Entrevista. Mariana Bragada: “Assumo-me como um ser do mundo e não de uma só terra”

por Maria Moreira Rato,    22 Junho, 2020
Entrevista. Mariana Bragada: “Assumo-me como um ser do mundo e não de uma só terra”
Fotografia gentilmente cedida pela entrevistada
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Aos 22 anos, assume-se apaixonada pela música como forma de transmissão da natureza, da ancestralidade, das pessoas e das culturas que a inspiram. Depois da realização de uma licenciatura em Design de Comunicação, durante a qual teve oportunidade de explorar vertentes artísticas como a da fotografia e a do vídeo, Mariana Bragada – de nome artístico Meta – concorreu ao Festival da Canção de 2019 ao lado de Matay, Conan Osíris, Calema, Ana Cláudia, NBC, Surma e Madrepaz. Em fevereiro passado, partiu à conquista da Europa e atuou em Manchester, Londres, Estocolmo, Berlim, Madrid e Barcelona. Quatro meses depois, regressa com Nós Somos, obra através da qual honra “os passos dos antepassados” e dança com eles.

Nasceu em Bragança, em 1997. Como é que a cultura transmontana a influenciou enquanto artista?
Cresci e vivi em Bragança até aos meus 17 anos mas, só quando me mudei para o Porto, é que realmente me apercebi da riqueza cultural que existe em Trás-os-Montes, assim como no interior e no meio rural por todo o país. São zonas geralmente desvalorizadas. A conexão com a natureza, o trabalho com a terra e a oportunidade de poder crescer e aprender – em harmonia com os ciclos naturais – é algo que realmente valorizo e que me marcou bastante. Sentir estas raízes – ao estar imersa na natureza, assim como ao experienciar os costumes e tradições – inspirou-me a trazer à superfície essa riqueza escondida e partilhá-la de forma contemporânea através da minha perspetiva musical e artística. Mais precisamente, a música Nós Somos do EP Mónada foi inspirada na ancestralidade. O vídeo acrescenta a perspetiva da união do feminino, a recriar este costumes e tradições através da performance. Honra também o trabalho documental já realizado antes de eu nascer, através dos excertos do documentário gravado na minha aldeia em 1974: Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada, de  Manuel Costa e Silva.

No seu perfil, disponível no site do Festival da Canção, é possível ler que nasceu com “a necessidade de cantar, de ouvir” e de se “expressar”. Isso aconteceu de modo natural ou foi influenciada por familiares?
A minha relação com a música sempre surgiu de forma natural, sem influências externas. Ninguém da minha família trabalha ou trabalhou na área da música, e quase ninguém na área artística até. A ligação mais forte que me lembro é de ouvir as minhas avós cantarem e talvez tenha herdado esse gosto!

No mesmo site, podemos constatar que canta para “vencer os medos”. Acredita que a música constitui o seu escape e, simultaneamente, uma paixão essencial sem a qual não viveria?
Sem dúvida. A música sempre foi o cantinho pessoal através do qual me expresso completamente: o espaço onde posso sentir, partilhar e libertar sem julgamento ou expectativas. Para mim, assim como acredito que para muitos outros, é esse espaço terapêutico da transformação das emoções para sons e palavras que realmente me libera. E depois pode liberar os outros também.

Quais são as suas maiores influências musicais?
Adoro música eletrónica, world music, jazz, soul, rap e – independentemente de qualquer género musical – o facto da música ter boas vibrações e ser genuína é o mais importante para mim! Diria que as minhas maiores influências são Ibeyi, Nicola Cruz, José Afonso, Hiatus Kaiyote, Lianne La Havas, Sensible Soccers e Mac Miller.

Compôs as primeiras músicas originais com apenas 15 anos. De que modo o trabalho autónomo que desenvolveu contribuiu para o início da sua carreira enquanto artista?
Acredito que cada um tem o seu próprio caminho e não há um certo nem errado. Este meu trabalho autónomo e a solo surgiu da necessidade de fazer por mim sem estar à espera que mais alguém aparecesse para começar. É essencial acreditar que o ser individual é suficiente para iniciar a mudança: e, quando nos aliamos às pessoas certas, mais fortes ficamos!

Sente que trabalhar de forma mais individual, numa primeira instância, acrescentou-lhe mais?
A vontade de partilhar é aquilo que realmente me faz crescer: e é isso que me fez mover, no início, e que me continua a fazer mover agora, independentemente se trabalho a solo ou em colaboração. Sem dúvida que pude aprender imensas coisas até agora trabalhando de forma independente. Temos de aprender por nós como navegar no meio e isso cria bastante resiliência, independência e liberdade. Porém, gosto imenso de poder colaborar e trabalhar com mais pessoas dedicadas e com amor àquilo que fazem: porque é uma oportunidade bonita de crescimento.

Em 2015, mudou-se para o Porto e foi estudar Design de Comunicação. Escolheu esta licenciatura por querer complementar os seus conhecimentos artísticos ou, por algum momento achou que a música – em termos profissionais e oficiais -, não seria o caminho acertado?
Escolhi mudar-me para o Porto e estudar na Faculdade de Belas Artes principalmente para expandir os meus horizontes pessoais, profissionais e artísticos, e aprofundar também outras ferramentas que sempre gostei imenso como Fotografia, Vídeo e inclusive Áudio e Arte Sonora. Em paralelo a isso, continuei sempre a compor música e a explorar novos sons que o Porto trouxe.

Fotografia gentilmente cedida pela entrevistada

Criou o seu primeiro EP A voz, A vós, Avós para um projeto da faculdade. Recorreu a uma loop station [ferramenta através da qual um artista pode gravar performances áudio e instrumentais para utilizar em performances posteriores], à improvisação vocal e a gravações de áudio dos seus avós. Foi neste momento que consolidou a ideia de que não desejaria dissociar-se das suas raízes?
Acho que foi ao criar este EP que realmente me apercebi da desvalorização do meio rural, da ancestralidade e dessa sabedoria. Fui à minha aldeia à procura de cânticos tradicionais/ancestrais e descobri que já ninguém se lembrava e que não havia esse tipo de registos. Foi algo que me fez realmente refletir sobre esta memória coletiva que não está a ser preservada e que se vai apagando a pouco e pouco. Aí, a mensagem principal do EP A voz, A vós, Avós transformou-se nessa exaltação da memória e dos ciclos da vida, trazendo a minha perspetiva do presente e os meus cânticos unidos a essas gravações: como forma de lembrete para o que está a desaparecer. A partir daí, senti que esta cultura ancestral tem muito mais importância do que achava até à altura. Comecei a trabalhar de forma a honrar a natureza e a sabedoria de quem vive em harmonia com ela, da melhor forma que sei.

Como é que surgiu o nome artístico Meta? E o nome do seu EP de estreia, Mónada? A junção dos dois nomes constitui também a definição, em Biologia, “de um grande grupo de protozoários flagelados”. Por outro lado, em Latim, significa mudança (meta) e unidade (monus).
“Meta” é um prefixo usado, por exemplo, em Metamorfose ou Metafísica. É algo referente a si mesmo e em português “Meta” é a chegada, o final de uma corrida. Foi o nome que escolhi para encapsular todas as minhas mutações e para me lembrar que sou o ponto de partida e de chegada, entre muitas coisas. Em relação ao nome do EP Mónada, surgiu após a leitura da obra Monadologia de Leibniz. Segundo esta teoria, a Mónada é a partícula mais pequena, presente em todos os organismos, mas com a sua perspetiva individual. É a nossa essência, o indestrutível de cada um. É o que nos une, exatamente! A relação existente entre os dois foi algo que descobri também mais tarde, mas como pura coincidência!

Já tocou no TedxPorto, no Festival Bons Sons, no Um ao Molhe, no SofarSounds Madrid, entre outros. Qual foi o espectáculo que a marcou mais até hoje?
Estou muito grata por ter esta oportunidade de partilhar a minha paixão e o meu trabalho com um público e acho que é sempre incrível poder fazer isso! O Festival Bons Sons tem um cantinho especial no meu coração, pois foi o primeiro onde partilhei as minhas músicas, no palco d’A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria, em 2018. Mais recentemente, tive a oportunidade também de fazer a minha primeira tour Europeia com a Chau Booking [empresa responsável pelo agenciamento da artista internacionalmente], com o apoio da Fundação GDA [Gestão dos Direitos dos Artistas]. Sem dúvida que Berlim foi um sítio muito especial também para partilhar as minhas melodias.

Fotografia gentilmente cedida pela entrevistada

Prefere tocar em espaços maiores ou mais intimistas?
Eu gosto muito de criar esta conexão mais próxima com o público e convidá-lo para o meu universo, mas acho que o importante é ter as condições certas e um público em sintonia!

O seu pai persuadiu-a a enviar músicas para o programa Masterclass da Antena 1. Foi escolhida para ir gravar a Lisboa e apresentou duas músicas originais. Como é que foi essa experiência?
Foi muito bom ter a experiência de participar na Masterclass da Antena 1 com as minhas músicas originais, ouvir novos músicos emergentes também e sair da minha zona de conforto!

Apenas mais tarde compreendeu que o programa escolhia um dos participantes para ir ao Festival da Canção. Afirmou, numa entrevista à TV7 Dias, que a apuração parecia ser “algo longínquo”. Em março do ano passado, chegou à final do festival, em Portimão, com Mar Doce. Sentiu que representou Portugal ao interpretar um tema inerente a um dos grandes símbolos do nosso nosso país, o mar?
Estou muito grata por essa experiência e por ter tido a oportunidade de partilhar algo que compus e poder interpretá-lo da minha forma também. Em relação à música, o mar está presente pois tenho uma ligação muito forte com a natureza e o elemento da água. O que quis realmente trazer foi um novo panorama sobre esta lamentação e tristeza geral que existe e transformá-la numa perspetiva mais positiva e motivadora.

