Adam Smith, a “mão visível” da economia moderna

por Lucas Brandão,    7 Maio, 2020
Adam Smith, a “mão visível” da economia moderna
Adam Smith / Fotografia de Wikimedia Commons
PUB

Nascido e vivido no século XVIII, o escocês Adam Smith é aquele que é considerado o pai da economia no Ocidente. Foi o primeiro a dar à economia o papel de uma ciência, dotando-o de um pensamento científico rigoroso. Smith cresceu em pleno Iluminismo Escocês, numa altura em que as ideias eram vistas como a referência para o pensamento científico e não mais as instâncias católicas. Foi nesta fase que os números passaram a ditar mais do que as letras. Com uma formação cuidada, que passou por Glasgow e por Oxford, deu aulas de filosofia moral e trouxe para a filosofia a economia, abrindo as portas para uma discussão que se tornou fértil e, ainda hoje, é vista como pioneira e referencial. Embora na altura em que escreveu fosse visto com desconfiança e até com troça, a verdade é que o escocês alcançou um patamar similar ao de Karl Marx na história do pensamento económico.

As duas grandes obras

O pensamento de Adam Smith desdobra-se em dois grandes livros, obras essas, claro está, publicadas no século XVIII. A primeira, “A Teoria dos Sentimentos Morais”, foi lançada em 1759, sendo a obra que, para o próprio autor, constituiu a referência do seu pensamento. É um exame feito ao pensamento moral de então e propõe que a consciência advém das relações sociais que, dinâmicas e interativas, desencadeiam a procura, por parte das pessoas, de sentimentos de simpatia mútua. Com esta obra, o objetivo foi explicar a fonte da capacidade do ser humano formular julgamentos morais, dado que, no início da sua vida, não são munidos desta ferramenta. É, assim, proposta uma teoria da simpatia, em que a observação do outro se torna a referência, assim como os próprios juízos de valor que são feitos em relação a outrem ou a si mesmos, que permitem fazer com que haja consciência de si e do seu comportamento. Aquilo que é dado de retorno dessas relações e dessas produções é o que permite dar o mote para que se procure essa simpatia mútua. É uma simpatia, assim, que se torna basilar nas relações humanas e no funcionamento da consciência e do comportamento humanos.

Esta obra é muito mais filosófica que a sua sucessora, “A Riqueza das Nações”, e, como tal, procura desenvolver outro tipo de noções, mais básicas e elementares que as das relações económicas. Os seres humanos procuram, antes, a compaixão e a sintonização com o outro ao nível do comportamento e das relações humanas, o que não é sinónimo de relações económicas. Não obstante, aquilo que se pode comparar entre ambas é, de facto, o auto-interesse, em que a primazia do eu está subjacente às argumentações desenvolvidas. É o que se constata, então, na obra que lançou dezassete anos depois, com “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” (1776, também conhecida somente por “A Riqueza das Nações”). Estando a base moral e social introduzida para o seu raciocínio sobre como deveria de funcionar o comércio e a economia como um todo, sem descartar eventuais questões éticas, Smith entregou-se à missão de uma nova visão sobre esta futura ciência social.

É aqui que todo o pensamento científico económico começa e na qual todo ele orbita, em que introduz as célebres noções da “mão invisível” e da “divisão do trabalho”, com o objetivo de fomentar a riqueza das nações. Aqui, defende a importância de cada um e do seu trabalho para a receita da sociedade, tendo o dever de contribuir o máximo que conseguir para esse objetivo. No entanto, a “mão invisível” acaba por direcionar o esforço de cada trabalhador para o efeito da receita a produzir pela sociedade, dado que cada um tem as suas próprias metas de gerar lucro para seu próprio proveito. Assim, o que é lucro do particular, é também lucro do geral. Por isso, não é por caridade ou por benevolência que as necessidades de uma sociedade são supridas, mas sim pelo próprio auto-interesse de cada trabalhador no desempenho das suas funções. Defendia, assim, um mercado livre, sustentado numa competição entre as partes trabalhadoras, beneficiando a sociedade com um controlo de preços implícito, ao mesmo tempo em que a oferta é variada. Porém, alertava para o ensejo de alguns dos grandes empresários poderem conspirar ou especular de forma a que os preços subam. De igual modo, era contra os monopólios precisamente por esse controlo desmesurado dos preços atribuído àqueles que tutelam essa área de negócio, podendo aumentar a seu bel prazer.

