Entrevista exclusiva a Ben Howard: “A natureza da música é fazer algo que me faz sonhar e que tem significado”

por Linda Formiga,    6 Abril, 2021
Entrevista exclusiva a Ben Howard: “A natureza da música é fazer algo que me faz sonhar e que tem significado”
Ben Howard / DR
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Ben Howard nasceu em Devon, Inglaterra, em 1987. Cresceu com Simon & Garfunkel e Joni Mitchell e lançou 3 EP antes do primeiro longa-duração “Every Kingdom”, que foi nomeado para o Mercury Prize de 2012. Discretamente, foi ganhando espaço para se tornar numa das vozes indie mais promissoras do Reino Unido, com o metarritmo das suas canções e a mundividência das suas letras. Ben Howard é um homem simples. Inseparável da guitarra e com o olhar normalmente cabisbaixo, nunca se afastou muito do seu núcleo duro, a banda que o acompanha. Mas neste último álbum Collections from the Whiteout, e levado pela sonoridade bastante experimental que derivou do festival PEOPLE em Berlim, Ben Howard decidiu sair da sua esfera e trabalhou, pela primeira vez, com Aaron Dessner (The National) no seu já icónico estúdio Long Pond, no estado de Nova Iorque, que foi berço de muitos álbuns marcantes dos últimos anos (como Folklore ou Evermore de Taylor Swift).

Foi com a sua simplicidade icónica que falámos com Ben Howard às 10 da manhã de um dia soalheiro no Reino Unido. Um pouco mais farrusco em Portugal, mas com a premissa que a música de Ben Howard seja a banda sonora para dias bons, menos bons e assim-assim.

Collections from the Whiteout é o teu novo álbum. Como e quando começaste a fazê-lo?
Estou sempre a guardar pequenas peças de música, algumas ideias, algumas coisas escritas. Tinha muitas partes diferentes de canções e partes muito diferentes de poemas, algumas estavam acabadas e outras não estavam de todo acabadas de todo. Então decidi ir até aos Estados Unidos e tocar com o Aaron [Dessner] e descobri que a abordagem musical era bastante intuitiva e livre, com mais interesse em ideias do que em canções concretas. Tocámos juntos e vimos que estávamos a fazer um álbum. 

Daí o nome “Collections”?
“Collections” é como uma rede de segurança. Por vezes é limitado tentar ter uma linha coesiva quando tentamos fazer um álbum, por isso, colecções é mais livre porque foram muitas pequenas ideias. Parecia-me um álbum bastante disperso e estávamos a gostar de ter, a dada altura uma sonoridade pesada e no plano seguinte ter um som mais acústico. Talvez seja a música actualmente seja isso, uma mistura de todos os estilos.

Mas também é curioso falares em rede de segurança quando este foi o primeiro álbum em que saíste do teu círculo de conforto e tiveste produção de uma pessoa de fora. O nome Aaron Dessner surgiu por acaso ou foi alguém com quem querias trabalhar?
Na altura eu estava a viver em Paris, a banda estava a viver noutros sítios. Pareceu-me uma boa altura para tentar trabalhar com outra pessoa. Foi uma decisão consciente, mas não era algo que estivesse à procura. Eu tinha algum tempo e muitos memos de voz gravados. Também gosto bastante de outros álbuns nos quais o Aaron trabalhou, como o da Lisa Hannigan, At Swim, que é um álbum que eu gosto bastante e acho que o Aaron destacou a excelente escritora de canções celta que a Lisa é. Por isso achei uma boa altura.

Foste ao estúdio Long Pond, o sítio onde se têm feito alguns álbuns já icónicos?
Sim. 

Antes do confinamento?
Sim, antes. A última sessão foi em Março, há um ano. Trabalhámos no álbum cerca de um ano e meio, mas na maior parte do tempo estávamos só a tocar música. O Aaron estava a descansar das digressões com os The National, tem estado a trabalhar em Big Red Machine [projecto de Dessner com Justin Vernon] e quando tínhamos tempo, eu pegava na guitarra e no echoplex, ou qualquer coisa que pudesse transportar de avião. Sempre que viajava para os Estados Unidos percebia que levava bagagem a mais, por isso comecei a levar só uma guitarra. O sítio em si é lindíssimo, senti-me em casa. 

