, também às vezes faz-me um bocado de confusão que se atribua uma tranche destinada à cultura aos municípios e aquilo possa ser usado de uma forma diferente.

A. – Bruno, agradeço-te a tua vinda aqui e obrigado por esta conversa, foi uma conversa interessante. Infelizmente temos regras de tempo e eu começo a sentir isso quando começa aqui a adormecer o meu pé. Obrigado. Eu acabo sempre a conversa da mesma forma, foi um prazer para nós receber-te e este espaço está aqui para ti e para todos vocês. Quando precisarem estejam à vontade que nós estamos aqui sempre para poder partilhar com vocês as nossas coisas, as nossas experiências e também de receber de vocês as coisas melhores que vocês têm. Portanto, Bruno, obrigado, boa noite e obrigado pela tua presença.
B. – Obrigado eu. O prazer foi meu. Tudo de bom para vocês.

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