Álbum de estreia dos Whosputo é o local onde o jazz, a electrónica e o rock se encontram para brincar

por João Miguel Fernandes,    14 Maio, 2020
Álbum de estreia dos Whosputo é o local onde o jazz, a electrónica e o rock se encontram para brincar
Fotografia de Marta Ribeiro
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Chamam-se Whosputo e lançaram no passado dia 6 de Abril o seu primeiro álbum, Art of Decay. São portugueses, oriundos de Lisboa, mas o seu som é de todo o mundo. Podiam facilmente ter-se colado às suas influências, mas, graças ao seu talento, a banda consegue criar uma sonoridade bastante própria, criando aqui um dos álbuns portugueses mais interessantes dos últimos anos.

Facto: após o sucesso de Tame Impala, assim como aconteceu com The Strokes, começaram a surgir inúmeros projectos-cópia dos mesmos. Alguns artistas transformaram-se até para tentarem alcançar a fórmula dos Tame Impala. As razões são diversas e não interessa serem debatidas, mas o problema essencial é a falta de identidade que uma banda-cópia gera e o facto de soarem ao mesmo que já foi feito. Esta última parte não é propriamente um grande problema, já que nem todos os artistas têm que ser inovadores naquilo que fazem, mas por vezes limita a própria criatividade da banda que tenta agradar a um público especifico e aproveitar a onda do sucesso de outra bandas. Este não é o caso dos Whosputo, mas podia ter sido. A diferença é que a banda usou aquelas que possivelmente foram as suas influências para criarem uma identidade própria.

Quem começa por ouvir o seu álbum poderá pensar “há qualquer coisa de Thundercat aqui”, mas passado alguns segundos perdemos essa noção e já achamos que é mais parecido a algo mais indie. De repente fugimos desse mundo e já estamos num ambiente quase 100% jazz, mas sem darmos por isso entramos novamente na electrónica e no estilo mais glitch. Há uma grande coesão neste álbum de estreia, mas há essencialmente uma noção musical muito grande. Há uma diferença entre músicos de escola e músicos “de rua”. Quando se consegue juntar o melhor dos dois mundos, então temos algo como este Art of Decay.

São dez faixas com uma intro pelo meio. Curiosamente, este álbum tem praticamente a mesma duração do álbum mais recente de Thundercat, mas isto é apenas uma coincidência. A voz, que muitas vezes é colocada em segundo plano em projectos do género, é aqui elevada a instrumento principal. Aliás, há um cuidado em potenciar todos os instrumentos, desde teclas a baixo, passando pelas guitarras e pelos samples.

“Purple Vests” é uma música poderosa, não no sentido de ser agressiva ou intensa, mas mais na forma como conjuga todos os seus elementos num nível de grande qualidade. Esta música podia bem ser de Thundercat. Bem, quase, há um misto de identidade muito própria dos Whosputo. Essa identidade é explorada na segunda faixa, onde mergulhamos num universo um pouco mais indie rock, mas sempre com uma mistura electrónica bastante forte e um uso da voz de forma bastante pop, no melhor sentido que essa palavra pode ter.

“Floating” é uma música interessante porque mistura elementos das duas primeiras faixas (a electrónica/jazz com o indie rock) e introduz-lhe uma nova componente dançante, a fazer por vezes lembrar o português Moullinex. Estamos todos a sonhar com aqueles dias de sol em que podemos dançar esta música durante horas e horas (por favor, alguém que faça um remix desta faixa). Em “Be A” somos transportados para um slow electrónico, onde a voz comanda mais uma vez os ritmos e melodias. Se a voz de Raimundo Carvalho não é uma das mais interessantes da música portuguesa dos últimos anos, então não devemos estar muito longe. Apesar de ser uma música algo diferente das anteriores, consegue ao mesmo tempo manter a mesma identidade.

“Same”, “Whole Again” e “Everybody Says” continuam na mesmo caminho onde o jazz namora com a electrónica, mas cruza-se com a pop, o indie rock e, a espaços, com algo mais dançante. Esta orgia musical resulta numa obra-prima completa, onde cada estilo representado tem momentos de glória. Há poucos casos de exemplos musicais do género em Portugal. É certo que Moullinex, D’Alva e até Marvel Lima exploram estes universos com excelência, mas não da mesma forma que os Whosputo o fazem. Não por serem “melhores” ou “piores”, mas simplesmente por serem diferentes.

“Why Don’t You?” e “Inhale” fecham aquele que é um dos melhores álbuns do ano, não só nacional mas também internacional. Whosputo devem ser escutados com atenção e explorados ao vivo assim que haja oportunidade. Há um talento muito grande neste quarteto, há um grande conhecimento musical, mas há também uma grande noção de como construir uma música com diversos elementos, conseguindo ao mesmo tempo criar uma identidade própria. Se tudo correr bem no mundo, os Whosputo vão ser uma grande referência no futuro, possivelmente fora de Portugal, assim como Moullinex o é.

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