As estruturas linguísticas de Ferdinand de Saussure

por Lucas Brandão,    9 Dezembro, 2017
As estruturas linguísticas de Ferdinand de Saussure
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No estudo integrado da linguística e da semiologia subjacente, o suíço Ferdinand de Saussure é a principal referência nessa articulação, estando ao lado do norte-americano Charles Sanders Peirce nesse papel. Tamanha relação só poderia ter repercussões numa série de áreas do saber, como a filosofia, a sociologia e a psicologia. Entre signos e significados, a organização dos conceitos e de toda a envolvência do saber é enquadrada nesta perspetiva linguística, capaz de reproduzir uma tessitura ampla de estruturas conceptuais. O nome do suíço serviria, desta feita, como uma referência na perceção de um estudo salvaguardado em prol da creditação e investigação das várias margens do saber.

Ferdinand de Saussure nasceu a 26 de novembro de 1857, em Genebra, na Suíça, país onde viria a partir no dia 22 de fevereiro de 1913. As reconstruções teóricas pelas quais sobrevoou levaram a uma série de estudos na estruturação de uma linguística com teor científico. Assim, não descarta nenhum idioma do seu plano, conforme assume a obra lançada em 1879, “Mémoire sur le système primitif des voyelles dans les langues indo-européennes”. Apesar de, atualmente, não representar um dos figurinos mais atualizados do estudo da gramática, não deixa de ser um nome consensual em ambos os lados do Atlântico, estimulando as vias de estudar o funcionalismo de cada termo, de cada som. Entre os mais influenciados, surge o nome de Noam Chomsky, que o estudou para a sua gramática transformacional.

Os signos, significados e significantes

Na base do seu trabalho, Saussure assumiu o signo como conceito básico e organizativo da estrutura linguística. A arbitrariedade inerente a este expressa-se através da natureza convencional, normal, da língua, que enaltece a forma fonológica das palavras de cada uma.  No reverso, está a não-arbitrariedade, em que vários tipos de significados linguísticos são transmitidos a partir de diferentes tipos de estruturas gramaticais, que são percebidas de forma funcional. O livro póstumo “Cours de linguistique générale” (1916, lançado postumamente), constituído pelas aulas e palestras que deu na Universidade de Genebra, entre 1906 e 1911, lança o mote de um novo entendimento das palavras, fulcrais como produtos coletivos derivados da interação social. Tratam-se de instrumentos a partir dos quais os seres humanos conseguem compor e articular o seu mundo.

Este novo fenómeno linguístico traz o idioma como esse sistema formal, constituído por vários elementos diferentes, para lá da mera dialética da emissão-receção. Cada signo linguístico desdobra-se em significado e significante. O primeiro é o conceito que é mentalmente assimilado quando essa palavra é lida ou ouvida, já o segundo diz respeito à forma semântica e fonética da palavra, compondo-se por letras e sons; por sua vez. Tratam-se, ao olhar de Sausurre, de noções meramente psicológicas, mas que, nos dias de hoje, adotam o significante como a forma material perante o significado.

Este dualismo linguístico passou a ser o fundamento primordial da linguística, com o signo a puder dispensar essa ligação entre a sua própria existência e o significado associado. Deriva, desta feita, dos pensadores antecessores, de origem grega, medieval e escolástica, que consideravam a ligação incontestável, e despoja o significado do hemisfério da palavra, relacionando-o ao significante para constituir o signo devidamente conceptualizado. Os signos vêm o seu próprio significado esclarecido na relação com outras palavras, em contextos delimitados de signos que possibilitam a existência de uma comunidade discursiva. A desconstrução dos signos permite, assim, a compreensão de como os seres humanos sintetizavam os estímulos físicos para as palavras e demais conceitos.

“Psychologically our thought-apart from its expression in words-is only a shapeless and indistinct mass.”

Cours de linguistique générale

A semiologia

As noções de signo, significado e significante levaram o suíço a ser reconhecido como um dos fundadores da semiologia, a ciência que estuda, precisamente, os signos, os símbolos, e as noções inerentes a estes nos contextos em que atuam. Na linguística, os eixos sintagmático e paradigmático foram aqueles nos quais a descrição das palavras se desdobrou. O termo advém do grego semeiotikos, um interpretador de signos.