Também era contra a interferência das grandes empresas no sistema político, podendo fomentar a formação de lóbis, capazes de influenciar a legislação e a própria atuação das forças políticas vigentes. Os interesses são vários, plurais, e o seu conflito deve ser devidamente mediado, sem colocar em causa o bem-estar e a prosperidade da sociedade. A aprovação da legislação seria, assim, devidamente escrutinada e pensada antes de se formalizar, tendo em atenção potenciais proteções ou privilégios atribuídos a certas empresas. O Estado, contudo, devia focar-se noutras áreas, como a da educação, a da segurança e a da administração pública. Como alicerces de uma sociedade bem governada e bem provida, defendia, assim, uma divisão de trabalho adequada, a multiplicação produtiva das diferentes áreas e serviços, que proporcionasse uma troca equitativa de bens ou serviços, sendo sinónimo de uma economia saudável e sadia, uma mais-valia para a prosperidade de todos. Para isso, seria importante salvaguardar a produtividade de todos, assim como mercados mais acessíveis para um maior número de pessoas, traduzindo-se numa subida do nível médio de vida. Em suma, com um mercado competitivo e dinâmico, é possível criar crescimento suficiente para suprir as necessidades de todos, tendo em conta as capacidades produtivas de cada um e a possibilidade de alocar um maior número de trabalhadores para áreas de maior procura.

Apesar do seu egoísmo e rapacidade, embora pensem apenas nos seus próprios interesses, embora o único fim que se propõem alcançar a partir de milhares de empregados ao seu serviço seja a gratificação dos seus próprios desejos vãos e insaciáveis, os ricos partilham com os pobres o produto de todos os seus progressos. São guiados por uma mão invisível que os leva a fazer uma distribuição dos bens necessários à vida praticamente equivalente à que teria sido feita se a terra tivesse sido dividida por todos os seus habitantes em partes iguais, e assim, sem o pretenderem ou sem que o saibam, promover o interesse da sociedade, e proporcionar os meios para a multiplicação da espécie.

“A Riqueza das Nações” (1776)

A divisão do trabalho

O primeiro conceito crucial na teoria económica de Adam Smith é a divisão do trabalho. Smith prevê o funcionamento do industrialismo – que só chegaria e se imporia no século XIX – e, na sua base, a divisão do trabalho como a organização mais capaz de colocar os níveis de produtividade em alta. Para o escocês, esta divisão seria determinada pelo próprio progresso económico, movido por uma força dinâmica que mobiliza toda a atividade económica. Isto não descura, porém, a possibilidade desta divisão levar a um processo corrompido e degenerado, recorrendo à importância do governo em prevenir esta eventualidade.

Porém, Smith, no geral, era defensor desta especialização do trabalhador e da sua concentração num só espaço, podendo particionar o processo produtivo em pequenas tarefas, rentabilizando as suas funções e a sua produtividade. A interdependência destas tarefas é o que permite que o processo produtivo possa decorrer de forma precisa e previsível, abrindo espaço a uma crescente eficiência dos trabalhadores. No entanto, Smith identifica a necessidade de encontrar equipamento adequado para cruzar com as skills de cada trabalhador, tendo em conta as necessidades da própria empresa naquilo que pretende produzir. A cooperação entre o capital humano e a maquinaria e demais ferramentas é o que permite levar a cabo a produção, aproveitando o desenvolvimento tecnológico para um paradigma de modernização e de rentabilização constante do processo produtivo. Esta seria uma das grandes questões do pensamento de Karl Marx e de Friedrich Engels, assim como a (não) existência de um mercado livre, a partir do qual teceriam críticas ao modelo económico que se viria a impor no século XIX e que inspirou a formação de uma outra linha dura do pensamento socioeconómico.

