As perguntas a que ninguém quer responder

por Gustavo Carona,    15 Abril, 2020
As perguntas a que ninguém quer responder
Fotografia de Adam Nieścioruk / unsplash
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A luta nos hospitais é duríssima. Duríssima! Os corpos e os espíritos estão cansados, ainda que muito motivados.

Mais do que nunca, ter certezas absolutas é sinónimo de estupidez. Mais do que nunca, precisaremos de uma democratização de opinião. E era bom que a opinião viesse de boa informação. Informação essa que não existe, pois a ciência precisava do tempo que não temos. E por isso tomamos decisões sustentados no que não sabemos.

Mas a vida sempre foi assim. E agora para onde vamos? É preciso falar de vidas e de viver, com toda a subjectividade que isso traz. Achatámos a curva, e agora? A única certeza é que empurramos o problema para a frente e aliviamos um pouco os profissionais de saúde. Obrigado, na parte que me toca.

Na minha humilde opinião, vamos ter de encontrar respostas no cruzamento de áreas tão diversas como a saúde (incluindo a mental), a sociologia, a economia, a filosofia, com pitadas de liberdade e responsabilidade, misturadas numa panela de incertezas que é tudo o que temos neste momento. O futuro nos julgará. Eu não julgarei ninguém, porque não há pior momento na história para ser decisor político do que este.

Desde o início que acredito que a cura irá matar mais do que a doença. Mas acreditar é isso mesmo, pressupor como verdade algo que desconhecemos. Chamaram-me criminoso, apesar de me esforçar tanto para salvar vidas.

A ciência diz-nos que é cedo para fazer ciência: qual é a mortalidade desta doença? Não sabemos, porque não sabemos o número de infectados. Quantos são os portadores assintomáticos? Que certezas temos com um teste que tem 30% de falsos negativos (pessoas que são positivas mas cujo teste deu negativo)? Qual é a percentagem da população que já teve contacto com o vírus e por isso tem imunidade? Não sabemos. E por isso não sabemos o quão difícil será a segunda vaga, nem quantas vagas vai haver.

E por isso perguntem-se: quanto tempo querem viver de máscara? Quanto tempo querem viver sem afectos, sem beijos e sem abraços? Quanto tempo querem viver sem cultura? Quanto tempo querem viver sem estar com outras pessoas? Quantas pessoas morrem por não mexer as pernas? Quantos morrem por não ter nenhum motivo para viver?

A luta nos hospitais é duríssima. Duríssima! Os corpos e os espíritos estão cansados, ainda que muito motivados. Quase todas as áreas dos hospitais saíram afectadas, assim como os seus doentes, com a certeza de que o medo de ir ao hospital já matou muita gente, e sem ingenuidade sabemos que o adiar de consultas e cirurgias programadas não matará muitas menos.

A doença por si só também é um mundo de incertezas. Da minha perspectiva, vinda dos cuidados intensivos, nunca o desafio foi tão grande. Parece uma roleta russa. Porque é que infecta uns e outros não? Porque é que é tão grave nuns e noutros não? Porque é que uns são tão difíceis de ventilar e outros não? Porque é que pelo telefone a uns familiares dizemos que está a melhorar e a outros não?

Nunca foi tão difícil dar más notícias, porque nunca nos sentimos tão perto apesar da distância de um telefonema. E nunca pensámos que íamos dizer a alguém que não poderia estar ao lado do seu familiar para o adeus final e não velar o corpo antes de o dar à terra.

Esta luta é duríssima. E como é a luta dos que perderam o emprego? E como é a luta dos que não têm para comer? Como é a luta dos que têm em casa filhos com fome? Quantas vidas se perdem ao destruir a economia? Quantos países não dependem de ajuda humanitária dos ricos que agora vai ficar mais pobres e quantas vidas não se perdem por aí? Vão ser incontáveis as mortes silenciosas por este mundo fora, na tentativa de salvar também não sabemos quantos.

Alguns peritos em economia falam na pior crise económica desde o crash de 1929, onde, num mundo ainda não globalizado, foram milhares que morreram à fome só nos EUA. Não há valor maior que a vida, o que não é o mesmo que dizer que a vida não tem um preço. E se o preço da minha vida é não viver e deixar outros morrer, eu direi: “Não, obrigado!”

Democraticamente, decidimos fecharmo-nos em casa e até decidimos temporariamente perder a democracia. E agora, democraticamente, vamos ter de decidir entre duas más decisões, num momento em que tudo o que sabemos é que o certo e o errado se confundem.

Isto não é um apelo à rebelião. É um apelo à reflexão de quem tudo tem feito para salvar vidas, mas que acredita que uma vida não é um coração a bater, de máscara, fechado em casa, sozinho à espera de morrer, à espera de uma vacina que demorará anos-luz até ser para todos.

As respostas estão na mistura de tudo um pouco, onde cada português terá a sua opinião e nenhuma estará certa ou errada, porque não há nada mais íntimo e idiossincrático do que a forma como olhamos para a vida… e para a morte. Temos de tomar as nossas decisões baseados nas emoções (que nos ligam à vida), mas sustentados na razão (a vida de todos nós).

Por qual dos caminhos salvamos mais vidas?

Este artigo foi originalmente publicado no jornal Público, tendo sido aqui divulgado com a devida autorização do autor.

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