A ver do suíço, um linguista é capaz de desenvolver uma análise diacrónica de um texto, mas deve contar com uma forte base histórica daquilo que são as estruturas do idioma que está a escrutinar. Isto sustenta-se na definição de linguagem, que é um sistema de signos que expressam ideias, composto e desenvolvido através da atividade social, e parte componente dos estudos da psicologia. Naquilo que são os signos, estes podem ser aplicáveis a qualquer contexto onde se possa efetuar uma análise dos símbolos e signos existentes, chamando a essa prossecução a semiologia.

Para lá da historicidade da língua, o enfoque foi conferido aos padrões e funções desta, assente na já mencionada arbitrariedade das relações entre o significado e o significante, assumindo uma análise nesse trilho. A importância do pensamento de Santo Agostinho de Hipona não é descabida, no sentido em que visualizou o pensamento humano à imagem da adaptação sausseriana, tendo este filósofo tomado como base uma série de noções e conceções do conhecimento aristotélico e neoplatónico.

Mesmo não tendo sido formalizada através do suíço, as ciências sociais viram-no a propor a semiologia aplicada à sociedade, estudada à luz da psicologia, e que investigava as causas e fundações dos signos, para além das leis subjacentes. Ao olhar do linguista, e à imagem da ciência na qual trabalhou durante uma vida, via a semiologia somente passível de ser interiorizada e acomodada após as ciências sociais se ajustarem e definirem os contextos a estudar e nos quais atuar.

A língua e o seu utilizador

Os atos discursivos, consumados nos usos concretos da língua (la parole), levam essa vontade livre singular a uma revelação, com la langue a ser regulado pelo grupo de utilizadores do idioma. Assim, o significado associa-se à langue, enquanto o significante à parole. Os vocabulários de cada idioma tornam-se herméticos, fechados e pouco recetivos à mudança, estabelecendo-se estaticamente nas suas regras gramaticais e constitutivas, e só crescendo a partir das evoluções situacionais, sociais e tecnológicas.

A langue encapsula, em si, as regras e convenções de um dado sistema significante, estando independente de utilizações e utilizadores individualizados. Por convenções, entende-se aquilo que, tacitamente, estes mesmos utilizadores acordaram, na forma deste ou daquele vocábulo possuir um certo significado, assim como a própria articulação de um certo conjunto de letras. Daqui, advêm as sucessões linguísticas discursivas (parole), onde se revelam as diretrizes da langue, que surgem como as normas de um jogo perante as escolhas e preferências individuais nesse mesmo jogo. Neste capítulo, os signos, ao articular um segmento sonoro ou escrito com uma noção, são percebidos na parole através da langue. A segunda depende da primeira de forma a uniformizar aquilo que é o processo linguístico de expressão deste ou daquele conceito, desta ou daquela ideia. É neste prisma que Saussure aponta para o estudo da langue como a etapa mais importante no entendimento de um idioma, na construção de sentidos, para lá do vocabulário de parole.

A influência

Ferdinand de Saussure seria alvo de escrutínio pelo que havia escrito e proposto após a sua morte, considerando, muitos dos seus sucessores no estudo da linguística, novas ideias, que aprofundaram os passos dados pelo suíço. O papel da cognição seria explorado, assim como a própria temporalidade do idioma, embora se fossem sustentando nas estruturas propostas, inicialmente, por Sausurre.

Conforme mencionado, o estruturalismo de Saussure seria uma ferramenta conceptual a partir da qual muitos desenvolveram profundo trabalho. Neste núcleo, incluem-se vários franceses, como o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o psicanalista Jacques Lacan, o também linguista, teórico e filósofo Roland Barthes, e o filósofo Jean Baudrillard. A própria semiologia foi revalorizada, homologada, e adaptada ao estudo da lógica filosófica, tanto do ponto de vista do discurso comunicativo, como da própria representação dos agentes protagonistas deste. Para além, também conheceria um novo cunho, após estudos mais contemporâneos, passando a designar-se, enfim, por semiótica.

Ferdinand de Saussure tornou-se proeminente na formação e formulação científica e estruturalista da linguística. O seu papel na construção de um entendimento das línguas e dos idiomas nacionais e internacionais desdobrou-se numa análise que se repercutiu por outras áreas do saber, capazes de aplicar, no seu entendimento e explicação da realidade social, o método científico. Codificando e orquestrando métodos e signos, Saussure construiu a simbologia de uma falada e mentalizada metodologia.

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