Saudade é o single que antecedeu o lançamento do seu EP Mónada. No vídeo, inspirou-se na técnica ancestral da barrela, em que se lavava roupa branca com cinzas. Porque decidiu recriá-la na sua aldeia, Grijó de Parada?
Esta ligação com a natureza, a tradição e os costumes é algo que tenho vontade de partilhar e que acredito que merece ser valorizado. Esta recriação da barrela é uma interpretação minha dessa tradição e mostra também a barrela do agora: não é uma réplica de como acontecia antes. Digo isto porque o tronco oco utilizado para a barrela, chamado de cortiço, foi já difícil de encontrar na minha aldeia. Acabámos por encontrar um que, embora partido, ainda simbolizava essa técnica ancestral. Daí ser a barrela do agora: primeiramente, por ser a minha interpretação artística e, depois, porque é também representativo de como a técnica da barrela já quase estava esquecida. Essas memórias coletivas estão também fragilizadas e é importante para mim mostrar essa verdade nos vídeos.

Que importância teve a inclusão do seu avô no vídeo?
Gravar na minha aldeia, reconstituir esta técnica e filmar com o meu avô foi a minha forma de honrar a terra e a sabedoria de quem vive e viveu lá em harmonia com a natureza. Foi um momento muito especial para mim poder recriar visualmente essa união.

“Saudade que paras no tempo / Saudade que quebras o mar” são dois dos versos da música anteriormente referida. Tal como em Mar Doce, evocou a ancestralidade e a nostalgia portuguesas. Foram estes os pontos de partida para a composição – numa espécie de linha contínua de pensamento – de Nós Somos?
Saudade foi a primeira música que compus na loop station e as melodias base surgiram na praia. Então, decidi unir o que estava a sentir ao seu local de origem. Em relação à Nós Somos, esta surge da continuidade do EP A voz, A vós, Avós agora consolidado numa só música. Mas a ancestralidade é, de facto, um tema que tenho muito presente comigo.

Em abril, escreveu Cravos Sem Armas para celebrar o 25 de abril. Escreveu-a e gravou-a numa questão de horas. A História portuguesa constitui cada vez mais uma forte inspiração para o seu processo de criação ou, por outro lado, o mesmo já se encontra assente nas bases do nosso passado desde o início do seu percurso?
A cultura portuguesa é, sem dúvida, grande inspiração para mim: é o meu ponto de partida, as minhas raízes, é a minha língua nativa. No entanto, e embora exista esta ligação bastante forte, tenho inspirações musicais de muitos outros países e culturas, que aprofundo através das minhas viagens. Assumo-me como um ser do mundo e não de uma só terra. Embora este primeiro EP seja mais focado nessa essência, canto também em inglês e em espanhol. Pretendo unir cada vez mais essas culturas no meu universo e trazê-las ao público.

Nós Somos é o seu single mais recente. No videoclipe da mesma, cinco mulheres juntam-se a si para recriar rituais da sua aldeia, como a ceifa do trigo. Aos vossos movimentos, aliam-se imagens do arquivo documental de Grijó de Parada. De que conceito partiu para criar esta estética?
Para este videoclipe, quis honrar a sabedoria ancestral e trazer uma perspetiva nova sobre a mesma. O poder feminino, assim como a cultura ancestral, são assuntos importantes que desejo elevar, honrar e trazer à superfície. Inspirada no documentário da minha aldeia Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada, de Manuel Costa e Silva, quis trazer o meu ponto de vista atual unido às mulheres como força criadora e inovadora.

“Graças a Deus que ainda me lembro de alguma coisa. Só não queria perder tudo” ouve-se uma voz feminina confessar no início do videoclipe. Este single serve também o propósito de homenagear e preservar a memória coletiva da sua aldeia?
Sim, a minha aldeia é esse ponto de partida, mas pretendo honrar todas as sabedorias e culturas ancestrais, essa memória coletiva. A senhora que fala no início da música é a Sra. Leontina, cuja voz tive oportunidade de gravar há uns anos. Aparece também no videoclipe, num dos excertos do documentário!

Já gravou para o projeto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria [MPAGDP], do realizador Tiago Pereira. Este é um facto curioso porque relacionei-o com o vídeo de Nós Somos, o seu novo single. Qual é o papel que pretende representar no universo musical português?
Sim! Foi uma oportunidade muito bonita, inclusive tocar no palco da MPAGDP no Bons Sons, em 2018, como mencionei antes! Só quero mesmo fazer a minha parte da melhor forma que consiga. Não tenho expectativas nem pretensões sobre o que sou ou o que quero ser. Sei que a natureza, a ancestralidade, as pessoas e as culturas me inspiram e pretendo só crescer, aprender e trazer a minha perspetiva para que possa inspirar novamente alguém.

Quais são os seus planos para um futuro próximo?
Agora estou focada na criação do novo álbum, a trabalhar em colaborações. Quero continuar a aprender, sentir, ouvir, ser inspirada e inspirar!

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