“Cancel Culture”, por Nick Cave, Ricky Gervais e Pedro Mexia

por Comunidade Cultura e Arte,    15 Agosto, 2020
“Cancel Culture”, por Nick Cave, Ricky Gervais e Pedro Mexia
Nick Cave / Fotografia de Amelia Troubridge
PUB

A “cultura de cancelamento”, ou a “cancel culture”, tem sido um dos temas na ordem do dia, e já não é propriamente um tema novo. No entanto, tem ganho força com o levantar de grandes vozes da esfera pública. Por exemplo, o músico Nick Cave voltou a responder a cartas de dois dos seus fãs (Valerio e Frances), através do seu site The Red Hand Files, e levantou a questão: “O que pensa da cancel culture?”.

O artista australiano abordou o tema de frente e disse que “O politicamente correcto tornou-se a religião mais infeliz do mundo. Em tempos, uma tentativa meritória de reimaginar a nossa sociedade de forma mais justa, agora apresenta todos os piores aspectos que a religião tem para oferecer, e nenhuma da sua beleza — [cheia de] certezas morais e de uma arrogância acima de qualquer capacidade de redenção. Tornou-se numa má religião fora de controlo”, afirmou o músico.

O artista disse ainda que “A recusa da cancel culture em lidar com ideias desconfortáveis tem um efeito asfixiante na alma criativa de uma sociedade. A compaixão é a experiência primária da qual emergem o génio e a generosidade da imaginação. A criatividade é um ato de amor que pode chocar com as nossas crenças mais importantes, assim gerando novas formas de ver o mundo. Essa é a função e a glória das artes e das ideias. Uma força que encontra o seu significado no cancelamento dessas ideias difíceis trava o espírito criativo da sociedade”. acrescentou o artista que disse ainda que “No entanto, cá estamos, numa cultura de transição — e é possível que estejamos a caminho de uma sociedade mais equalitária — não sei”. O artista acaba a sua resposta/opinião com uma questão: “Mas de que valores essenciais abriremos mão nesse processo?”.

Kerry Godliman e Ricky Gervais em “After Life” / Netflix

Outra voz importante do mundo do espetáculo que também comentou este tema foi Ricky Gervais. Numa entrevista ao jornal Metro, o humorista afirmou que “toda a gente tem o direito de não ver um comediante porque não gosta dele, mas quando as pessoas tentam que alguém seja despedido porque não gostam da sua opinião sobre algo que não tem nada a ver com o seu emprego… é a isso que chamo cancel culture e não é fixe”, disse o artista e acrescentou ainda que “Desligarem a vossa própria televisão não é censura. Tentarem fazer com que outra pessoa desligue a sua televisão porque não gosta de algo que estão a ver, é diferente”.

Gervais disse também que “não devias ir parar a tribunal por fazeres uma piada de que alguém não gostou” e acrescentou que “se não concordas com o direito que alguém tem de dizer algo com o que não concordas, não concordas com a liberdade de expressão”.

Noutra entrevista, o comediante britânico afirmou também que a série “The Office”, um dos maiores sucessos, não seria bem recebida se fosse lançada hoje e com o clima cultural em que se vive: “The Office sofreria porque as pessoas levariam as piadas muito a sério. Era uma série sobre tudo — era sobre diferença, sexo, raça, todas as coisas que as pessoas temem até serem discutidas ou comentadas agora, caso digam a coisa errada e sejam canceladas. Hoje, algumas pessoas perderam o senso de ironia e contexto”, completou.

Pedro Mexia / Fotografia de Diogo Ventura

Por fim, o português Pedro Mexia, figura importante da sociedade portuguesa, é, entre muitas coisas, poeta, cronista, editor, crítico literário, tradutor, comentador, assessor do Presidente da República, também comentou a cancel culture. Numa entrevista concedida ao jornal Público, onde diferenciou a estética da moral, este diz que “Para mim é muito clara — e fiquei-me no Kant — a autonomia da obra de arte, da obra estética. Uma obra de arte deve ser julgada por valores artísticos, independentemente das ideias expressas ou implícitas, ou da biografia do autor.”, afirmou.

Pedro Mexia deu ainda exemplos de Polanski, Woody Allen, Chaplin e até Picasso: “não faz sentido julgar os filmes do Polanski pelo que ele certamente fez e os filmes do Woody Allen pelo que ele hipoteticamente terá feito. Percebo a angústia que isso gera em algumas pessoas.” e acrescentou ainda que “A mais letal das investidas é a investigação da biografia para fazer um juízo sobre a obra. Isso não vai deixar pedra sobre pedra. Não é preciso fazer investigações. Sabemos o suficiente sobre Chaplin e Picasso para os tirar das galerias e das cinematecas se o que estiver em causa não for a sua obra.”

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados