Complementaridade e sintonia. Em defesa dos homens

por Cronista convidado,    17 Julho, 2020
Complementaridade e sintonia. Em defesa dos homens
Fotografia de Manuel Meurisse / Unsplash
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É já antiga a escala que muitos homens heterossexuais ainda usam para classificar as mulheres na hora de escolherem parceira. A mulher/companheira para casar à mulher/companheira para pinar. Ultimamente, com a liberalização dos relacionamentos, essa escala tem evoluído para a mulher/companheira para ter filhos à mulher/companheira para não ter filhos. Habitualmente, para a sociedade machista, essa escala segue em paralelo com a escala da mulher de nossa senhora a badalhoca, conforme esta exibe ou não as formas do seu corpo em público, independentemente dos seus atributos mentais. Estes atributos são secundários, sendo os atributos físicos os que se sobrepõem neste ponto de vista extraordinário. Por exemplo, Joana Amaral Dias é, neste sistema de valores, uma simples badalhoca, apesar de todo o seu percurso académico, profissional e pessoal.

O que eu acho que está de errado com estas duas primeiras escalas (para casar/para ter filhos ou para pinar/para não ter filhos): o critério da utilidade da mulher para o homem. Isto pode parecer superficial, egocêntrico e até machista. Ainda mais se tivermos em conta o facto de se basearem nas outras duas escalas, que anulam a inteligência e a liberdade de expressão das mulheres. Isto de facto é sexismo puro. Voltando ao ponto de vista pernicioso do sistema, habitualmente estes homens escolhem a mulher para casar/ter filhos, que é bonita e obediente. Essa mulher pode já não servir os propósitos do macho, ou no início da relação ou mais adiante, nomeadamente os propósitos sexuais. E este homem vai perceber que esta mulher não compreende os seus desejos de homem primário, que a natureza lhe deu. Então vai tentar acasalar para outras bandas, mas só com mulheres para pinar/não ter filhos, de forma a preservar a sua moral (não é traição se não houver amor) e o seu bom nome (se for descoberto – porque habitualmente esconde – a sociedade machista protege-o, culpando a mulher badalhoca para pinar pelo seu comportamento e alimentando este caldo perfeito para este tipo de macho ter sobrevivido até 2020 na nossa espécie. Mantendo a badalhoca para pinar na base da escala é uma estratégia de defesa que preserva quer o homem macho primário, quer as mulheres para casar/ter filhos.

Outro problema é que inevitavelmente a utilidade se transforma em comodidade. Não haveria problema nenhum se todos fossem felizes com isso. Mas parece que o ser humano tende a ser inquietantemente cómodo. E estes homens acabam a ser as maiores vítimas, presos nas suas próprias convicções, muitas vezes manifestando-se num vazio existencial. Homens tão interessantes e tão cheios de qualidades aprisionados nestes conceitos seculares. E mulheres cheias de potencial, que não evoluem sob nenhum ponto de vista, envolvidas que estão no empenho em salvar relações tóxicas. É este o exemplo de gestão emocional que queremos dar aos nossos filhos?

Contudo, graças à evolução da espécie humana, este sistema é já obsoleto. Hoje em dia as mulheres já não são educadas para serem úteis aos homens, apesar de haver resquícios do conservadorismo machista no que toca ao papel da mulher na sociedade. Mas, graças a deus, patriarcado é palavra do passado e convém aos homens perceberem que o mundo não gira à volta deles. Tiveram, estas mulheres chamadas pós-modernas, outros propósitos e motivações na vida, fruto da evolução e das lutas feministas ao longo da história da humanidade. A sociedade pós-moderna tenta colocar homens e mulheres num patamar de igualdade de oportunidades e desafia os clássicos e desiguais papéis de género, apostando na partilha de tarefas domésticas como um excelente ponto de partida para atingir esse patamar. Vivemos em pleno mundo diluído, onde o caos não perde a sua ordem. Onde as coisas que se complementam repousam como peças de um puzzle encaixado. Nada se perde.

No meu ponto de vista, a melhor escala para uma relação longa e duradoura é aquela que escolhe o/a companheiro/a com base em critérios, à partida, imutáveis. Tendo como base uma relação baseada na horizontalidade e respeito pela individualidade, são a complementaridade e a sintonia, os atributos basilares numa relação, comportando-se como um sistema yin-yang. No sistema yin-yang, o desejo de querer que o outro se supere e melhore é o desejo de querer que o próprio se supere e melhore. A partilha é um passo natural a seguir. E a gratidão deve ser diária. É muito importante neste sistema as pessoas gostarem de desafios. Pois o desafio constante alimenta a relação. Convém ser resolvido em casal, com pena da dissolução da união.

Assim se é livremente feliz.

Crónica escrito por Mafalda Sousela
Sou uma médica, crítica qb, que escreve melhor do que fala, e que já publicou umas coisas na internet e em papel. Não tenho redes sociais. Apanho tudo o que me transmitem por outras vias menos enviesadas, hoje em dia. Estudo bastante, mas ainda consigo ler diariamente e ver filmes semanalmente. Uso poucas ou nenhumas referências nos meus artigos de opinião. Deixo isso para os artigos académicos. Não tenho medo de dizer o que penso. Gosto de aprender com os outros, admito o erro e habitualmente peço desculpa quando o faço. 

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