O Aaron Dessner disse que estavas à procura de novos sons, um pouco também o que ele faz com o colectivo PEOPLE. Como foi esta experiência?
Há uma procura por novos sons, por isso acho que rapidamente percebemos que podíamos fazer música juntos pois estávamos em sintonia. Quer seja com tecnologia ou com trechos estranhos com pedais de guitarra que eu tinha feito. O Aaron não disse “isso é estranho”, mas tentámos sim encontrar novos sons, ou semi-sons. É interessante tentar tocar tudo aquilo, porque em muitos trechos eu não sabia muito bem o que estava a fazer. Quando segues aquela linha de algo estranho que fizeste, não estás totalmente consciente nessa altura, só estás a fazer uma canção com algo que encontras. Para mim, a natureza da música é fazer algo que me faz sonhar e que tem significado. Faz com que tentes encontrar uma canção ou que tenhas uma plataforma para explorar uma ideia, mesmo que momentânea.

Quando chamas ao álbum Collections from the Whiteout, o que significa Whiteout para ti? É uma mera expressão, um estado de espírito, um lugar?
É tudo isso. É um conceito um pouco indefinido, mas é muito inglês falar-se do tempo. É obviamente um termo sobre o tempo, mas para mim não é necessariamente isso. É uma imagem que tenho constantemente presente – esta ideia de sobre-exposição. Como se estivesse num campo e depois se enchesse de branco. Por isso achei ser uma boa expressão.

Li uma entrevista em que dizias que quanto mais atenção tinhas, menos a desejavas. E agora falas de sobre-exposição. Esta sobre-exposição como músico que sobe ao palco e ser-se uma pessoa comum. Como lidas com isso?
Estamos agora muito cientes disso, uma sobre-exposição natural, não só em termos de multidões e de música. Sendo introvertido, tenho uma relação estranha por tocar em frente a muitas pessoas. Encontrar o equilíbrio entre partilhar ideias e tocá-las para outras pessoas e manter um cariz pessoal, que é o mais importante. Às vezes, parece que podes estar a perdê-lo. Por isso, é importante manter o equilíbrio. Não sou o centro das atenções há algum tempo, por isso é estranho voltar a esta rotina de um novo disco e entrevistas com muitas chávenas de chá a acompanhar.

Há cerca de 10 anos lançaste o teu primeiro disco que teve logo bastante atenção. Sendo uma pessoa introvertida, é mais fácil agora ou continua a ser complicado?
Agora sei melhor no que me focar. Nessa altura, eu não percebia como tudo funcionava. Agora percebo que eu estava só a tentar fazer o ofício e a certificar-me que estava a trabalhar nas coisas que eu gostava de fazer. Mas também há muitas distracções na indústria e neste processo não fazemos aquilo que gostamos realmente e essa é grande dificuldade – ter de lidar com aquela parte da indústria que não te interessa muito e que não gostas de fazer. Agora é muito mais fácil. Encontrei pequenos escapes e tento manter-me aí.

Fazer digressões e encontrar esse escape é algo que deve ser difícil, não?
Sim, é difícil encontrar esse equilíbrio. E tens de trabalhar muito para o alcançar. Os The National, por exemplo, são uma banda de digressão há 20 anos e foi interessante falar com o Aaron sobre a vida em geral e o tempo passado com a banda na estrada. Nunca escrevo muito quando estou na estrada, porque a minha ambição é que os concertos sejam bons e perco um pouco desse ímpeto criativo nessa altura. Passo muito tempo sem tocar música para que sinta a necessidade de escrever música, e por vezes tocar ao vivo retira-me esse entusiasmo.

Gostavas mais de ser um músico de estúdio ou de estrada? Ou um misto.
Depende dos dias [risos].

Quais são os planos para o futuro?
Gostava de viajar e fazer mais digressões. Mais para Portugal, Espanha. América Latina onde nunca toquei. Por agora é difícil, mas adorava tocar mais concertos em Portugal. Temos alguns concertos em Londres, em Setembro, por isso vamos ver.

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