As 15 melhores canções nacionais de 2019

por Comunidade Cultura e Arte,    26 Dezembro, 2019
As 15 melhores canções nacionais de 2019
Ilustração de Carlota Real / CCA
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Depois de nos debruçarmos sobre a melhor música que se fez lá fora, em termos de álbuns e canções, entrámos no universo musical português. Já olhámos para os melhores álbuns nacionais do ano, mas agora voltamos a mergulhar mais fundo e vemos as canções que, por si só, nos impressionaram ao longo deste 2019. Entre novos cruzamentos, regressos esperados e artistas desafiantes, houve bastante riqueza no cancioneiro nacional deste ano.

As 15 canções desta lista espelham o consenso do grupo de redactores que participou no processo de escolha, tendo sido referidas mais de 80 canções diferentes. A pluralidade de opiniões é um dos motes da nossa Comunidade e é por isso que consideramos este tipo de rankings tão importantes.

Aqui ficam as 15 melhores canções nacionais de 2019 para a Comunidade Cultura e Arte. Podes ouvi-las na playlist que fizemos para ti no Spotify, onde juntámos as canções nacionais às internacionais.

15. Xinobi – Fado Para Esta Noite

Há uns anos, com a ressurgência do fado e com a nova vaga de fadistas a apelar à juventude, já se esperava que ocorressem cruzamentos com outros géneros. Estamos em 2019 e o fado já se cruzou com o jazz, com o rock, já foi usado em samples de hip hop e, agora, é mesmo banda sonora para o fecho de uma discoteca. Uma batida lenta e bem produzida, à moda de Xinobi, serve de base à voz poderosa de Gisela João, que imbui a canção da nostalgia que o fado instiga, ao cantar o desejo e a saudade mais pura, com belíssimos detalhes clássicos (a alfazema, a colcha de chita, o santo alumiado). De estrutura simples, cada drop traz mais detalhes e uma vontade renovada de dançar, mesmo à medida que a canção se vai apaziguando. Era este o cruzamento de que precisávamos. – Bernardo Crastes

14. Ganso – Não te Aborreças

A última faixa do álbum Não Tarda é um balançar deste seu trabalho discográfico, embora chegasse, em primeiro lugar, aos ouvidos na forma de single. Com uma sonoridade leve, mas ritmada, é uma canção que trata o quotidiano e o dia-a-dia com musicalidade, sem se privar de um leve trago de apelo à inspiração. “Não te Aborreças” convida a que essa inspiração permaneça viva e que a criação seja fértil, por mais que amparada pela “mudança da perspetiva”, a tal que traz “as expectativas” mais ou menos concretizadas. – Lucas Brandão

13. André Henriques – E de Repente

André Henriques, dos Linda Martini, decidiu, de repente, enveredar por um percurso a solo. Depois de ter estado envolvido na canção “Terra de Ninguém” – outra grande canção deste ano – com Cristina Branco e Luís Figueiredo, eis que lança o primeiro aperitivo do seu álbum de estreia, a sair no ano que vem. A guitarra bluesy dita o mote obscuro, mas é quando a batida de marcha e sintetizador envolvente aparecem que nos pomos em sentido. A entrega vocal de André Henriques torna impossível não pensarmos na banda de onde o conhecemos, mas aqui entrega-se a um rock diferente, mais sinuoso e inesperado. “E de Repente” é “um filme sem refrão, uma canção sem trailer, uma história de amor improvável” e tão misteriosamente como surgiu, de repente, acaba. – Bernardo Crastes

12. David Bruno – Aparthotel Céu Azul

2019 foi o ano em que David Bruno criou o personagem Adriano Malheiro, um caloteiro que deve dinheiro a todos, mas que viu o seu coração ser roubado por uma pessoa muito especial. “Aparthotel Céu Azul” é a tentativa de convencer a ladra a dividir o saque emocional com ele, e Malheiro não poupa esforços: uma suíte no mítico Aparthotel Céu Azul, com direito a bar aberto de bebidas coloridas e côdeas de croissants. Por muito tentador que seja esta premissa, é a base instrumental que a circunda que torna o convite impossível de recusar: um baixo arranhado e cheio de estilo faz pandã com a guitarra que desliza pelo tema, alimentada a um reverb que potencia os licks fervorosos que saem das mãos do guitarrista Marco Duarte. O tom sussurrado e sedutor com que David Bruno dispara nomes de cocktails orgulhosamente caseiros promete uma noite inesquecível com um tipo irresistível. E na remota e distante hipótese dos avanços de Malheiro serem infrutíferos, temos a sua banda sonora incrível para nos reconfortar. E isso sem dúvida que merece um saudoso brinde com Safari Cola com Coca da Gruta. – Miguel de Almeida Santos

11. Chico da Tina – Freicken

“Freicken” explora uma das mais interessantes facetas artísticas de Chico da Tina: o modo como faz a melodia crescer sobre a faixa base. A letra, num dialeto pouco decifrável – que com repetidas audições se vai tornando ligeiramente mais perceptível – é completamente irrelevante em termos de conteúdo, mas estruturalmente, a métrica, a rima e as aliterações alimentam as oscilações vocais e overdubs, construindo o mais tecnicamente rico tema do álbum. De reconhecer ainda a produção de Co$tanza e Bejaflor, e a sincronia que revelam para com a visão do rapper. – Sara Miguel Dias

10. Luís Severo – Primavera

“Primavera”: um dos mais acarinhados tons do disco O Sol Voltou, em que se sentem os verdadeiros tragos da Primavera. Isto especialmente num desabrochar da emoção e da proximidade íntima. Sente-se o sabor a paz e o convite a sorrir, num apelo de otimismo que é, afinal de contas, real. O acompanhamento musical ajuda a que o lirismo se cumpra na sua missão: a de apaziguar e a de aproximar, a de soltar o sussurro do carinho e o cantarolar da liberdade. – Lucas Brandão

9. Branko – Tudo Certo

“Tudo Certo” foi uma das primeiras grandes canções do ano. Branko soube aproveitar bem o momento de Dino d’Santiago – um artista que, hoje em dia, parece imparável na sua rota ascendente. A letra da música parece uma leitura do percurso de Dino e, olhando ao seu sucesso, é impossível não acreditarmos quando ele nos diz que vai dar tudo certo, mesmo. Juntemos a isso a batida certeira de Branko e temos um grande hino feel good. Se vos passou despercebido ao longo deste ano, ouçam-no em loop para dar inspiração para o ano vindouro. – Bernardo Crastes

8. Samuel Úria – Fica Aquém

“A tempestade foi forjada / E a mão humana tinha garra / Enxerto que pegou de estaca / Fica aquém”. Assim se inicia a escalada sonora que é “Fica Aquém”. Nesta canção, o cantautor mais acarinhado do país fala de valores sociais, dos problemas da sociedade e de um mundo corrompido. Conhecido por fazer exercícios crípticos e simbólicos quando escreve, Samuel Úria é um músico que passa a mensagem sem passar as ideias concretas – como, aliás, grande parte dos bons letristas -, deixando sempre muito espaço para o mistério e para a imaginação. No caso de “Fica Aquém”, o vídeo que acompanha a canção serve para levantar um pouco esse véu. O recurso a erros no código do ficheiro, de forma a corrompê-lo – mas não na dimensão em que o mundo está corrompido – e torná-lo bastante visualmente confuso, a escolha das imagens específicas a usar. Úria diz que não se considera um ativista, mas que, por vezes, os assuntos são tão fortes que não consegue ficar calado. Esta canção é um desses exemplos; “há imagens que são tão marcantes e assuntos que são tão prementes e causas que são tão impossíveis de ignorar, que eu também não as consigo ignorar a minha música”. – Sofia Matos Silva

7. Pedro Mafama – Lacrau

Uma das revelações de 2019 às quais prometemos estar atentos durante a próxima década. Em “Lacrau”, encontramos uma sonoridade que descende directamente de Conan Osiris ou ProfJam, sem a eles soar. Misto de arabesco com trap com (arriscando bastante aqui) Amália, numa espécie de Carnaval negro e desgostoso; uma poética de tanta qualidade que pode ser usada como argumento numa qualquer discussão com um boomer que acuse as gerações posteriores de falta de carinho à língua portuguesa; e um refrão que é, apesar da complexidade da letra, orelhudo. Aguardando os passos futuros. – Luís Miguel Davies

6. Manel Cruz – Invenção da Tarde

Não foi single, mas “Invenção da Tarde” é um dos tesouros de Vida Nova, o mais novo álbum de Manel Cruz. Nem todas as músicas do ano têm de passar nas rádios, e a frequência desta é a da vulnerabilidade do crescimento, da passagem do tempo, do amor e do acordar. É o reflexo da própria luta na elaboração do álbum e é o reflexo da vida de cada um. É o chegar ao fim, temporário ou permanente, perceber o caminho que ficou para trás e perceber que “não há paz de mão beijada”. Numa entrevista à Visão, Manel Cruz disse que “a felicidade é uma tanga. A paz é muito mais legítima, em que podes estar triste ou feliz, é uma questão de consciência, em que te pões no teu lugar”. A “Invenção da tarde” é, dizemos nós, a banda sonora. – Linda Formiga

5. Lena d’Água – Hipocampo

Canção orelhuda para fazer comboios alegres em festas (como no tempo dos avós) e com um título que, injustamente, não é palavra do ano para as publicações que nomeiam palavras do ano, “Hipocampo” é uma das jóias da coroa do regresso da rainha dos anos 80 aos discos, um momento de incentivo ao êxodo urbano e uma lírica de Pedro da Silva Martins (que esteve por trás dos poemas de Deolinda) que rodou nos Spotify dos millenials e da Gen Z portuguesa tanto quanto trap. A Lena continua jovem e está para durar. Um tchim-tchim. – Luís Miguel Davies

4. Slow J – Só Queria Sorrir

Esta é a canção com que mais empatizamos de You Are Forgiven (o melhor termo para descrever esta sensação é mesmo “relatable”). Toda a gente já sentiu cada uma das palavras que Slow desabafa. Toda a gente já se sentiu inútil, fraca, incapaz, cansada. “Como é que outros se levantam? / E eu não / Pensamentos viram culpa / Não lembram / De encontrar os que me cansam / Só me atrasam / Quem vai me dar a mão, minha motivação”. Já toda a gente teve dias em que não se consegue levantar da cama, perdida em pensamentos que viram bola de neve, sem encontrar motivação ou razão para levantar. Independentemente das dificuldades na vida de cada um, das razões que levaram Slow a sentir-se assim e a escrever estas palavras, e das razões que nos levam a identificarmo-nos com elas, a verdade é que é um sentimento universal. “Eu sempre quis mudar o mundo mas não mudo”. Todos queremos mudar o mundo. Todos queremos fazer a diferença, deixar o mundo um pouco melhor do que estava quando nele aparecemos. “Só vim dizer que eu ‘tive aqui”. Todos queremos deixar algo para trás, mas há dias em que não temos forças para isso. É curioso ver que, na evolução do álbum, na música anterior Slow entrega o seu coração, nesta cai e na seguinte começa a perdoar-se e a ficar em paz. “Eu só queria sorrir e nunca mais viver depressin’”.  Sofia Matos Silva

3. Sensible Soccers – Como Quem Pinta

As palavras são da própria banda: “Como Quem Pinta” é “uma espécie de quadro”, o seu loop “uma tela, uma tela na qual se ia pintando e os sons que iam aparecendo iam decorando esse quadro”. É essencialmente isso. Os sons vão aparecendo, suaves como pinceladas leves, até que os arpeggios ganham forma e se vão sobrepondo, tornando o clímax da canção num caos controlado de sintetizadores, sustido pela batida que soa a palmas. No final, ficamos com um Pollock de melodia, impressionante pela sua intensidade e estrutura. Sendo a canção instrumental, não há uma componente lírica para avaliar, mas há algo indubitavelmente belo e poético nesta canção.  – Bernardo Crastes

2. Capitão Fausto – Amor, a Nossa Vida

A Invenção do Dia Claro mostrou que a maturidade assenta que nem uma luva aos Capitão Fausto, o que muito se deve à melódica seriedade de músicas como “Amor, a Nossa Vida”. Foi o terceiro single do álbum a ser lançado e mais um dos incontáveis exemplos que provam que à terceira é definitivamente de vez. É uma música sóbria e madura, com uma história de final triste contada com um tom adulto e pragmático, sem nunca deixar que isso se sobreponha à bonita poesia metafórica de Tomás Wallenstein. Começa com um piano esperançoso que transita para uma estrofe tristonha de bateria pacata e guitarra distante. Mas apesar do soturno sentimento inerente, há uma doçura fantástica ao longo do tema, especialmente na confissão dolorosa do refrão de Wallenstein. As cordas respondem adequadamente a essa dor e mostram um lado mais chamber pop dos rockers tornados quebra-corações. “Amor, a Nossa Vida” é um hino do dissabor que dá vontade de celebrar como se fosse amor, e (mais) uma prova definitiva que a mocidade já não serve aos Capitão Fausto. – Miguel de Almeida Santos

1. Conan Osíris – Telemóveis

Surgiu como um cometa no início do ano passado, iluminando o céu da opinião pública  tempestades de aprovação e reprovação, relâmpagos em ambos os sentidos. Mas, ao mesmo tempo, afirmando-se como um nome ímpar e incontornável no panorama da música portuguesa. “Telemóveis” é mais um golpe de génio. Tema que, à semelhança de muitos outros do artista, pede o seu tempo para se entranhar, e que a cada repetição nos parece convencer mais. Um comentário no YouTube diz: “Portugal, Brasil, Médio Oriente, África, Balcãs, Índia e Japão, tudo numa simples canção”. “Telemóveis” ressoa em quem tira o casaco impermeável e não tem medo de andar à chuva. O fado do futuro está a escrever-se, e estamos a ouvi-lo em directo. Num gesto que fala contra o nosso tempo, tenhamos a coragem de também nós partirmos o telemóvel; e partirmos à aventura. – Tiago Mendes

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