Crónicas de uma Vida Parisiense: #5

por Miguel Fernandes Duarte,    8 Dezembro, 2016
Crónicas de uma Vida Parisiense: #5
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“Crónicas de uma Vida Parisiense – uma rubrica sobre a vida na capital francesa, pelos olhos de quem por lá está.”

Paris é uma cidade fria. Bem, pelo menos mais fria que Lisboa (de onde até chegam relatos de calor), onde vivia antes de vir para aqui. Anda tudo agasalhado desde início de Outubro e, francamente, quase pareceu que se passou do Verão directamente para o Inverno. Aquilo que vi do Outono foram apenas as cores, as folhas, e as castanhas.

Foi num destes típicos dias de Paris, nublados, a ameaçar chuva, que decidi visitar o Musée Rodin, dedicado ao famoso escultor francês Auguste Rodin. Costuma-se dizer, para quem está a dar uma volta pela cidade, que, se está a chover, o melhor é metermo-nos dentro de um museu. Acontece que tal não se pode bem aplicar a este, que tem, no seu belo jardim cheio de esculturas, o seu maior atractivo. Estivesse eu melhor informado e soubesse que o mais importante estava lá fora, talvez tivesse ficado por casa. Porque após ver o interior, onde está, por exemplo, a famosíssima escultura O Beijo, tinha ficado algo desiludido. Tudo bem que havia óptimas coisas lá dentro, mas a maior parte eram estudos, obras incompletas. “Onde está o trabalho final?”, pensava eu. Foi finalmente quando peguei no mapa do jardim que me apercebi que ainda estavam lá umas quantas obras por vislumbrar. Deixei a minha vontade de voltar para casa desiludido para trás e, apesar da pouca chuva que caía, lancei-me jardim dentro.

O que encontrei foi algo que não esperava – toda uma dimensão adicional de penumbra, de sentimentalidade, adicionada pela presença da chuva. Estátuas com fios de água, água a cair das extremidades, a tornarem-se ainda maiores e impressionantes. Encarando as estátuas nos olhos a intensidade era tão grande que as gotas a escorrer tornavam-se em lágrimas. Momentos de dor e sofrimento guardados em bronze. Como não ficar estarrecido com a carga emocional de um Pensador encharcado, debruçado nos seus devaneios? Ou com a dicotomia de umas Portas do Inferno que, por trás do chuveiro de água, talvez escondam chamas e terror?

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Nota-se que em Paris há claramente uma elite que é culta, que consome cultura em grandes proporções, ou não fosse esta uma metrópole cultural. Mas é igualmente visível a quantidade de pessoas que não gasta tempo com isso, ou por desprezo, por desconhecimento, ou simplesmente por não ter tempo para o fazer, mesmo sendo habitantes de uma cidade onde a cultura está por todo o lado. Nesse sentido, é importantíssimo elogiar o facto de todos os museus nacionais franceses, onde, além deste Musée Rodin, estão incluídos museus como o Louvre e o Musée d’Orsay (entre tantos outros), serem grátis para cidadãos da União Europeia com menos de 26 anos e cidadãos com menos de 18 anos no geral. Ser dada aos jovens a oportunidade de estar em contacto com tanta arte sem gastar um tostão é uma forma importantíssima de fazer com que os mesmos visitem os museus e formem um interesse pela área, pela cultura, pela descoberta. Mesmo do ponto de vista financeiro, o que pode ser mais lucrativo que criar, nos futuros adultos, uma vontade de visitar esses espaços (mesmo que nessa altura para eles já seja pago) por os terem visitado quando novos e se terem sentido arrebatados? A ideia de que os museus, se forem gratuitos, passam a ser olhados de forma leviana parece-me andar muito longe da verdade. Quem olha para os museus de forma leviana olhará sempre, caso sejam pagos ou gratuitos. Não é isso que alterará o olhar desses. Mas pode mudar a de tantos outros, que não têm como ir visitar esses museus se os mesmos não tiverem políticas como esta. São esses que crescerão como cidadãos muito mais literatos e conscientes da cultura e da arte que se faz, ou fez, no mundo.

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Muito provavelmente, se esta política não existisse, não teria visitado o Musée Rodin, com tanto museu em Paris com mais nome onde teria de gastar o meu dinheiro para lá entrar. Muito menos arriscaria gastar dinheiro numa visita paga a um museu no exterior, num dia em que estivesse a chover. O mais provável era mesmo, caso fosse pago, nunca ter tido estas sensações.

Para consultares as crónicas anteriores: #1 / #2 / #3 / #4

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