Com 3 letrinhas apenas…

por Rui Cruz,    5 Maio, 2019
Com 3 letrinhas apenas…
PUB

Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

…Se escreve CDS. Pau! Era lindo abrirem isto ao engano, a pensarem que era um texto lamechas sobre mães, e levarem com uma crónica sobre os desvarios da Cristas, não era? Mas não, é mesmo um daqueles textos lamechas.

Hoje é Dia da Mãe. Confesso que nunca sei muito bem o que dizer no Dia da Mãe e (já agora) no Dia do Pai. Parece-me sempre estranho estar a festejar o facto dos meus progenitores terem tido relações sexuais sem protecção. Sim, eu sei que, possivelmente, este parágrafo não será o melhor para começar um texto, mas dá-me um certo gozo saber que, neste momento, vocês estão com esta imagem aterradora na cabeça, os vossos pais, suados, a dançarem a Macarena horizontal com sons que só ouvimos nos documentários da BBC. Espera-vos uma óptima noite de sono.

Mas não é só por isto que não sei o que dizer neste dias. É que qualquer coisa que diga parece sempre pouco, qualquer prenda que dê parece pífia, qualquer foto postada nas redes sociais parece parva. E é, vamos deixar isto bem claro. Principalmente as fotos. Vamos parar com isso? Não é por nada, mas os vossos pais não querem elogios no facebook, até porque a maioria deles usa o facebook apenas para fazer montagens com molduras de quedas d’água, escrever em Caps e partilhar “notícias” do “Tá Feio” com títulos como “Papa distribui um anão por paróquia para acabar com a pedofilia na Igreja” muito indignados. Querem elogiar os vossos pais? Façam-no. Pessoalmente. Ou então arranjem uma crónica num site que fale de cultura e arte.

Entretanto, continuo sem saber bem o que dizer. Porque o que é que se diz a quem ficou acordado para dormirmos, a quem não comeu para comermos e a quem nos segurou na cabeça para vomitarmos (e isto já com idade para tirar a carta!)? “Obrigado”?! Talvez. Até porque, na teoria, os pais são mesmo obrigados a fazer este tipo coisas, não pedimos para nascer e ninguém os mandou ver o “Emmanuelle” e não controlarem as hormonas, mas a verdade é que tenho a certeza que eles o fariam sem o serem. Pelo menos sei que a minha mãe o faz, ainda hoje.

Não sei o que é ser pai e, desconfio, nunca saberei o que é ser mãe, mas sei o que é ser filho. E eu gosto de ser filho da minha mãe. É uma tipa porreira. Teve a gentileza de me emprestar dezenas de vezes roupa e maquilhagem sem nunca reclamar, coisa que fez quando decidi fazer o meu corte de cabelo à la hacker Rui Pinto. E tinha razão, ela. Mil vezes a saia de veludo e o batom roxo do que aquele visual Avec du Fromage. Tem razão algumas vezes, a minha mãe. Às vezes esqueço-me disso, acho que nos esquecemos todos, mas é normal, elas também não nos lembram quando a têm porque sabem que isso nos magoa. São boa gente, as mães. Pelo menos a minha é.

Não vou dizer que a minha mãe é a melhor do mundo, como todos fazem neste dia. Não foi por isso que comecei a escrever este texto. Até porque se eu escrevesse que a minha mãe é a melhor do mundo, estaria a dizer que a vossa não é e isso seria indelicado num dia como este. E também não é preciso. Para nós a nossa mãe é sempre a melhor, não precisamos de o dizer em voz alta. Elas sabem. O que por um lado é bom, poupa-nos o embaraço de expor sentimentos e podemos ocupar esse tempo com coisas mais produtivas, como pedir-lhes para fazerem aquele doce que só elas sabem ou reclamar porque não está frio e não precisamos nada de um casaco para ir à rua, por outro lado é chato porque muitas delas passam a vida sem ouvirem o quanto gostamos delas. Porque não precisamos, porque é tácito, mas não justo. E a vida das mães é sempre assim, injusta. Principalmente a da minha, que depois de ter estado um carradão de tempo de perna aberta e cheia de dores, acabou com um rafeiro de 52 centímetros nos braços, amarelo da icterícia e que preferia mamar nas tetas da gaja da cama ao lado do que nas dela. E mesmo assim continuou a dar-me dinheiro para comprar os meus CD’s de The Cure.

Vou acabar a crónica de hoje com a sensação de que não disse nada do que queria dizer. Ou melhor! Sem saber muito bem o que queria dizer desde o início. Sei que queria escrever sobre mães, sobre a minha mãe e sobre o amor de mãe, mas acho que não tenho muito jeito para estas coisas. O amor tem mais piada quando nos partem o coração e esse é o problema das mães, elas nunca o partem e mesmo quando o racham há sempre um tubo de cola à mão e o jeito para os trabalhos manuais que só as mães com aquelas actividades chatas de mãe, como fazer scrapbooks ou técnica do guardanapo, têm para o meterem como devia estar. Assim sendo, como não sei bem o que dizer e não tenho jeito para isto, em vez de acabar com loas vou acabar com algo mais “olha tão eu”:

Mãe só há uma. E ainda bem, que está lixado arranjar vagas no lar.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados

por ,    2 Maio, 2020

Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta […]

Ler Mais