Crónicas de uma Vida Parisiense: #2

por Miguel Fernandes Duarte,    17 Novembro, 2016
Crónicas de uma Vida Parisiense: #2
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“Crónicas de uma Vida Parisiense – uma rubrica sobre a vida na capital francesa, pelos olhos de quem por lá está.” Podes ler aqui a primeira.

Praticamente todos os dias, ao chegar à universidade, passo em frente ao Café de Flore. Lugar mítico da cena social francesa, um dos mais antigos cafés franceses, frequentado por celebridades, quer actuais, quer passadas (como Picasso ou Georges Bataille), chega até a entregar um prémio literário de 6000€ todos os anos. E para honrar a fama boémia, o vencedor, além do dinheiro, tem também direito a beber, durante todo o ano seguinte, um copo por dia de Pouilly-Fumé, um famoso vinho da região do Loire.

Mas se os interiores são bonitos, é, no entanto, o exterior o local preferido para sentar, qualquer que seja a estação e o tempo, até porque, excepto as mesas da frente com as cadeiras viradas para a rua à boa maneira parisiense, a esplanada é fechada. Se estiveres fechado no interior ninguém te vê, e, para te sentares no Flore, é porque gostas de ser visto.

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Compete pela fama com o café do lado, Les Deux Magots, separado pelo Flore por nada menos que a estreita Rue Saint-Benoît e por uma loja da Louis Vuitton. Mas enquanto no Flore as mesas estão cheias, entre os locais e os turistas, o Les Deux Magots está visivelmente mais vazio, e a clientela que tem parece ser mais turista que local. O curioso é que esta era, aqui, até bem mais famosa. É o café tornado célebre por Sartre, Simone de Beauvoir e Camus, onde também andaram outros como Hemingway, Joyce, Brecht, Baldwin, Wilde, um sem fim de estrelas… e que agora vê toda a gente sentado no seu rival, que parece ter sugado para si quase todo o gravitas. Mesmo localizados numa das zonas mais ricas de Paris, a Boulevard Saint-Germain, estão dentro do seu microcosmos. Os turistas sentam-se, aliciados pela história dos lugares, pelo estatuto que tal lhes confere. São caros, mas se isso pode, mesmo que por momentos, pô-los ao lado dos célebres boémios parisienses (há quem por lá esteja quase todos os dias), porque não aproveitar?

Numa rua tão movimentada como esta, nem consigo imaginar os milhares de pessoas que passarão em frente ao Café de Flore por dia, a caminho do seu trabalho, ou de qualquer outra coisa que assinale a sua vida normal parisiense. São imensas as universidades localizadas ali perto, por exemplo, como a minha. Passo pelos cafés, como esses tantos outros, e observo os hábitos, a opulência, de quem por lá está sentado, a beber o seu chocolate quente vianense de 9€. Para muitos é só uma vez, mas para outros será um hábito diário. Passamos lá e pensamos que não precisamos disto para nos sentirmos bem connosco mesmos, que não quereríamos tanta agitação. Que mesmo que fossemos ricos preferíamos estar sentados num café bem mais calmo, não precisamos de nos mostrar ao mundo rodeado de pessoas famosas numa esplanada. Mas ao mesmo tempo sentimo-nos maiores quando nos é dada uma oportunidade de penetrar num mundo que sempre nos pareceu inacessível. Um dia destes, em vez de ser dos que passam e observam de fora, sou eu que me lá sento. Livro numa mão, chávena na outra, virado para a rua, armado em diletante.

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