Eleições Legislativas. Educação: uma verdadeira reforma?

por Marta Vicente,    2 Outubro, 2019
Eleições Legislativas. Educação: uma verdadeira reforma?
Ilustração de Beatriz Isidro / CCA
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A pensar nas legislativas de 2019, a Comunidade Cultura e Arte preparou uma série de artigos que pretendem dar ao conhecer aos leitores as medidas e as orientações específicas de cada partido que, no próximo dia 6 de Outubro, irá a votos. Com base naquelas que são das problemáticas mais importantes do país, confrontamos, em cada texto, ideias e visões de todo o espectro político.

Com as eleições a menos de uma semana, apresento, neste artigo, as principais linhas de ação, na área da Educação, referidas pelos partidos com atual representação parlamentar.

De forma mais ou menos explícita, nunca podemos deixar de falar de Educação. Enquanto base fundamental de qualquer sociedade democrática, é importante que esta consiga responder aos desafios do tempo, reinventando-se, encontrando uma solução para novos e velhos problemas. É, sobretudo, aos representantes políticos que cabe essa tarefa e, é com base na ideia de que a Educação é um direito que não pode ser negado a ninguém, que lhe dedicam algumas páginas dos seus extensos programas eleitorais.

Que escola querem os partidos?

Comecemos pelos programas escolares em vigor e currículos. O Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) propõe a sua revisão por equipas transdisciplinares, “tendo em vista a diminuição dos conteúdos e o seu ajustamento aos níveis de desenvolvimento das crianças e jovens”. O Bloco de Esquerda (BE) defende, também, a revisão dos mesmos.

Por outro lado, o Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS), para preparar os alunos para a “economia do futuro”, propõe uma atualização dos currículos do ensino secundário com base no “reforço das componentes de ciência, tecnologia, engenharia e matemática” dos programas; para além disso, defende o fim da existência de áreas estanques no ensino secundário, apresentando, como opção, um “núcleo de disciplinas base, comuns a todos os alunos, e um conjunto de disciplinas optativas de várias áreas, num sistema de créditos idêntico ao do nível superior”.

Já o Partido Socialista (PS), defende a diversificação curricular através da aposta na formação artística, da introdução de novas línguas estrangeiras e do ensino da programação.

Em relação aos exames de 9.º, 11.º e 12.º ano, o BE e o Partido Comunista Português (PCP) são contra a sua realização. O BE reforça, ainda, que a conclusão do ensino secundário deve ser separada do ingresso no ensino superior, não apresentando qualquer medida alternativa. O PCP fala sobre a “aprovação de novos modelos de avaliação dos alunos”, sem desenvolver a ideia. Também o PAN, sem desenvolver alternativas, parte da mesma crítica a um sistema que se move “em função de uma avaliação final”.

Por sua vez, o Partido Social Democrata (PSD) e o CDS reforçam o seu apoio ao atual sistema de exames e o PS não o refere no seu programa.

Para combater o insucesso escolar, o PS, entre outras medidas, propõe o desenvolvimento de projetos de autonomia reforçada para as escolas com piores resultados, com base na gestão curricular especializada; a criação de um plano de não retenção no ensino básico; e o incentivo à criação de programas de mentorando entre alunos.

O PCP, por sua vez, considera que este combate deve ser feito com base na “redução significativa do número de alunos por turma”.

O PAN, ao falar de insucesso escolar e formas de o combater, aponta para “Modelos de Inovação Educacional” que, entre outras medidas, prevê “práticas de relaxamento, mindfulness, filosofia para crianças, educação emocional e a aprendizagem através da natureza”.

No que diz respeito a fomentar a igualdade de oportunidades na escola pública, seja ela relativa a alunos com necessidades educativas especiais ou a alunos com fracas condições económicas, os partidos apresentam propostas que, ainda que não se consigam dissociar das referidas anteriormente, atuam diretamente sobre estas duas problemáticas.

