‘Doctor Strange’, as peças de sempre num tabuleiro diferente

por João Estróia Vieira,    4 Novembro, 2016
‘Doctor Strange’, as peças de sempre num tabuleiro diferente
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Não há neste Doctor Strange uma fórmula inovadora dentro do usual no Universo Marvel. Ainda que a mesma se tenha aqui reinventado em certa medida, sentimos já conhecer toda a sua história e abordagem como se de uma mera reciclagem de filmes anteriores se tratasse. Esperava-se uma “abordagem” mais negra por parte de Scott Derrickson, realizador de Sinister e Exorcism of Emily Rose. Apesar de tudo isto, Doctor Strange tem a capacidade de trazer uma fresca e ansiada originalidade nestas corporativas adaptações de BD.

Se a fórmula está gasta, as receitas de bilheteira mostram-nos que, pelo menos, está longe de estar esgotada como máquina de gerar interesse junto dos fãs. Para além disso, e quanto ao humor, esse é já cartão de visita distinguível em bons momentos de descontração durante o filme.

Grande parte do que de positivo Doctor Strange tem para oferecer prende-se sobretudo com o cast recheado de estrelas, onde se destacam obviamente Benedict Cumberbatch e Rachel McAdams. O primeiro é o protagonista desta história, Stephen Strange, um neurocirurgião brilhante, arrogante e milionário que repudia os sentimentos amorosos (cof cof Iron Man) que sente pela bela Christine Palmer (Rachel). Depois de um grave acidente que o deixa incapacitado de exercer a sua carreira, viaja até ao Nepal sob o pretexto de uma pretensa cura. Lá encontra Chiwetel Ejiofor (Mordo) e Benedict Wong (Wong), discípulos de uma irreconhecível Tilda Swinton (quantas vezes já se disse isto ao longo da carreira da actriz?). Mordo e Wong funcionam em prol do filme, proporcionando alguns momentos de maior seriedade e humor. Uma espécie de Ying e Yang neste espiritual filme de super-heróis.

É a cargo de Tilda Swinton (The Ancient One) que Doctor Strange vai adquirir super-poderes à medida em que aprende a questionar tudo o que tomava como certo na vida. Esta é, de resto, uma das camadas mais interessantes do filme, a par daquela que Doctor Strange tem na reabilitação pós-acidente para recuperar a totalidade das capacidades físicas que possuía e onde o actor faz uso de toda a sua qualidade para dar alguma substância à personagem.

Contudo, como é normal em filmes do género, há outras estrelas sem o espaço necessário para mostrar toda a sua qualidade. Reflexo disso é Kaecilius, o “mauzão” da história e invariavelmente o ostracizado neste tipo de situações. Mads Mikkelsen pouco fala e pouco mostra de si num vilão que tinha “motivações” e intérprete à altura para ser uma surpresa pela positiva. Le Chiffre faz Kaecillius parecer um menino de coro que sabe fazer truques de magia.

É no visual que este Doctor Strange se afasta da concorrência (que em número não lhe falta). Não é por acaso que Stan Lee aparece numa das suas famosas cameos como um passageiro de autocarro lendo “As Portas da Percepção“, livro de Aldous Huxley. O autor afirma no livro que a nossa capacidade de percepção sobre o que nos rodeia está filtrada pelo nosso cérebro. Para testar o contrário, tomou drogas que lhe permitiram abrir “as portas da percepção”, passando o espaço e as dimensões a ser “irrelevantes” e a não estarem limitadas pelo nosso cérebro.

E é neste imaginário que nos surgem os melhores momentos do filme, a par da luta interior levada a cabo por Strange. Este novo filme da Marvel possui cenários quase “tripantes” causados pela desconstrução das cidades (a fazer lembrar em alguns momentos o filme de Christopher Nolan, Inception) como se de um cubo de Rubik se tratassem.

Em suma, Doctor Strange não será um filme para recordar com saudade, mas é claramente um dos melhores títulos que a Marvel nos trouxe, com uma roupagem visual que faz valer a pena um visionamento em 3D. Em suma, um entretido filme de pipoca que proporciona bons momentos e um sentimento de satisfação para quem vai deliberadamente ao seu encontro mas que não deixa de desiludir quem já se começa a cansar da mesma receita de sempre por parte da Marvel.

Fiquem para a cena pós-créditos. Não a cena que aparece no final do filme em si, mas a cena que aparece depois de todos os créditos passarem.

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