Conan Osiris, um estranho e bom reinventor da música portuguesa

por João Estróia Vieira,    20 Julho, 2018
Conan Osiris, um estranho e bom reinventor da música portuguesa
Conan Osiris no Bons Sons 2018 / Fotografia de Linda Formiga – CCA
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Primeiro estranha-se, resiste-se, mas depois não há maneira de não viciar. Não é o que estamos habituados a ouvir, mas isso é porque à semelhança de Tiago Miranda, somos todos “borregos” e nos acostumámos a repudiar o que não conseguimos classificar ou colocar numa prateleira identificativa. Trabalho terão os senhores que arrumam as estantes de CD’s nas lojas – em que estilo colocam a música de Conan Osiris? A sua música parece vir dos quatro cantos do Mundo (por vezes, tudo isto na mesma faixa), mas vem ali bem de Lisboa. Despretensiosismo musical em novelos de contradições sonoras onde sons exóticos, orientais, são passíveis de se misturar com kizomba ou pedaços de música que parecem saídos de um jogo de consola.

Se não fosse músico, Conan Osiris tinha de ser costureiro (de alta-costura), pela forma como cose com tanta mestria o que em separado poderiam parecer retalhos musicais singulares sem qualquer conexão aparente. Autodidacta, produz e canta o que idealiza, Conan Osiris é a globalização musical numa só mente criativa que transpõe em letra e som um imaginário tão rico e abrangente como o nosso quotidiano. Temas tão nossos, tão normais, tão banais, transformados em músicas que permanecem na mente pela riqueza sónica.

Até ao ano passado, altura que Adoro Bolos caiu com estrondo nos nossos ouvidos, Conan Osiris já tinha lançado Silk, em 2014 e Música, Normal, em 2016. Mas é 2018 o seu ano, seu e do seu companheiro de palco, João, bailarino que o acompanha com danças hipnotizantes que nos fazem lamentar a falta de elasticidade semelhante. Em anúncios de operadoras, em festas de antecipação do Indielisboa, em programas de televisão, em entrevistas à Vogue onde canta à capela com uma harpa, Conan Osiris é um fenómeno que permanece viral pelo estilo e pela música.

Quem não adora bolos mas adora mais a “ti”? O verdadeiro recheio és “tu”. E quem não precisa de medicação para a falta de paciência? E as pessoas com celulitite, a mania que têm celulite? Conan Osiris está-se a cagar para isso. Com o mesmo despejo com que nos fala disto ainda nos dá alguns dos versos mais bonitos como “Diz-me” / “Se ainda tens frio” / “Se ainda arrepio” / “Se ainda te dou capios”, em “Nada Nada Nada Nada” ou um coração que se disponibiliza ao amor e ao drama da possível negação pelo nosso par em “Titanique” (que ainda manda um “malhão” lá pelo meio) “Eu vou-me amandar do titanique” / “(Se tu não vieres)” / “Eu vou-me amandar do titanique” / “(Eu quero lá saber)” ou a música “Nasce nas Açucenas”, um verdadeiro regalo auditivo para os românticos: “Esse rosto” / “Esse resto do rasto do sol de agosto” / “Modesto gesto” / “Admito sinto gosto” / “Passas no teste, a testa até estorva encosto”/ “Detesto mas manifesto” (…) “O céu até bolçou” / “O meu cofre até se abriu” / “O meu bucho até virou” / “Quando a minha retina te viu”.

Mas também há espaço para o lado mais sério, negando ironias, à semelhança do que já tinha feito na linda “Amália”. “Barcos (Barcos)” é esse lado mais sério e introspectivo (“Pra que é que eu ainda olho para o mar” /
“Se eu já sei como é que há-de acabar”) ou “Obrigado” “Eu só vinha trazer te um recado” / “Eu só vinha deixar-te um abraço” / “Eu só vinha dizer obrigado” / “Eu só vinha deixar-te um gelado” / “Eu só vinha dizer-te” / “Obrigado”. Nós é que agradecemos.

Conan Osiris é música do Mundo. É fruto da globalização acasalada com despudor em falar do que lhe vai na alma. É Bollywood, canto cigano, pimba, metal feito num qualquer simulador de instrumentos musicais para PC, é fado, kizomba e funaná. É tudo isto e muito mais. É música rica e riqueza de música, e não há como não adorar. Podemos falar de Variações, Carlos Paião ou outros grandes, mas não é necessário nem justo fazer comparações. Conan Osiris, junção do personagem principal da série Conan, o Rapaz do Futuro, de Hayao Miyazaki com Osíris, Deus egípcio, é único à sua maneira, e esperemos que o seu apelido artístico o faça continuar a prosperar riqueza lírica e sonora por muito tempo. Que lhe gritem “habib” por muito tempo nos seus concertos.

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