Ai, ai, ai, meu machadinho!

por Rui Cruz,    6 Janeiro, 2019
Ai, ai, ai, meu machadinho!
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

2019 iniciou-se há 6 dias e parecia que ia começar bem, encontrei 20 euros num casaco que não vestia há meses; o meu irmão e meu PT vai para Buenos Aires, fazendo com que tenha muito menos dores no corpo a partir de Agosto; e o Rui Vitória foi despedido. Tudo parecia alinhar-se para fazer deste ano um ano porreiro, mas afinal não passou de uma ilusão. Em 6 dias temos mais polémicas do que um set do Louis CK. Foi a tomada de posse do Bolsonaro, onde a mulher dele falou em língua gestual, a única maneira de falar sem ele a mandar calar; é a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do Bolsonaro a dizer que menina veste de rosa e menino de azul; é a Judite e a “senhora lá de casa” (já agora, obrigado Judite! “A senhora lá de casa” dá um óptimo título para um romance, um filme, uma peça ou um solo. Vou usar); é o casal que fez ou não fez sexo na passagem de ano à frente de toda a gente; é a luta entre o Kenzo e a Rita para ver quem saiu primeiro da vagina dilatada da mãe; é o Macedo a ser absolvido do caso dos Vistos Gold, provando mais uma vez quem são “os senhores cá de casa”; e, por fim, temos a cereja no topo do bolo, o Mário Machado a ser entrevistado pelo Goucha no programa da manhã da TVI. E é isso, 2019 ainda agora começou e já tem mais acção do que um filme do Michael Bay. E por este andar, quando chegarmos ao Verão, vai ter o mesmo número de labaredas.

Mas se todos estes assuntos são importantes, especialmente o do Kenzo e da Rita (o que só demonstra a necessidade da introdução de tecnologia no parto, como photo finish de vulvas, ou um VAR de cesarianas, por exemplo), há um que me despertou mais a atenção: a entrevista do Mário Machado e as repercussões que teve. Bom, antes de mais, tenho a dizer que gostei muito da entrevista. Aliás, por mim, a partir de agora, o Mário Machado estava em todos os programas da manhã. Primeiro porque vê-lo a tentar passar por pessoa séria dá um óptimo bloco de comédia, depois é ali que a extrema direita faz sentido, num programa para velhos e ao lado de vigarices como o Cogumelo do Tempo e, se ele tiver de acordar cedo todos os dias, isso quer dizer que à noite vai estar demasiado cansado para matar pretos. Toda a gente ganha!

Atenção, não estou com isto a dizer que apoio a entrevista! Hoje um tipo tem de dizer estas coisas para não ser chamado logo de fascista, no entanto confesso que achei piada à coisa. Achei piada à entrevista ser feita por um homossexual que defende a liberdade de expressão no seu programa, mas não no dos outros (não é, “5 Para a Meia Noite”?); achei piada ao “jornalista” que é tão saudosista que ainda acha que uma camisola de gola alta lhe dá qualquer credibilidade intelectual; achei piada à maneira como apresentaram o Mário Machado como alguém que “tem declarações polémicas”, como se fosse apenas um tipo que diz que o George Clooney é o melhor Batman; achei piada ao próprio alinhamento do programa, que para além do Mário Machado ainda teve o Marinho Pinto e o Paco Bandeira, que disse coisas como (citando livremente porque não me apetece ver outra vez aquilo, ainda tenho o Black Mirror para degustar e, apesar de já ter roubado um cromo da caderneta da Panini do Hugo Leal em 99 ao Diogo, não mereço o castigo) “eu não sou um agressor, eu fui acusado de violência psicológica e que violência foi essa? A irmã da minha ex mulher disse que uma vez dentro de um armário ouviu-me chamar prostituta à minha ex mulher, ou melhor, rameira, que é um termo que eu nem uso, não é da minha zona”; e achei piada, sobretudo, à maneira como a TVI está a tentar ganhar audiências à Cristina Ferreira. Sim, porque isto foi uma ogiva nuclear que a TVI decidiu lançar. Esta entrevista mais não é que uma maneira de chamar a atenção para um horário que vai entrar em guerra.

E aqui é que está um dos grandes problemas que vamos ter de resolver e não sei como. Actualmente, o extremismo dá audiências. E eu percebo as nossas TVs, aquilo é um negócio. Um gajo olha lá para fora e há carradas de coisas a acontecer, há os coletes amarelos na França, há o Bolsonaro no Brasil, há o Trump nos EUA, há o Brexit em Inglaterra, há Italia e Espanha a terem um crescimento enorme das extremas e os canais televisivos a lucrarem milhões com a cobertura de tais eventos, e depois temos isto, Portugal, onde as coisas que dão mais audiências são um cozinheiro a gritar insultos e pessoal que decide voltar a 1872 e casar por encomenda. Queriam o quê?! Eu percebo esta necessidade de arranjar alguma coisa má, algo que meta medo, que resulte em indignação e artigos e tweets, porque o medo e o ódio, hoje em dia, vendem mais do que um dealer na after party dos Globos de Ouro. E a verdade é essa, as televisões (e jornais) em Portugal estão mortinhas para terem um crescimento das extremas por cá, porque confusão rende. Por isso é que dão destaque a manifestações que têm tanta adesão como um comício da Maria de Belém, como a dos nossos coletes amarelos, por isso é que a reportagem sobre a IRA foi feita da maneira que foi e por isso é que a Soraia Chaves aparece vestida na novela da SIC. Medo, ódio e polémica é o que rende.

E é por isso que não me espanta nem me irrita muito esta entrevista do Mário Machado, porque sei que foi feita apenas para chamar a atenção, como aquele puto irritante que se esfrega no chão do hipermercado na esperança de que isso resulte na compra daquele brinquedo que vai largar mal chegue a casa, porque é isso que a TVI vai fazer com a extrema direita quando aparecer outra coisa que dê mais audiências, como o novo treinador do Benfica ou porno. Isto só tem a importância que lhe decidirmos dar. Se quisermos que seja uma cena importante, é. Se quisermos que seja mais um tiro no pé da estação televisiva que escolheu dar um programa ao Alexandre Frota, é. Está em nós a decisão de dar audiências a isto ou não e mostrar que por aqui não é o caminho. Ou não. A decisão é nossa. E, por mim, a decisão está tomada. Já que pago Netflix e pago…

No entanto, se para vocês ainda há dúvidas, e se a TVI precisar de ideias, deixo aqui algumas coisas que poderão ver/fazer a médio prazo:

-Violador de Telheiras a fazer vox pop na Moda Lisboa;

-Vale e Azevedo a comentar o caso Marquês;

-Rui Vitória como comentador desportivo.

De nada!

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