‘Cold War’: um romance intemporal de um amor vivido à distância

por Paulo Portugal,    20 Setembro, 2018
‘Cold War’: um romance intemporal de um amor vivido à distância
“Cold War”, de Pawel Pawlikowski
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É talvez a grande estreia desta semana nas nossas salas. Isto depois de ter impressionado no passado festival de Cannes e de ter colhido o prémio de melhor realização para Paweł Pawlikowski.

Tal como no anterior e multipremiado Ida, vencedor do óscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2013, a descoberta do mundo era alcançada por uma rapariga que abandonava a vida de convento católico, aqui essa descoberta faz-se a partir de uma curiosa aproximação à herança do cinema documental, com imagens etnográficas rurais em 1946, com que o cineasta polaco iniciou a sua carreira, mas também pelas alternativas na Europa. Se em Ida havia um olhar ferido da 2.ª Guerra Mundial, agora temos o auscultar da realidade que se seguiu ao conflito e que comprimiu a Polónia entre as tais divergência entre o Ocidente e Leste e que acabam por justificar o título do filme.

“Cold War”, de Pawel Pawlikowski

Logo no início percebemos esse acordar depois do conflito, a mostrar-nos a riqueza do folclore nacional, a evoluir depois para as coreografias e a banda sonora do regime comunista ilustradas pela descoberta do talento de Zula, após uma descoberta num casting por Wiktor “ela tem algo especial”, disse a dada altura. Naturalmente, o romance nasce com uma promessa de amor eterno.

Um filme intenso, sublinhado de resto pela fotografia irrepreensível de Lukasz Zal, que ainda este ano recriou o ambiente de Dovlatov, de Alexei German, visto em concurso para o Urso de Ouro em Berlim, a replicar um ambiente semelhante do mundo literário e artístico nos anos 70, em Leningrado. Mas é mesmo nesse rigor plástico e visual que Sebrennikov fica aquém do mesmo feitiço do tempo, ao recriar os seus anos 80 de Leningrado.

“Cold War”, de Pawel Pawlikowski

Centremo-nos no trabalho de Pawlikowski, bem como no seu guião, e nesta intensa e irregular história de amor entre Wiktor e Zula, excelentes Tomasz Kot e Joanna Kulig, ao longo de um período suficientemente longo, desde o pós-guerra e consequente início da cortina de ferro, na Polónia, passando depois por uma Berlim dividida e uma bucólica Paris e Jugoslávia.
Só que essa é uma viagem de amores interrompidos e separados, devidamente acompanhada por tonalidades sonoras que medem a temperatura dessa paixão. Isto depois de decidirem fugir da Polónia, embora acabando por ir apenas Wiktor; Zula ficara para trás, pessimista no sucesso da escapada.

https://www.youtube.com/watch?v=nj-8eHb5NTQ

Este é um romance vivido à distância, pouco concretizado, que acabou por ter outras vidas de permeio. Mas que no entanto perdurou. E que se sente de uma forma intensa, e sem ter de ser obsessivo. De certa forma, esse faz parte dos romances plenos, embora doridos, um amor frio, sem o calor, ou uma guerra fria? Talvez por isso nos venha à memória outro romance tolhido, como o de Ingrid Bergman e Humphrey Bogart em Casablanca.

Sim, Viktor e Zula sempre terão a Polónia e merecem mesmo essa dimensão clássica. Até porque chegamos ao fim do filme com uma sequência final, aquele derradeiro plano, simbolicamente ‘dedicado aos seus pais’, de um banco vazio que constituem das coisas mais belas que o cinema há muito não nos dava.Artigo de Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt

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