‘Baronesa’ e a celebração da mulher

por João Estróia Vieira,    28 Maio, 2018
‘Baronesa’ e a celebração da mulher
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Um dos filmes sensação do último Indielisboa, Baronesa, documentário realizado pela brasileira Juliana Antunes, foi vencedor do Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa e o Prémio Especial do Júri TVCine & Series ex-aequo com a obra de Gustavo Vinagre, Lembro Mais os Corvos. Mais que um retrato sobre a vida nas favelas, Baronesa é um verdadeiro tour de force das suas protagonistas.

É ao som de um funk que temos a sequência inicial, com uma dança em que a câmara se centra nos poderosos movimentos da zona abdominal de uma mulher. Zona com significado, onde no interior é gerada vida e também zona de resistência. É esta a apresentação que nos é dada por Juliana Antunes sobre as mulheres que quer retratar, acompanhando para isso vidas que já vão a meio e que nós passamos a conhecer. Juliana Antunes não quer perder tempo com coisas que, na sua óptica, não lhe interessam. Os porquês ficam para a nossa imaginação. A vida nas favelas é mesmo assim, e é assim que Baronesa nos é mostrado. Não há um exercício dramatúrgico, há um exercício de realismo.

Aquele que começou por ser um trabalho de mestrado da realizadora brasileira acabou por tornar-se em algo inteiro e singular com uma obra que nos mostra a vida de mulheres singulares vistas também por mulheres que tentam singrar numa indústria tantas vezes machista. Interessante é perscrutar como nesse olhar feminino sobre o feminino é evitada a feminilidade, tantas vezes forçada quando há um homem por trás da câmara. Aqui não há um sentimento de dever, não há preocupações com o feminismo, com a delicadeza ou com as possíveis censuras ao objecto fílmico. Há, sobretudo, um olhar real e factual sobre a realidade, sem maquilhagens ou artifícios.

Como todos os habitantes destas favelas, Andreia e Leidiane são, sobretudo, sobreviventes, donas de uma força interior testada vezes sem fim pelo ambiente que as rodeia e sempre rodeou e onde a violência é um vizinho presente, sinalizado através do abrupto som de disparos que ecoam nas ruas da favela onde habitam. A falsa paz que se vive é violentada, levando à queda da câmara e a fuga repentina dos protagonistas que buscam abrigo. É este caminhar lado a lado com a violência, a sexualidade (neste aspecto existe uma cena particularmente “chocante” envolvendo crianças) e a droga que faz Baronesa destacar-se. Nenhum destes factos é escondido dos nossos olhos, pelo contrário. Juliana quer que entremos na vida destas três pessoas tal qual ela é.

Não há segredos nem omissões. Andreia, Leidiane e o seu amigo Negão são gentes das favelas. Tomam banho num depósito improvisado em casas ainda com o tijolo à mostra cujas paredes não são limite aos sonhos de uma vida melhor. A vista da favela é privilegiada sobre a cidade, mas as realidades estão a uma distância enorme que temos tendência em ignorar.

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