Entrevista. Dário Guerreiro: “Quase todos os projectos que tenho pensados implicam andar por aí a mostrar este país incrível”

por Gustavo Carvalho,    7 Novembro, 2019
Entrevista. Dário Guerreiro: “Quase todos os projectos que tenho pensados implicam andar por aí a mostrar este país incrível”
Dário Guerreiro / Fotografia de Diogo Ventura – CCA
PUB

Dário Guerreiro, ou Môce dum Cabréste, já está a percorrer Portugal com o seu segundo espetáculo a solo de stand-up, “Vou Ficar”. Na preparação surgiram algumas “alterações de última hora”, devido a um momento semelhante a uma piada de Rui Sinel de Cordes. A sua nova série, “O que é que se faz aqui?”, está aquém dos resultados, mas não é por aí que deixa de estar “contente com o resultado”. A moda dos roasts vem à tona e “projetos” escritos num quadro branco do escritório da KILT, a sua agência, também.

Na altura em que falámos no podcast Humor À Primeira Vista, disseste que estavas a preparar um conteúdo para o YouTube, que provavelmente ia sair em 2019. Daí surgiu a série “O que é que se faz aqui?”. Referiste que se acontecesse como tu esperavas ia ficar fixe. Aconteceu como tu esperavas?
Algumas coisas, sim, houve outras que tivemos de, em função de aquilo que tivemos à nossa disposição, adaptar.

Que coisas?
É uma produção muito humilde e reflete-se na série. Houve também algumas coisas que se fosse hoje fazia de forma diferente. Mas acho que funciona assim com qualquer projeto. Olhamos para trás e vemos algumas coisas que melhoraríamos.

Mas mais na parte da produção ou da escrita?
Nos dois. É daquelas coisas que às vezes na tua cabeça… Eu estou feliz com o resultado e estou contente.

Estás contente com os números?
Não, com os números não estou, mas estou satisfeito com o produto. Acho que isso deve ser aquilo que nos guia. Não te podes, muitas vezes, deixar influenciar pelos números. Quer dizer, é assim que entendo que deva ser. Acho que não deviam existir essas forças externas a tentar boicotar a tua criatividade ou aquilo que podes ou não fazer. De facto, os resultados estão aquém daquilo que eu imaginava. Não deixa de ser uma aprendizagem e uma lição, e não troco aquilo que vivemos e o que fizemos. Aliás, também é prematuro, porque a série ainda está numa fase onde vão acontecer muitas mais coisas. Parece que é pouca coisa a acontecer. Eu próprio estou expectante — já gravámos há algum tempo e há muitas coisas que fizemos das quais não me lembro. O departamento de edição não está sob a minha jurisdição, portanto há coisas que fogem ao meu controlo. Mas eu diria que de um modo geral estou feliz, pelo menos com o resultado. Acho que é algo que vai envelhecer bem, que daqui a dez anos vou gostar de revisitar. Mas se é o projeto que se calhar surgiu na hora certa? Sobretudo quando eu tenho um solo à porta e gostava de utilizar este projeto para alavancar o solo. Talvez os timings não tenham sido os mais bem escolhidos. Mas, pronto, são coisas que fazem parte do processo.

Dário Guerreiro / Fotografia de Diogo Ventura – CCA

Terias lançado o projeto mais cedo?
Ou mais tarde, ou teria esperado e lançava só no verão do ano que vem. Mas lá está: tendo em conta as limitações orçamentais que tivemos, apesar de termos tido um patrocínio que foi excelente… imagina, nós gravámos um episódio por dia, que é uma produção super acelerada. Tu conseguires fazer um vídeo de 10 ou 15 minutos num dia, visitar uma série de locais, às vezes falar com pessoas, outras vezes ter entrevistas marcadas, e ainda termos as pessoas que são atores a fazer realização e sonoplastia — porque aquilo que as pessoas estão a ver é aquilo que é — não é propriamente fácil. A médio prazo tiramos algumas lições daí. Não havia forma de fazer as coisas de outra maneira. Continuo a dizer: foi melhor termos feito e lançado do que não termos feito ou lançado com medo de que não “batesse”.

Com a tua série “Troglodicas”, isto de achares que as visualizações podiam ter sido melhores também aconteceu. O que é que não está a acontecer?
Opá, não estão a acontecer visualizações. As ideias são bué boas na minha cabeça, mas as pessoas não partilham da mesma opinião que eu — e não há mal nenhum com isso. Cada um gosta de coisas diferentes e de estímulos diferentes. Lá está, não considero que as pessoas devam deixar de fazer as coisas com medo de que não batam. Isso é supercastrador. Se vais deixar de fazer aquilo de que curtes porque não vai bater, então a dada altura começas a pensar “Não isto não bate o suficiente, isto também não vai bater” e não fazes nada. Tu próprio estás a limitar-te criativamente de uma forma muito injusta. De facto, não vai bater com os números assombrosos de outros projetos, mas há pessoas que se calhar vão ver aquilo e gostar bué — e vai ser a série preferida delas — não sabes. São cenários hipotéticos, obviamente, mas se é uma coisa de que gostas e se sentes que daqui a dez ou cinco anos vais revisitar e dizer: “Por acaso foi fixe. Não bateu, mas é algo que posso mostrar à minha malta”. Força! Era bacano estar a lançar agora a série e não ter de estar preocupado em vender bilhetes para o solo. Preferia não ter esse peso e se calhar fazia um tipo de conteúdo agora que me fizesse alcançar mais público.

Sem o propósito da promoção terias mais liberdade?
Claro, porque assim estás só focado num projeto. Isso é uma coisa que eu também tenho de corrigir na minha postura: passo muito tempo parado (porque é a melhor cena de sempre). Quando volto ao trabalho apresento uma série de projetos ao mesmo tempo. Ou seja, os projetos que faço comem muito o protagonismo uns dos outros. Tipo: lanço um solo, lanço uma série, lanço um livro novo. A dada altura a malta não sabe para onde se deve virar. Eu próprio nem sei o que é que devo priorizar e promover. Tenho de gerir melhor: é um projeto de cada vez com foco exclusivo. Só que é assim que faço. São maneiras de trabalhar e nitidamente a minha não é a mais eficaz.

Dário Guerreiro / Fotografia de Diogo Ventura – CCA

Existiam outras ideias para a série ou para este tipo de conteúdo?
Eu já sei o que vou fazer quando a série acabar.

Qual é a ideia para esse conteúdo?
Logo vês. Também não quero dizer, porque pode não bater. Já estou naquela de não quero dar hype. Um gajo agora também já está como um gato escaldado, não é.

Mas contas que seja um conteúdo regular, como chegou a acontecer com o teu canal de youtube?
O objetivo é sair todas as semanas. Voltar ao conteúdo de youtube, mas num contexto e formato diferente. Vou deixar a série acabar e respirar uma semana e em dezembro meto já umas cenas novas.

Mas vai ser uma série?
Consideravas os vídeos que eu fazia antes uma série?

Não, porque não há uma ligação entre eles em termos de tema.
Epá, eles vão ter um elo e uma premissa que os liga. O objetivo é ser semanal, mas não sei se vou conseguir cumprir com o calendário sempre. Já tenho algum trabalho adiantado. Espero que seja algo que vá mais ao encontro daquilo de que as pessoas gostam de ver. Não queria estar agora a colocar dois conteúdos ao mesmo tempo, porque pode ser contraproducente…por muito poucas visualizações que a série tenha. São oito episódios, pelas minhas contas a série acaba dia 19 de novembro, talvez adicione um episódio extra de bloopers, se conseguirmos juntar. Filmámos montes de coisas com pessoas que nem entraram na série e que são hilariantes — para nós pelo menos, também já não sei o que as pessoas acham.

Quão difícil foi convencer algumas pessoas das terras que visitaste a participar na série?
Não foi difícil. As coisas foram previamente…

Sendo o conceito um bocado meta, não foi difícil explicar a ideia?
Foi. O mais difícil foi explicar às pessoas aquilo que estávamos a fazer. Se calhar pelo conceito ser tão meta e inovador, foi bastante difícil explicar às pessoas que a ideia era fazer com que um programa de cultura\documentário fosse outra coisa completamente diferente. Na minha cabeça tinha bué piada, mas transformando isso em realidade as coisas acabam por não ser como se idealizam. Quando inventamos conceitos pode dar merda. E tendo em conta que cada vez é mais difícil fazer formatos novos já é uma pequena vitória.

Por seres algarvio e gostares de promover a tua região, gostas muito destes programas culturais. Isso influenciou esta ideia?
Sim, isto na verdade é um pretexto para eu passear pelo país a comer e a conhecer terras e pessoas incríveis. Falar com velhotes…

Gostas muito dessa parte.
Sim, só que não queria apenas fazer isso. Passava a ser um programa da RTP do Raminhos. Com todo o respeito, mas não era aquilo que eu queria fazer. Queria juntar uma cena um bocadinho mais meta e ter a oportunidade de filmar com amigos — é um luxo a que nem toda a gente tem acesso, felizmente eu pude. Agora estou a pagar as consequências disso. Mas sim… quase todos os projetos que eu tenho pensados implicam eu a andar por aí a mostrar este país incrível. E não tem que ver com o facto de eu ser do Algarve, mas sim com o facto de gostar mesmo do país. Acho mesmo que é o melhor país que há.

Vais continuar com o podcast, o Segundo?
Sim, tive agora uma ou duas semanas a publicar de forma meio intermitente, mas a intenção é essa. Ainda hoje vou gravar mais um episódio.

Dário Guerreiro / Fotografia de Diogo Ventura – CCA

Entretanto já estreaste o teu novo solo, o Vou Ficar. Correu bem a estreia?
É um work in progress. Houve alterações de última hora que fui obrigado a fazer.

No próprio dia?
No dia não, mas sem tempo suficiente para conseguir acautelar um espetáculo bacano. Depois há coisas de que te vais apercebendo à medida que fazes os espetáculos. Por exemplo, o alinhamento.

Vais mudar alguma coisa para esta terceira data?
Mudou logo da primeira para a segunda, porque foram duas datas. Percebe-se quais é que são os bits mais fortes, quando é que devo pôr o quê — isso está tudo um bocadinho no ar. Tens os bits escritos, mas a ordem que usas para apresentá-los… precisas de ter o espetáculo completo para perceberes os momentos certos em que deves dar determinadas cenas, e também para não te esticares no tempo.

Mas não é aí que entram os testes de material que andaste a fazer?
Sim, mas isso é os testes do texto, não da ordem. Não é suposto fazer tanto tempo, às vezes é meia hora, outras vezes é quarenta minutos — e o espetáculo tem uma hora e tal. Muitas coisas precisam do contexto, só fazem sentido no “Vou Ficar”. Isto é outra das provas de que ir a um teste não significa que já não vale a pena ir ao solo completo. Há muitas coisas semelhantes, mas muitas vezes veem coisas inéditas.

Qual é a parte do teu solo que não chegaste a testar?
Houve é poucas oportunidades para testar algumas delas, que eu queria só fazer no solo.

Em percentagem dá mais ou menos quanto?
Eu diria que no máximo vinte a trinta porcento. A maior parte das coisas estava mais ou menos testada, de tal forma que tivemos de cortar. Não só porque já tínhamos muito tempo. Para se tornar mais dinâmico: para tirarmos as gorduras, como se costuma dizer. Ir diretamente às punchlines. Assim é muito mais bacano para quem assiste. É óbvio que a primeira vez em que fazes o espetáculo não vai ser tão boa como a última. Isto não é só comigo, acho que é transversal a qualquer comediante. Quanto mais fazes, melhor fazes.

Como é que estamos de momentos musicais?
Tínhamos três, temos dois.

Dário Guerreiro / Fotografia de Diogo Ventura – CCA

Na estreia tinhas três?
Não, isso é uma das alterações que tive de fazer. Tinha uma música composta. Entretanto saiu o solo do Sinel de Cordes e a piada era parecida, então decidi tirar.

Qual é que era a piada?
Era a piada com que ele entrava. Aliás, a piada nem sequer era nova. Eu, entretanto, falei com o Sinel a propósito disto, e como não consegui arranjar um ângulo semelhante que pudesse incluir a música, não dava. Basicamente era a minha música de entrada do espetáculo. Eu punha as pessoas sentadas, dizia que as pessoas estão cada vez mais distantes. Incentivava a darem as mãos, levantarem-nas e seguirem o ritmo da música. A música depois consistia em falar, então, da quantidade de pessoas que não lava as mãos após irem à casa-de-banho, e que estatisticamente elas acabaram de meter secreções sudoríparas, esperma e cocó nas mãos. A partir daquele momento toda a gente tinha as mãos com merda.
O Sinel fez uma cena parecida — eu não tinha visto, só tive oportunidade de ver quando o espetáculo foi parar à net — ainda falei com ele. Aliás, cheguei a experimentar a música nas tais sessões de teste, o que se tornou mais lixado porque sabia que a música batia e que estava incrível. Uma coisa é tu abdicares de um bit, outra coisa é abdicares de uma música, uma composição do zero e da entrada do espetáculo. Mas pronto, faz parte, não tenho de me estar aqui a queixar, é assim que funciona.

Disseste que foi à última da hora. Qual é que foi o espaço temporal entre saberes isso e a estreia do solo
Foi para aí duas semanas antes. É pouco tempo para arranjares um bit suficientemente bom e substituíres.

Tentaste pensar em alguma coisa nova?
Tentei configurar, tentei pensar numa cena nova, mas com as duas datas que já fiz percebi que se calhar nem valia a pena tendo em conta o tempo que eu fiz. O primeiro espetáculo estava com uma hora e quarenta, o segundo estava com um bocadinho menos do que isso. Lá está, vamos tirando as gorduras e chegamos a um ponto em que o fazemos em muito menos tempo. Vai chegar a um ponto em que é apenas uma hora e vinte, uma hora e vinte cinco, no máximo.

O solo chama-se “Vou Ficar”, que é uma referência ao facto de ainda viveres em casa da tua mãe.
Sim, vou explicar isso no espetáculo.

Dário Guerreiro / Fotografia de Diogo Ventura – CCA

Mas há uma conclusão que tiramos?
Não é uma conclusão muito conclusiva, mas está relacionado.

Vais sair de casa da tua mãe?
Vai ver o espetáculo, o que é queres que eu te diga

Então chegamos a uma resposta durante o espetáculo?
Sim, sim.

Surgem cada vez mais bares com noites de stand-up, principalmente em Lisboa. Tu vives em Portimão. Como é que está o Algarve nesta situação?
Epá….

Isso prejudica de alguma forma a tua carreira?
Não, aliás, quando eu precisava de bares para testar material no Algarve e nem sequer era agenciado, ia bater às portas e fazia por atuar lá. Cheguei a ter um projeto que era o “Vem fazer humor comigo”. Chamava comediantes do resto do país para dividirmos a noite, meia hora cada um. Pagavam entrada, os bares não tinham qualquer despesa, a bilheteira era para nós. Quando foi preciso eu fazia isso, neste momento sinto que não se justifica. Se calhar até há público para isso, mas não sei até que ponto é que… lá está, a necessidade aguça o engenho, quando não tens necessidade… Como depois atuo no Algarve em auditórios acabei por poupar as minhas pessoas a essa desilusão. Se for atuar num contexto mais de testes pode ser que eles não gostem de mim. Não quero correr esse risco.

Agora estamos numa moda de roasts. Tu gostas do formato e safas-te bem.
Isso pode estar relacionado com alguma coisa que eu venha a fazer no youtube. Pode ter que ver, é uma coisa muito doméstica, mas não deixa de… enfim, logo vês.

Ahh estou a perceber. Mas a minha pergunta era se te convidaram para algum destes roasts?
Não, para os da Meio Termo não.

Mas gostavas de voltar a este formato?
Eu gosto de fazer roasts, só que tem de fazer sentido para mim. É um prazer do caraças fazer um roast porque é como se a pessoa que está a ser gozada te desse autorização deliberada para tal — e normalmente isso é um tipo de bombom que ninguém nos dá. É uma benesse incrível: “O quê? Ai posso gozar contigo à frente destas pessoas? Posso fazer piadas que te deixem confrangido e o objetivo é, ainda por cima, a malta vangloriar-me”. Em termos de formato tem muito pouca coisa para não ser bacano. Mas pronto, os protagonistas dos roasts que a Meio Termo tem arranjado, honestamente, se calhar há muitos deles sobre os quais eu não saberia o que havia de dizer, ou que se calhar nem fazia sentido a minha presença lá. E isto é mais importante do que eu ir a um roast só por ir.

Gostaste dos que viste na televisão?
Houve uns melhores do que outros. Demonstra muito a qualidade dos guionistas. Acho que há malta que é descabido lá ir, mas que só vão para ser o saco de pancada, e já se sabe disso – eles próprios quando aceitam já sabem. Até acho que a Meio Termo tem feito uma coisa muito bacana: os humoristas vão circulando, excetuando o Sinel, a Pipoca e o Hugo Sousa. Até têm sido bastante diversos os convidados. É óbvio que vão apostar na prata da casa, é isso que lhes interessa, é legítimo. Qualquer outra empresa faria a mesma coisa, não julgo a política deles. Mas até têm sido muito positivos na rotatividade das pessoas que lá vão. Há uns roasts melhores do que outros, mas isso tem que ver com o nosso gosto pessoal.

Naquele quadro branco ali ao fundo está escrito “Cagar no Dário”
Ah sim, isso fui eu que acrescentei há bocadinho, antes de vocês chegarem (risos)

Pensava que era um projeto.
Podia ser, podia ser.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados