Auschwitz é sem dúvida um dos locais mais profundamente tristes onde estive. As fotos saíram-me entre os murmúrios das histórias contadas pela guia e o silêncio das lágrimas que me escorriam pela cara. O peso da dor humana, passados 75 anos ainda era tão denso como o nevoeiro que predomina nas manhãs de Janeiro nesta região.
Arbeit macht frei — “O trabalho liberta” — A frase que recebia os prisioneiros no campo. A luz de uma esperança que jamais chegaria. Liberdade era algo que não existia para além daqueles portões, mas “a máquina” foi construída com o propósito de ludibriar, e tal reflete-se no Bloco 11. Um bloco prisional, dentro daquilo que era já em si uma prisão a céu aberto. A tela do expoente mais baixo da dignidade humana. A sala das torturas. Não consigo sequer ter a frieza de imaginar o que questionaria um soldado a si mesmo, ao fazer a ronda entre aqueles corredores onde ecoavam gritos angustiantes de dor e desespero.

Mas consegui ter um rasgo da sensação, ao entrar numa câmera de gás e perceber que as paredes estavam cobertas das marcas do sofrimento daquelas pessoas, e que em cada uma dessas marcas estava o último suspiro de alguém.
Mas a humanidade consegue ter tanto de desprezível como de venerável, e isso foi-me provado pela resiliência de uma sobrevivente de 94 anos que nesse dia tive a honra de conhecer. Alguém que se deitou nas mesmas tábuas de madeira onde agora pousava a mão. Reparei, porém, que as mãos dela eram delicadamente lisas para a idade em comparação com as tábuas, que por sua vez tinham apodrecido e estavam quebradiças. Por aquela janela suja e embaçada, a miúda de outrora sonhou que poderia ser livre. 75 anos depois voltou para mostrar que conseguiu. Mas a alma o seu pai, irmão e tantos outros milhares de pessoas inocentes ainda jazem naquele campo, para de alguma forma nos lembrar que há erros que não são para serem repetidos.
Crónica e fotografias de Moisés Valente







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