Cass McCombs apresentou a sua carreira de canções fortes

por Bernardo Crastes,    12 Novembro, 2019
Cass McCombs apresentou a sua carreira de canções fortes
Cass McCombs. Fotografia de Vera Marmelo
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Foi no passado sábado, 9 de Novembro, que a Galeria Zé dos Bois recebeu o compositor e instrumentista Cass McCombs. A sala assumidamente pequena para a envergadura da carreira de um artista bem reconhecido na paisagem da música alternativa contemporânea revelou-se o local ideal para um concerto intimista, que se dedicou ao seu último álbum Tip of the Sphere – lançado este ano -, revisitando ainda outros clássicos mais recentes. O público atento vibrou com as guitarradas de canções mais aguerridas como “The Great Pixley Train Robbery” ou “Big Wheel”, e demonstrou respeito quando as coisas se acalmavam, como aconteceu em “Real Life”.

A abrir o concerto de Cass, tivemos direito a uma iteração com as mesmas inspirações na música americana, mas provinda do outro lado do oceano. A britânica Katy J Pearson, que se fez acompanhar da sua banda, partilhou connosco a sua voz à Angel Olsen, mais imberbe, mas com aquela nasalização característica. A artista deu um concerto leve e bonito, antevendo as canções que farão companhia a “Tonight”, única canção lançada até agora no Spotify. Esta última fechou o espectáculo, com a sua guitarra a lembrar Real Estate e um ritmo despreocupado, bem evocativo de um final de Verão. Uma boa surpresa que ainda há-de fazer algumas ondas na música.

Katy J Pearson. Fotografia de Vera Marmelo

No início do concerto do protagonista da noite, deu-nos a sensação de que todas as canções que tocava eram ideais para abrir álbuns: afirmações poderosas, com instrumentais que se impõem e exigem atenção. Entretanto apercebemo-nos que três das cinco canções que ouvimos eram realmente aquelas que abrem três dos seus álbuns mais recentes – “I Followed the River South to What” é de Tip of the Sphere e encontra Cass num registo não muito comum, quase gritando as letras, com uma intensidade por vezes desafinada, mas sempre genuína; “Bum Bum Bum” é uma das mais reconhecidas do artista, abrindo o muito amado Mangy Love, de 2016. O seu ritmo convidativo, aliado à melodia nostálgica e à métrica que convida a que o ouvinte acompanhe o artista na voz, foi um dos mais bem recebidos da noite; “Big Wheel”, da quase-antologia Big Wheel and Others, de 2013, foi especialmente musculada, com um solo prolongado que encheu a sala pequena e abriu as portas para que a América entrasse de rompante, sala adentro. No entanto, a sensação de que todas as canções poderiam inaugurar álbuns manteve-se. Ao longo de uma hora e 45 minutos, a sua carreira frutífera com cerca de vinte anos foi destilada numa setlist bem equilibrada.

Prova desse equilíbrio foi o momento acústico, em que o baterista foi descansar do clímax de “Big Wheel” e o resto da banda se dedicou a manter um ambiente mais contemplativo. “Real Life” soou bonita, mas o seu narcotismo não teve o mesmo impacto que a nocturna “County Line”, mais uma canção inaugural (de Wit’s End, álbum supremo de Cass McCombs) que impressiona não por ser um portento auditivo, mas sim pelo impressionismo da sua letra e pela afectação que Cass imprime na sua entrega. O facto de ter sido retrabalhada não lhe retirou a sublimidade que tem em álbum, sendo um dos momentos mais fortes da noite.

Pelo meio de toda a constância de singer-songwriter, ora mais folk, ora mais rock, a baixista saca de um gongo e um ritmo quase hip-hop sai das colunas. É “American Canyon Sutra”, o momento spoken-word de Tip of the Sphere, em que nos é contada a história de parques infantis, parques de estacionamento e lixo, uma visão americana decadente que muitos já exploraram. No entanto, o som do gongo torna esta reflexão em particular especialmente hipnótica, com o seu som incompleto que parece ficar a pairar, um pouco como a prosa que nos é contada e que acaba subitamente a meio de uma referência ao Walmart, sugerindo que este tipo de coisas não têm fim.

Cass McCombs. Fotografia de Vera Marmelo

Até ao final, passamos por diversas paisagens na ponte entre a folk e o rock. “Opposite House” (infelizmente sem Angel Olsen, que faz a sua segunda aparição neste texto) é calorosa, evocativa e melancólica; “Rancid Girl”, como o nome indica, é suja e árida; “Rounder” trouxe a experimentação jazz para a mesa, com as teclas à la Fender Rhodes tocadas por uma personagem de um western do Tarantino a pontuar o final dos seus 11 minutos; “Tying Up Loose Ends”, que em álbum tem um certo pendor country, cumpriu o que o seu título propõe, servindo como um preâmbulo apaziguador para a última música do set, o single “Sleeping Volcanoes”.

O encore começa sombrio e de forma inesperada, com “I’m a Shoe”, a canção mais deprimente de Mangy Love, mas também a mais indutora de trance. Perdoámos o artista por nos ter posto nesse estado de espírito num Sábado à noite porque a canção vale a pena, mas também porque logo a seguir, para amenizar as coisas, veio o ritmo constante de “Brighter!”, o supremo sing-along do seu repertório, para nos animar.

Saímos para a noite amena de Lisboa com a sensação de que assistimos a algo especial. O ambiente intimista contribuiu para isso, mas também a qualidade de quem faz isto há muito tempo e realmente adora fazê-lo. Cass McCombs não dá sinais de querer parar, felizmente para nós. 

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