As forças de mercado e a “mão invisível”

O mercado é algo que Adam Smith considera como fundamental para uma economia em funcionamento pleno, com olhares para a produtividade e para a prosperidade de uma sociedade. Para si, o mercado tinha de estar livre de quaisquer tipos de privilégios, de monopólios e, maioritariamente, da interferência das forças governamentais. Para si, aquilo que a economia produzia havia de ser originado pela força do trabalho e não por outros modos que não implicassem uma competição perfeita, em que a procura corresponde à oferta em valores praticamente exatos. Estas ideias seriam, em muito, repensadas através de Friedrich Hayek, um dos pensadores económicos de referência do século XX. De igual modo, Adam Smith traz à baila a ideia da “vantagem competitiva”, tomando em conta a necessidade dos diferentes países importarem e exportarem, já que não poderiam ser especializadas em todas as áreas. Dessa forma, tomando partido de relações comerciais liberalizadas, poderiam efetuar trocas tomando em conta as suas vantagens competitivas e fazer a sua riqueza depender dos bens e serviços à disposição dos seus cidadãos.

Porém, aquilo no qual Adam Smith seria absolutamente crucial seria na apresentação do conceito da “Mão Invisível”. Em suma, corresponde aos benefícios sociais que, de forma não intencional, um indivíduo acaba por proporcionar, apesar de agir por sua própria conta e para seu próprio benefício. Esta sua ideia inspira-se no estudo que havia feito da escola fisiocrata francesa, uma escola de economistas que defendiam que a riqueza das nações advinham do valor da terra agrícola e dos seus produtos resultantes. Porém, ao invés de a considerar ligada diretamente à produção e ao uso do capital, considera-a ao nível da troca comercial e do funcionamento do mercado, dando azo à filosofia laissez-faire, em que o proveito para a sociedade e para a riqueza nacional acaba por se constituir de forma automática.

A “mão invísivel” funciona assim independentemente da vontade de quem produz, por mais egocêntrico que o empresário seja. Isto porque, por muito que a produção possa saciar os seus desejos, existe a necessidade de distribuir o que remanesce e de o fazer ser consumido, acabando por atuar a favor da sociedade e dos seus interesses e necessidades. Isto não nega a premissa em que Smith defende o respeito pelo desejo humano e pela sensação de alguém se poder sentir honroso, embora seja contra o egoísmo e a insaciabilidade dos mais ricos. Na sociedade, isso traduz-se na receita anual que pode ser traduzida na produção económica desse ano, sendo que a “mão” orienta os interesses que cada um tem e que procura realizar em prol do benefício da sociedade.

É a mesma “mão” que distribui o que é produzido para suprir as necessidades existentes de cada cidadão, acompanhando eventuais explosões demográficas – com os devidos ajustes à produção que a procura exige – e não discriminando nenhuma parte da sociedade. Aliás, a relação patrão-empregado é vista perante o prisma do rendimento, sendo que o rendimento do patrão é independente daquela que é estimada o empregado receber, dependendo, sim, do próprio trabalho. Para Smith, a riqueza advém da possibilidade de empregar diferentes trabalhadores e, por oposição, a pobreza surge da manutenção de diferentes servos. Esta “mão” não deixa de ser um tanto ou quanto ambígua naquilo em que se pretende situar, se é no funcionamento das trocas comerciais internacionais e na economia nacional como um todo (macroeconomia), se é no próprio processo produtivo de cada empresa e no seu posicionamento e funcionamento na escala do seu mercado (microeconomia).