O PAN apresenta várias medidas sobre o ensino especial, nomeadamente o reforço das unidades especializadas para este tipo de educação; a promoção de uma “linha de consultoria para as escolas que colaborem nas questões quotidianas em matérias de educação especial/inclusiva”; e a inclusão de “um módulo de formação básica em Língua Gestual Portuguesa no 1.º ciclo de ensino básico”. Quanto aos apoios sociais, propõe que sejam sempre garantidas as refeições às crianças, mesmo em caso de as famílias não as terem pago.

O PS fala em criar programas específicos que tenham como objetivo travar o abandono escolar por alunos com deficiência, através do desenvolvimento da transição entre a escolaridade obrigatória e a vida ativa. Pretende implementar um programa de apoio a famílias vulneráveis, de base local e, ainda, reforçar as políticas de ação social.

Quanto aos alunos com necessidades educativas especiais, o CDS refere, apenas, que as famílias devem ter liberdade para optar por projetos educativos diferenciados para os seus filhos. Por outro lado, fala-nos da necessidade da escola funcionar como elevador social e, nesse sentido, defende o fim da “prevalência do código postal como critério de acesso à escola” e afirma que “cada escola deve ter uma quota de entrada para os alunos com Ação Social Escolar que tenham aproveitamento de mérito”.

O BE aposta no “reforço da ação social escolar e materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos com necessidades educativas especiais”, defendendo, ainda, a contratação de terapeutas especializados.

Em traços muitos gerais, o PCP defende “o aumento da ação social escolar, (…), garantindo, entre outros aspetos, transportes, alojamento e alimentação”.

O ensino artístico apenas foi alvo de pequenas referências, sendo apontado, em geral, pelos programas políticos, a necessidade de ser reforçado e alargado. No entanto, nenhum partido nos diz como o irá fazer. O mesmo sucede com o ensino profissional, com a exceção do CDS, que fez deste uma grande aposta da política educativa do seu programa, numa ótica económica de supressão das necessidades do mercado de trabalho.

Um Ensino Superior para todos?

O PSD defende uma Reforma do Acesso ao Ensino Superior, assente em medidas como a criação, por parte destas instituições, de complementos de formação que reforcem a entrada de candidatos cujo “percurso anterior não ofereça garantias razoáveis de sucesso”. Defende, ainda, entre outras medidas, a abolição da limitação dos 30% como percentagem máxima de estudantes internacionais; o reforço nacional das residências de estudantes e apoios sociais a alunos deslocados, através da reabilitação de edifícios públicos degradados e do recurso a fundos regionais; e a criação de um programa ERASMUS +INTERIOR, assente na mobilidade de estudantes do litoral para o interior.

O PS compromete-se, entre outras medidas, a “aumentar os apoios sociais aos estudantes do ensino superior, em especial no âmbito das bolsas, das residências e do programa Erasmus”; a criar vagas de mestrado acessíveis por mérito e com base em preços ajustados; a permitir que um aluno que tenha beneficiado de uma bolsa de ação social no ensino secundário tenha automaticamente acesso a uma bolsa no ensino superior; a reforçar as residências de estudantes em 12000 camas até ao final da legislatura; e a incentivar o alargamento do número de vagas em horário pós-laboral.

Já o PAN refere a necessidade de “desenvolver ofertas formativas que possam contribuir para a fixação da população em territórios do interior”, sem adiantar como o poderá fazer. O mesmo acontece quando propõe “implementar uma estratégia para consertar a oferta e o investimento fundamental no ensino profissional, tecnológico, de aprendizagem e artístico especializado” e “tornar o acesso ao Ensino Superior mais diverso e flexível, (…), criando um modelo de acesso que contemple inúmeros fatores”.

O CDS defende a democratização do acesso ao ensino superior baseada na meritocracia, através de medidas como o reforço da ação social escolar; a reabilitação e requalificação de património para fazer face aos problemas da habitação estudantil; a promoção do sistema de empréstimos; e a possibilidade dos estudantes poderem concorrer a vagas não preenchidas por alunos financiados pelo Estado. O partido opõe-se, ainda, a que, devido ao fim dos mestrados integrados, o Estado possa definir preços máximos e limites de vagas para este ciclo de estudo, defendendo, em contrapartida, mecanismos de autorregulação por partes das instituições.

O PCP, por sua vez, propõe a criação de uma nova lei de financiamento do ensino superior e o fim do pagamento de propinas em todos os graus académicos. Defende, ainda, o fim do regime fundacional nas instituições e o reforço da ação social escolar direta, aumentando o valor das bolsas de estudo e o número de estudantes elegíveis, e da ação indireta, através da transferência de financiamento público às instituições para que estas proporcionem serviços de alimentação, alojamento, transportes, apoio médico de qualidade e apoio a estudantes com necessidades educativas especiais.

Por último, o BE compromete-se a reduzir, de forma faseada, a propina máxima entre 2019/2020 e 2022/2023, com uma redução, em cada ano, de 214 euros; a aumentar a rede de residências estudantis; a rever o regulamento das bolsas e a sua fórmula de cálculo; a aprofundar o financiamento do ensino superior politécnico, bem como dos seus apoios sociais; e a financiar plurianualmente as instituições, com a contrapartida de estas serem avaliadas relativamente às políticas de ação social escolar e combate à precariedade.

Maior ou menor autonomia das escolas? E as carreiras do corpo docente?

Quanto ao modelo de gestão das escolas, o PS fala no reforço da autonomia e modelos de participação interna das mesmas, justificando-se com o programa de flexibilização curricular. Para esse efeito, compromete-se a “permitir que as escolas decidam o número de alunos por turma”; a “dotar as escolas de meios técnicos que contribuam para uma maior eficiência da sua gestão interna”; e a “promover a existência de associações representativas de estudantes e de pais e encarregados de educação”.

O PAN apoia a descentralização através da aposta no diálogo entre Câmaras Municipais e o Ministério da Educação.

O CDS defende a autonomia das escolas a nível administrativo, financeiro e pedagógico. Neste sentido, defende que estas possam definir projetos educativos próprios, localmente e em ciclos de 6 anos, o calendário escolar e, entre outras matérias, a contratação de professores. Para além disso, é reforçada a sua defesa dos contratos simples e contratos de associação. Defendem, também, que o programa da disciplina de Educação para a Cidadania seja submetido pelas escolas a parecer obrigatório da respetiva Associação de Pais.

Também o PSD defende a autonomia das escolas com descentralização de competências, nomeadamente, entre outras matérias, em relação à organização de turmas, aos horários dos docentes e à abertura de novos cursos. O partido considera, ainda, que este processo deve funcionar paralelamente ao de descentralização para as autarquias.

O PCP, assim como o BE, apoiam a reversão do processo de transferência de competências para os municípios, com a justificação na necessidade de um modelo de gestão democrático.

Em relação às carreiras dos professores e à sua sustentabilidade, o BE apresenta o Programa de Rejuvenescimento do Corpo Docente, baseado na implementação de um regime temporário de antecipação da aposentação dos professores, com idade próxima da reforma, e no incentivo à contratação e vinculação de docentes correspondentes a necessidades permanentes.

O PCP fala de uma valorização das carreiras dos trabalhadores através da “reposição/aprovação de carreiras específicas para os trabalhadores de apoio educativo”. Defende, também, o respeito pelos seus direitos através da “integração nos quadros de todos os trabalhadores com vínculos precários que satisfaçam necessidades permanentes das escolas” e “a contabilização de todo o tempo de serviço congelado”.

O CDS propõe a revisão da carreira dos professores através de uma progressão assente no mérito, com a prestação de provas públicas em instituições do ensino superior. Propõe, ainda, a criação de um “programa extraordinário e voluntário de aposentação antecipada”.

O PSD, por sua vez, defende o reconhecimento do tempo total de serviço prestado até 2018, com base num faseamento não inferior a 6 anos, entre outras condições.

Já o PAN propõe, apenas, “negociação do prazo e do modo de recuperação do tempo de serviço congelado dos docentes com vista à sua recuperação integral”.

O PS fala na necessidade de criar “condições para uma maior estabilidade e rejuvenescimento do corpo docente”, sem adiantar como.

Em conclusão, fica muito por dizer e, principalmente, por explicar. No fundo, cabe a cada eleitor decidir qual considera ser o partido que, entre duas ou três medidas concretas, fundamentadas e devidamente estruturadas, se reveste de melhores intenções.

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