Adam Smith na economia clássica e no liberalismo

O pensador tornou-se, desta forma, absolutamente crucial na constituição daquilo que se conhece como economia clássica e no desenvolvimento do liberalismo. Smith apresenta diferentes noções quanto à atividade económica, assim como sobre a origem dos preços, a distribuição da riqueza e aquilo que a deve controlar e potenciar. Contando com os fatores de produção elementares – a terra, o trabalho e o capital -, aborda assim a importância da tão providencial divisão do trabalho, a limitar pelas necessidades do mercado e pelas funções correspondentes a cada empresa e indústria. Também dele veio a noção da alocação de recursos, sendo parte providencial das empresas de poderem orientar aqueles que têm à disposição da forma que considerarem mais lucrativa, possibilitando uma maior receita para todos, tanto patrões como empregados.

Numa visão mais macroeconómica – ou seja, respeitante à economia nacional e internacional como um todo -, identificou a riqueza de cada nação como o seu proveito anual, ao invés do erário régio, isto é, da riqueza reunida pelo Rei sob a sua tutela.  Seria uma receita somente gerada a partir, claro está, da terra (dos landlords), do trabalho (dos operários) e do capital (dos capitalistas), na forma de rendas, salários e juros ou receitas. Smith defendia que a principal força de rendimento viria do trabalho produtivo, sendo que o capital seria a força organizativa do lucro, possibilitando o investimento que catapultasse a produtividade do trabalho e o crescimento económico.

Abriu portas a que o liberalismo entendesse as forças do mercado – nomeadamente a procura, a oferta e a competição, sempre distantes da regulação governamental, já que só assim é possível maximizar a riqueza de uma sociedade. A produção de bens e serviços orientada para o lucro torna-se a máxima, guiada por uma “mão invisível” que orienta os trabalhadores e as empresas para o bem comum. É esta “mão” que dá o sustento moral para a possível acumulação de riqueza, riqueza essa que defende acerrimamente, nomeadamente nos benefícios advindos de trocas comerciais livres, tanto nacionais como internacionais. A partir da especialização da produção, era, assim, determinante liberalizar as relações económicas, já que o processo produtivo estava em constante potencialização. Era oposto a trocas comerciais preferenciais e a sinergias e/ou instituições deste cariz, assim como a sindicatos de trabalhadores, já que defendia que os salários seriam pagos com o valor correspondente às suas necessidades de sobrevivência.

Assim, o papel do Governo é reduzido ao mínimo, limitando-se à defesa, à administração da justiça e às obras públicas, tendo, como fontes de receita, os impostos taxados aos rendimentos. O papel de Adam Smith tornou-se bastante influente no século XIX inglês, em que as companhias económicas ultramarinas seriam geridas desta forma, com menores tarifas alfandegárias, fomentando o comércio internacional, e dispondo de maior mobilidade laboral. De igual modo, de futuro, muitos seriam os países que abraçariam estas noções liberais nos seus governos, aceitando abdicar do controlo da economia em prol da sua quase-independência, entregue às forças do mercado, embora, por vezes, não prescindissem de fornecer alguns bens públicos de primeira necessidade. Pode-se considerar que Smith tenha sido o avô do capitalismo, já que, sem o liberalismo como charneira, não poderia existir tal modo de funcionamento da economia.

Adam Smith é alguém incontornável no desenvolvimento do pensamento da economia à escala científica. Smith é o primeiro a sintetizar um conjunto de ideias e de premissas daquilo que considera ser o modelo ideal para a produção de riqueza e para o bem-estar de uma sociedade. O escocês abriu as portas para que a economia pudesse ser vista de forma sintetizada e integrada, colocando em relação as interações económicas dentro das empresas, entre os proprietários e a força de trabalho e as trocas comerciais nacionais e internacionais. É uma influência indelével que permanece a ser referenciada no presente, tendo em conta que são inúmeras as “mãos” que apontam para aquilo que muitos consideram ser os fundamentos da economia. Nunca ninguém avistou a tão célebre “mão invisível”, mas a discussão ainda hoje permanece se ela é real ou mitológica. Aquilo que é indiscutível, porém, é que o seu pensamento e as suas “mãos” apontam para o entendimento de como, tanto à escala nacional como internacional, a economia funciona.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados